sábado, 20 de junho de 2015

Ilusões perdidas

· O preço que a sociedade está pagando pela submersão do PT na areia movediça da degradação moral é incalculável

“Ubi sunt qui ante nos fueront?” é uma expressão latina, mote de vários poemas medievais, que, traduzida, pergunta: Onde estão agora aqueles que existiram antes de nós? É um questionamento sobre a transitoriedade da vida, mas pode também ser tomada como uma reflexão a respeito das pessoas e ideias nas quais um dia depositamos crédito e que, desafortunadamente, nos decepcionaram de maneira irrevogável. Quando isso ocorre nas relações privadas desenrola-se um drama. Se na vida comunitária, encena-se uma tragédia.

O financiamento público de campanhas eleitorais esteve desde o início entre as principais bandeiras do PT como arma no combate à corrupção. Em 2013, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a defender uma reforma política que caracterizasse o financiamento privado como crime inafiançável. No entanto, passados pouco mais de dois anos, Lula voltou atrás e afirmou não ver problema em, “de cabeça erguida”, o PT aceitar dinheiro de empresas para patrocinar candidaturas.

Por muito menos, em 1997 a ex-prefeita de São Paulo e deputada federal Luiza Erundina foi pressionada a deixar o partido após aceitar convite do ex-presidente Itamar Franco para assumir uma pasta em seu ministério. Na época, o PT havia se colocado em oposição incondicional ao governo, aliás, um enorme equívoco – Itamar revelou-se fiador da nossa frágil democracia e iniciou o processo de estabilização da economia. Ironicamente, para reeleger a presidente Dilma Rousseffe manter-se no poder, no ano passado o partido não titubeou em aceitar o apoio do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, que renunciou ao mandato em 1992 para evitar o impeachment por corrupção.

O PT surgiu em fins dos anos 1970 como uma novidade histórica: uma agremiação de esquerda alicerçada em movimentos populares, sem o ranço do autoritarismo reacionário comunista. Assentado em um discurso reformista que pregava mudanças políticas e sociais respeitando as regras da democracia, o partido se consolidou ao longo dos anos 1980. No entanto, na medida em que ganhava eleições municipais e estaduais, os princípios éticos que norteavam os ideais petistas iam se esgarçando. Finalmente, quando alcançou o governo federal em 2003, pouco restava do pensamento original.

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É indiscutível que ainda assim houve importantes avanços, principalmente no campo social –aspecto que delimita a diferença radical entre as práticas políticas de esquerda e de direita. Mas o preço que a sociedade está pagando pela submersão do PT na areia movediça da degradação moral é incalculável. O cinismo com que quadros do partido justificam as atitudes de dirigentes envolvidos em crimes de corrupção, muitas vezes usando argumentos que quase chegam a repetir o lema “rouba, mas faz”, é estarrecedor. Exemplo recente é a moção de apoio ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que encontra-se preso acusado de desviar recursos da Petrobras – antecipando-se à Justiça, o partido presume sua inocência.

Em 1982, durante campanha para eleição ao governo do Estado de São Paulo, na qual foi derrotado, Lula pronunciou uma famosa sentença: o PT mata a cobra e mostra a cobra morta. Hoje, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, vem a público declarar que o que houve no mensalão foram “erros” e não crimes. A ética relativa do PT exemplifica em que se converteram os ideais do início da formação do partido. Suas lideranças pouco a pouco assenhoraram-se da verdade, tornando-se comandantes messiânicos pairando acima do bem e do mal. O sectarismo advoga que os fins justificam os meios. Esquecem-se, no entanto, que, se a verdade é transitiva, a ética é um princípio basilar inegociável.


Esse delírio megalomaníaco do PT não afunda apenas o partido, mas configura-se como um perigoso revés para a nossa débil democracia, já que, equiparando-se aos outros partidos, esvazia a esperança dos que um dia sonharam com um Brasil mais justo. Por conta dos desmandos dos gestores do PT, o país encontra-se refém do PMDB, que tem como líderes os presidentes da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros – este, aliás, para quem não se lembra, ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso.

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