Peguei emprestado um salvo conduto do Chico Buarque de Holanda e portanto posso ser politicamente incorreto. Você sabe, tem gente que pode fazer isso sem ser chamada de racista e tem gente que não pode nem pensar em usar uma expressão dessas sem ser linchado em praça pública.
Na música “Caro Amigo”, onde ele relatava a situação do Brasil durante a ditadura militar a um suposto amigo distante, Chico diz que a "coisa aqui tá preta” e, como estava mesmo, ninguém se lembrou de chamá-lo de racista. Se ele fosse um coxinha, estaria crucificado. Como é um progressista, está liberado. E aplaudido, claro.
Então vamos usar do salvo conduto e repetir: a coisa aqui tá preta.
Otelo, o mouro de Veneza, ainda não foi expulso de campo, mas falta pouco para isso. Machista, ciumento doentio, e além de tudo, um mouro. Na próxima montagem teatral, duvido que Otelo passe em brancas nuvens (racismo de sinal trocado pode).
Li no Facebook um manifesto de um grupo pró-igualdade racial exigindo a troca do nome de um restaurante chamado “Senzala”, porque isso lembra a escravidão, que deve ser esquecida para sempre. Como Ruy Barbosa, que mandou queimar documentos sobre a escravidão para apagar da História essa ignomínia. Os historiadores agradeceram, penhorados.
A paranoia politicamente correta ganhou a contribuição de um obscuro vereador petista de São José, cidade do interior do Espírito Santo. Ele conseguiu transformar em lei uma proposta que proíbe os restaurantes da cidade de colocar o saleiro à disposição dos clientes, em nome da preservação da saúde deles, ameaçada pelo poder hipertensivo do sódio.
Mas acontece que eu faço questão de temperar a minha própria salada e conclamo todos os habitantes da próspera cidade capixaba a um movimento de resistência civil, que deveria alastrar-se por todo o Brasil, sob o sagrada bandeira da liberdade de mandar na própria vida: deixem o saleiro na mesa!
É muito gratificante saber que o Estado, que é uma superestrutura de altruísmo, formada por várias camadas de generosidade e amor ao próximo, esteja tão preocupado em guiar os passos de seus cidadãos, para evitar que eles façam xixi nas calças, cocô fora do penico, e comam, bebam ou fumem coisas que podem prejudicar a saúde.
Substituir o livre arbítrio e até mesmo a Divina Providência pela mão protetora do Estado babá, o Estado guia, o Estado provedor, é um sonho recorrente dos engenheiros sociais que estão em busca de plantar os alicerces da sociedade perfeita.
Querem apenas guiar-nos em direção ao bem, e nós, ingratos, resistimos.
Não há de ser por outra razão, por exemplo, que o pró- reitor da Universidade Federal de Santa Maria (RS), mandou um memorando aos diretores de todos os departamentos pedindo para identificar todos os alunos e professores de origem israelense. O pedido foi feito por sindicatos de professores, DCE, e o Comitê Santa-mariense de Solidariedade ao Povo Palestino. O pró-reitor, em vez de jogar o pedido no lixo, o repassou a todos os departamentos da universidade.
Para que localizar professores e alunos de origem israelense? Para bordar uma estrela amarela na roupa deles? Nem o pró-reitor que assinou o memorando nem o reitor da universidade conseguiram justificar o pedido.
Como é que três assuntos tão diferentes, como o sal, o antissemitismo e o nome de um restaurante dizem tanto a respeito de um momento de degradação moral de um país?
A coisa aqui está mesmo preta.
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