sexta-feira, 5 de junho de 2015

Como esta crise vai mudando até as paisagens

Ao ir à minha banca de jornal na semana passada (pois é, ainda tenho esse hábito...), dei de cara com uma faixa que me deu tristeza. Nela estava escrito: "Passo o ponto _ Tratar aqui". O ponto é o bar sem nome do "seu" Zé, um legítimo português do Algarve, que está ali faz mais de trinta anos, e se tornou uma referência no bairro.
"Estou pagando para trabalhar. Por R$ 200 mil, passo na hora, não aguento mais", disse-me ele, sem entrar em maiores detalhes. Ia lá de vez em quando, para tomar uma cervejinha na calçada nos dias de calor, e conversar com sua freguesia de gente simples _ empregados de condomínios, pedreiros, carpinteiros, garçons, aposentados, pessoas que moram ou trabalham na vizinhança.

Outro dia, duas mulheres passando na calçada me chamaram a atenção. A mais alta era loira, de traços finos, aparência de secretária bem sucedida. A seu lado, caminhava a moça morena, baixinha, roupas simples, cabelos presos. Uma parecia ser patroa da outra, mas eram colegas de trabalho.

As duas estavam carregando baldes, vassouras e detergentes. Pareciam novatas no ramo da faxina terceirizada. Com a maior dignidade, empunhando seus novos instrumentos de trabalho, encontraram uma forma alternativa de ganhar a vida nestes tempos de crise. Fazer o que? Ficar em casa vendo televisão e reclamando da inflação, do desemprego e dos políticos safados?

Diante daquelas cenas e das notícias dos jornais e revistas, achei que era hora de pegar a estrada e ver outras paisagens. Alguns leitores têm atribuído o pessimismo e desesperança dos meus textos nos últimos meses ao fato de morar em São Paulo, onde o clima anda realmente muito pesado desde a última campanha eleitoral, e só vem piorando.

Apesar do frio e da chuva, fui para a praia, coisa que não fazia há muito tempo. Fim de mês, grana curta, desta vez já esperava não encontrar congestionamentos pelo caminho, como antes era comum em qualquer final de semana, mas não podia imaginar que estivesse tudo tão livre, quase sem carros e sem gente, de São Paulo a São Sebastião.

Lá estavam as barracas de frutas da Mogi-Bertioga, oferecendo seus produtos encalhados para ninguém. Na Boracéia, desta vez não encontrei os índios de uma aldeia próxima que ficam à beira da estrada vendendo seu artesanato, plantas e palmitos. Em Maresias, reduto do campeão Gabriel Medina, desta vez não vi pranchas e surfistas em penca, apesar da ressaca do mar de ondas altas de até três metros.

Nos centros comerciais desertos, estava cheio de faixas anunciando promoções e descontos, muitas placas de vende-se e aluga-se, uma liquidação geral. Até a moda de casamentos na praia foi atingida: o movimento das festas de noivas, me disseram, caiu 70%, em pleno mês de maio. Quiosques de praia, supermercados, padarias, restaurantes, pousadas, tudo uma calmaria só.

Além de números, estatísticas e índices econômicos, esta crise vai mudando também as paisagens físicas e humanas e, pelo jeito, não adianta pegar a estrada para mudar de cenário e de conversa.

Vida que segue.

Nenhum comentário:

Postar um comentário