domingo, 27 de outubro de 2019

O amigo oculto e a sala da maldade

Os que até recentemente orbitavam em torno do bolsonarismo têm feito revelações que o país precisa ouvir. São alertas importantes das sombras que cercam o novo poder no Brasil. Fabrício Queiroz negocia cargos públicos, como revelou O GLOBO. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) confirma o que tem sido dito pela imprensa. Que dentro do Palácio do Planalto funciona um escritório de atividades ilegais de ataque aos supostos adversários do governo. O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) alerta sobre a gravidade de o presidente oferecer vantagens para quem apoiasse o filho na liderança.


Só há um caminho seguro: esclarecer todas as sombras que cercam a presidência de Jair Bolsonaro. A administração tem mais de três anos pela frente e já deu para entender que ela trabalha com dois padrões de julgamento: condena nos outros as irregularidades que aceita para si e para os seus.

O que é preciso para que as autoridades que combatem a corrupção no Brasil entendam o caso Queiroz? Ele foge de depoimentos, o MP se contenta com um documento escrito do suspeito, ele se esconde, é encontrado pela imprensa, e agora este jornal traz um áudio incontornável. Nele, o ex-assessor comprova com todas as letras sua continuidade delitiva. Oferece nomeações políticas e pede dinheiro para isso. “20 continho aí pra gente”. Segundo ele disse, “há mais de 500 cargos” no Congresso e pode-se nomear sem que apareça a vinculação “ao nome”. Revela que sabe o cotidiano do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ele estava sendo investigado, fora exonerado há meses, e exibiu sua influência sobre nomeações políticas.

Joice, uma aguerrida bolsonarista até recentemente, próxima do presidente e dos seus filhos, assinou uma lista e foi deposta da liderança, em retaliação. Reagiu contando parte do que sabe. Confirma o que a imprensa vinha divulgando, sobre como os filhos e o entorno do presidente criam e administram perfis falsos da rede para atacar o que eles consideram que são adversários políticos e divulgar mentiras que afetam a reputação desses alvos.

Isso é uma anomalia intolerável. O que está sendo revelado é que uma parte da comunicação do presidente da República é clandestina e age de forma ilegal usando como arma a prática de crime da calúnia e difamação. Isso se faz dentro de um gabinete no mesmo andar onde o presidente despacha e os salários dos difamadores são pagos pelos contribuintes. Do Rio, sem qualquer vinculação funcional com a administração federal, o vereador Carlos Bolsonaro é o porta-voz virtual do presidente da República e o coordenador dessa comunicação das sombras. O general Otávio Rêgo Barros faz seu dedicado trabalho de comunicação da Presidência, com seus briefings diários e respostas técnicas para a imprensa. Mas isso é apenas parte da comunicação de Bolsonaro. No mesmo palácio funciona essa “sala da maldade”, ou “gabinete de ódio”, que faz o trabalho sujo, pratica crimes, assassina reputações, constrói mentiras e as dissemina na rede. Os alvos podem ser políticos, jornalistas, pessoas vistas como adversárias, e até integrantes do governo. Eles já conseguem demitir ministros, como o general Santos Cruz.

O ex-líder Delegado Waldir disse que iria implodir o presidente ao divulgar um áudio. Perguntado depois sobre qual áudio, ele alertou que o que fora divulgado mostrava o presidente oferecendo vantagens e recursos para quem ficasse ao lado do filho dele. “Eu considero isso muito grave.” E é. Bolsonaro apenas insinua, mas suas palavras são claras. “É o poder de indicar pessoas, de arranjar cargos no partido, é promessa para fundo eleitoral,” diz o presidente a um correligionário pedindo a esse interlocutor que apoiasse seu filho Eduardo.

Tudo isso que está sendo revelado pelos ex-amigos e pela imprensa é gravíssimo. O dinheiro dos funcionários do atual senador Flávio, que passava pela conta de Queiroz, não está sendo investigado por ordem do ministro Dias Toffoli, do STF, até que seja julgado o poder de compartilhamento que tinha o extinto Coaf. Mas o deputado Delegado Waldir alerta que “a rachadinha nunca parou”, e Queiroz afirma no áudio: “salariozinho desse aí, cara, para a gente que é pai de família, cai como uma uva”. Tudo isso cai sobre a democracia brasileira. Não como uva. Como ameaça.
Míriam Leitão

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