São elas: 1 - Qual a formação que esse pessoal obteve nas escolas militares?; 2 - Em que medida eles representam o alunado médio dessas escolas?; 3 - Em caso negativo, de que modo esses militares conseguiram diplomar-se e fazer uma carreira nas Forças Armadas, ascendendo a posições de destaque e chegando à irresponsável iniciativa de afrontar o Alto Comando do Exército ao planejar um golpe de Estado?
Uma das respostas possíveis é a que tem sido dada por importantes historiadores, como José Murilo de Carvalho. Segundo eles, a República foi fruto de uma intervenção militar, configurando um golpe que viciou o regime político desde seu início. A partir daí, a intervenção militar na vida pública teria se convertido numa espécie de norma, em decorrência da propensão dos membros das Forças Armadas a intervir na via política quando assim o desejassem, como se sua missão fosse tutelar a sociedade.
Outra resposta tem sido dada por respeitados analistas e sociólogos, como Roberto Godoy, Eliezer de Oliveira e Celso de Castro. Por ficarem reclusos aos quartéis e às academias, apartando-se do restante da sociedade, os militares transformaram-se progressivamente num grupo social específico dotado de formação técnica. Constituindo-se numa corporação disposta a se emparelhar com a elite civil, eles se imaginaram como um "poder moderador", agindo a partir daí como um poder potencialmente desestabilizador da ordem jurídica.
Por mais que nos primórdios do golpe de 1964 o então ministro Roberto Campos dissesse que o "‘projeto de grandeza’" do novo regime apagaria "a imagem do militar como um profissional abrutalhado pela caserna, de treinamento estreito e bitolado", isso não ocorreu, como revelam as gestões de Costa e Silva, Médici e Figueiredo.
Desde então, o que se vê é um confronto entre duas burocracias. A inerente ao sistema representativo, com suas negociações e acertos, garantindo governabilidade mas não o desenvolvimento econômico e social. E a burocracia militar, com suas concepções de patriotismo. Enquanto na vida política os atores são obrigados a respeitar a ordem jurídica, no caso dos militares —ainda que estejam sujeitos ao direito positivo— prevalecem mais a autoridade hierárquica superior e os regulamentos disciplinares.
São duas formas de pensar e agir, como dizia o professor Oliveiros Ferreira, nos anos 1960. Ao decidir, o burocrata civil se ampara nas leis, com base nas quais pode se recusar a cumprir decisões impostas por seus chefes, colocando-os diante da alternativa de serem responsabilizados no caso de irregularidades.
Já o militar se ampara em decisões superiores tomadas por seus chefes e adotadas com base em princípios diferentes daqueles que regem os cidadãos comuns. Como os dois grupos disputam o controle de recursos escassos, decorre daí a tensão entre eles —e, principalmente, a hostilidade dos segundos aos primeiros.
Este ponto é essencial. O que se viu na prisão de militares pela PF não é apenas um choque entre as duas burocracias, como em 1964. Foi, sim, um choque dentro da própria burocracia militar. Foi um embate em que os defensores de um plano de assassinato de três autoridades agiram contra a vontade de seus próprios superiores. E os palavrões que disseram ao afrontar generais oficialistas dá a medida do desrespeito desse pessoal pela hierarquia.
Felizmente, as instituições foram mais fortes do que esses aventureiros bolsonaristas. Mas isso não obscurece as indagações feitas acima: o que se passa com as escolas militares, que diplomam fardados sem formação e condições morais de vestir uma farda?
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