A expressão, na verdade, é maior: In tota fine erga omnes et ominia, para todos os fins, a respeito de todos e tudo.
No país dos bacharéis e cartórios, uma sentença latina tem o mágico efeito de dirimir qualquer conflito, litígio e polarização. O Estado brasileiro está estraçalhado desde o início da temporada eleitoral do ano passado, portanto, há cerca de um ano. A cada dia que passa aumentam os fraccionamentos, e isso a tal ponto que hoje todos são adversários de todos: sumiram aliados, coligados, sócios e até possíveis cúmplices (assustados com a epidemia das delações premiadas).
O brasilianista James Green, com 40 anos de estudos e vivências em nosso país, disse na sexta a O Globo que nunca viu o país tão dividido e conflagrado. E tão perplexo. Em outras palavras: ninguém se entende e ninguém entende o que se passa.
Batizada de “Erga Omnes”, “contra todos”, a 14.ª fase da Operação Lava Jato, fiel ao significado de que a lei vale para todos, prendeu na sexta-feira a maior coleção do figurões do mundo empresarial com base em evidências de operações fraudulentas que começaram na Petrobras há mais de dez anos.
É possível que o inédito rigor da lei, seu belo enunciado em latim e nossa conhecida veneração pela retórica sejam capazes de minorar o clima de desavenças que minam progressivamente instituições, posturas e códigos. Mas também é possível que a sede de justiça, agregada à dinâmica da insensatez, intoxique ainda mais o ambiente.
Convém lembrar sempre que não estamos isolados numa confortável academia fruindo estimulante troca de percepções filosóficas. Estamos enfiados numa penosa trincheira e enfrentando o estresse de uma acabrunhante crise econômica, índices inesperados de desemprego e um aumento inaudito da violência cotidiana. Parece exaurida nossa apregoada capacidade de dissimular e disfarçar os maus instintos.
Novos costumes, novas tecnologias com novos mimetismos alimentam um até agora impensável estoque de agressividade. Modalidades alienígenas rapidamente assimiladas e disseminadas sugerem um recorte antropológico bem distinto daquele que se imaginava.
Evidentemente não foi efeito da notícia da chacina num templo batista negro em Charleston, na Carolina do Sul, mas quase simultaneamente fomos surpreendidos com uma inesperada cólera religiosa: no Rio, semana passada, uma menina de 11 anos, vestida para um ritual de candomblé em casa de sua avó, foi apedrejada na rua. E também no Rio, na sexta-feira, foi descoberto o assassinato do médium Gilberto Arruda, 73 anos, famoso pelos tratamentos espirituais e a caridade que oferecia no Lar Frei Luiz.
Já tivemos pastores pisoteando imagens de santas na tevê, mas estes incidentes contra crenças religiosas sincréticas e tão arraigadas na espiritualidade brasileira podem ser os primeiros sintomas de uma intolerância secularmente reprimida e agora liberada pelas pressões do momento.
A lei é para todos – esta verdade saiu num dos jorros do petrolão, e com ela teremos de conviver para sempre. Somos finalmente iguais.
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