domingo, 27 de outubro de 2019

Mudanças climáticas reforçam desigualdade no mundo

Enquanto secas, inundações e incêndios estampam as manchetes em todo o mundo, o preço mais alto está sendo pago por aqueles que já são pobres ou marginalizados.

Estas são as conclusões de um estudo recente dos pesquisadores Noah S. Diffenbaugh e Marshall Burke. A pesquisa revelou que a diferença econômica entre países ricos e pobres teria sido menor sem a crise climática.

"O Produto Interno Bruto [PIB] da Índia é aproximadamente 30% menor do que teria sido sem aquecimento", afirmou Diffenbaugh, coautor do estudo, em entrevista à DW. Ele acrescentou que o PIB per capita do Brasil está em torno de 25% abaixo da provável taxa se não tivessem ocorrido mudanças climáticas.

Oito dos dez países mais afetados por eventos climáticos extremos – como furacões e chuvas de monções – entre 1998 e 2017 foram países em desenvolvimento com renda baixa ou média-baixa, segundo o Índice Global de Risco Climático da Germanwatch.

"Regiões como o Sudeste Asiático são muito vulneráveis, não apenas porque são frequentemente atingidas, mas porque não têm recursos para lidar com o impacto", disse David Eckstein, coautor do índice da Germanwatch, em entrevista à DW.


Embora os desastres naturais não sejam algo novo, as mudanças climáticas aumentam sua frequência e intensidade, dificultando para os afetados enfrentar os impactos. "Muitas vezes, esses países estão em processo de reconstrução e são atingidos novamente por um evento", disse Eckstein.

De acordo com a Oxfam International, os dois ciclones que atingiram Moçambique em rápida sucessão no início deste ano deixaram 2,6 milhões de pessoas precisando de comida, abrigo e água limpa. Milhares tiveram que procurar por um novo lugar para morar.

E segundo a instituição suíça Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, eles estavam entre os sete milhões – de um total de 10,8 milhões de pessoas forçadas a deslocamentos internos entre janeiro e junho deste ano por causa de desastres relacionados ao clima e terremotos.

Mas mesmo as pessoas que não vivem em extrema pobreza correm o risco de se tornar pobres, disse à DW Harjeet Singh, chefe de política climática da ONG ActionAid International. Ele visitou recentemente o mangue arbóreo de Sundarbans, em Bangladesh, onde a terra foi engolida pelo aumento do nível do mar.

"As pessoas de lá tinha recursos, mas suas vidas foram completamente devastadas pelos impactos das mudanças climáticas", disse Singh. "Elas caíram no ciclo da pobreza."

Singh disse ter testemunhado uma situação semelhante no Delta do Saloum, no Senegal, onde o aumento do nível do mar dificulta o cultivo ou a pesca das comunidades. É desta forma que as pessoas "se tornam ultra pobres e migram sem recursos e se tornam mão-de-obra não qualificada nas áreas urbanas", acrescentou.

As disparidades econômicas devido às mudanças climáticas não são exclusivas dos países mais pobres. Um estudo de 2017 publicado na revista Science afirmou que temperaturas mais altas em estados dos EUA, como o Arizona, levarão a um uso mais intenso de sistemas de refrigeração, o que implicaria num maior uso de energia e custos mais elevados para consumidores.

No entanto, alguns estados americanos mais ao norte poderiam se beneficiar com o uso reduzido de sistemas de calefação, entre outros fatores. No Maine, por exemplo, no extremo nordeste americano, o Produto Interno Bruto pode aumentar em até 10%, enquanto no Arizona o PIB pode diminuir em até 20%, segundo o estudo.

Em Madri, mais de 20% das famílias correm o risco de pobreza energética – a falta de capacidade de manter as casas aquecidas no inverno e frescas no verão, segundo apontou um estudo encomendado por autoridades regionais espanholas.

"Pessoas com menos recursos não podem pagar pelo aquecimento ou pelo ar-condicionado e costumam morar em prédios muito mais velhos sem isolamento adequado", disse Cristina Linares, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Espanha, em entrevista à DW. Isso torna as temperaturas extremas particularmente ameaçadoras.

Linares sugeriu que o risco para os lares mantidos por mulheres é entre 35% e 120% superior à média. Mulheres idosas que vivem sozinhas e mães solteiras são particularmente vulneráveis.

A análise atribui isso ao fato de que a pensão média mais alta entre as mulheres em Madri está abaixo da pensão média mais baixa para homens e que em 50% dos casos, as famílias de mães solteiras vivem abaixo da linha de pobreza. As mulheres são frequentemente as mais afetadas pelas mudanças climáticas e carecem de recursos para lidar com os impactos.

"Quando as colheitas fracassam, as famílias em dificuldades são frequentemente forçadas a tirar seus filhos da escola e são sempre as meninas que são afastadas primeiro", afirmou Kiri Hanks, consultora política da Oxfam International, em entrevista à DW.

Tentativas de diminuir a lacuna de desigualdade sem um planejamento adequado podem causar mais danos do que benefícios. Fornecer a todos na Espanha sistemas de aquecimento e refrigeração, por exemplo, ajudaria as pessoas a lidar com temperaturas extremas, mas "isso exacerbaria o problema em sua fonte devido ao maior consumo de energia", segundo Linares.

Eckstein, da Germanwatch, afirmou que iniciativas para ajudar os países a se recuperarem são importantes, "mas o que também é necessário é que esses países se preparem com antecedência".

Ele apontou que Bangladesh melhorou sua posição no Índice Global de Risco Climático porque lida melhor com os impactos das mudanças climáticas do que outros países. Entre outras medidas, Bangladesh construiu barragens para evitar inundações e introduziu sistemas de alerta para acelerar a retirada de pessoas.

Mecanismos de proteção social para ajudar as pessoas a se realocarem e aprenderem novas habilidades também são importantes. "Se a realocação for necessária, deve ocorrer de uma maneira muito bem planejada", disse Singh. Mas como os países afetados geralmente não têm capacidade econômica e técnica para tal, o apoio internacional desempenha um papel decisivo, acrescentou.

Singh disse concordar que o planejamento preventivo é a chave para reduzir a diferença de desigualdade intensificada pelas mudanças climáticas. "Os atores globais atuais estão nos levando a um mundo mais quente em 3 graus Celsius", disse. "Realmente esperamos não chegar a esse ponto, mas nosso planejamento tem que ter isso em mente."
Deutsche Welle

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