Por milênios, os homo sapiens têm habitado a terra destruindo-a. Alguns, os menos informados, imaginam que tudo começou com a revolução industrial nas dobras dos séculos XVIII/XIX, como também imaginam que o movimento ambientalista começou com a Conferência de 1972 em Estocolmo (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano). Antes desta conferência, Rachel Carson já havia publicado Primavera Silenciosa, com enorme impacto sobre o nascente movimento ambientalista, e o mundo já conhecia a criação de áreas protegidas, o Brasil inclusive. Antes da revolução industrial, os Sapiens já haviam dizimado os Neandertais, enfraquecidos pelos fortes efeitos da era glacial na Eurásia, como também os megamamíferos, os mamutes, entre 50 e 10 mil anos atrás. Incluindo o Brasil, onde foram extintos os tigres dentes de sabre, as preguiças gigantes e os toxodontes, entre outros.
A revolução industrial com a adoção do modelo econômico baseado na reprodução ampliada e nos combustíveis fósseis acelerou exponencialmente o processo já existente, a destruição da fauna selvagem. E a expandiu à biodiversidade. Segundo David Attenborough, mais da metade do número de indivíduos dos vertebrados, sobretudo mamíferos, já foi extinta. E a outra o será em breve. A sociedade humana destruiu também a maior parte das florestas, incluindo, mais recentemente, as tropicais. Inspirada na grande ideologia do crescimento, aquela que perpassa regimes capitalistas e socialistas, a sociedade humana consome cada vez mais recursos naturais e emite gases de efeito estufa (GEE) para a atmosfera.
A invenção do desenvolvimento sustentável, nos anos 1980/1990, implicou múltiplos esforços de mudança, mas, por enquanto, inócuos. Os GEEs continuam a se acumular provocando o aquecimento global, e com ele, os seus efeitos nocivos largamente conhecidos.
Já estamos adentrando a meta da COP de 2015, em Paris: 1,5º C acima da temperatura média global de antes da revolução industrial. Se o mundo alcançar 3oC ingressaremos em um patamar catastrófico. E se formos a 5oC será um patamar desconhecido, ou seja, que não sabemos o que ocorrerá com o clima e seus eventos críticos, incluindo neste caso ameaças existenciais à humanidade.
As concentrações desses gases na atmosfera são frequentemente medidas em partes por milhão (ppm) ou partes por bilhão (ppb). Segundo os relatórios do IPCC, em 1990, a atmosfera continha cerca de 354 ppm de CO2; em 2000, cerca de 369 ppm; em 2010 - 389 ppm. Em 2024, cerca de 415 ppm. No caso do metano, a variação foi de 1.700 partes por bilhão (ppb), em 1990, para cerca de 1.870, atualmente. E, no caso do óxido nitroso (N2O), variou de cerca de 310 ppb para cerca de 333, em 2024. Ou seja, todas as medidas tomadas no mundo, sob o signo de criar um desenvolvimento sustentável, não diminuíram os gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Eles continuam aumentando, os eventos críticos climáticos tornam-se mais frequentes e intensos.
É de conhecimento público, com exceção dos negacionistas, que são as atividades humanas que produzem poluição, destroem a biodiversidade e provocam as mudanças climáticas (sugiro esgotamento de recursos não-renováveis). No entanto, estamos adentrando um período em que este fenômeno será superado: crescimento constante de eventos críticos climáticos, mais frequentes e mais intensos, que se farão independentemente das atividades econômicas dos humanos.
Como as mudanças climáticas tendem a ganhar vida própria, ou seja, independente das atividades humanas? Basicamente pelo círculo vicioso que está se formando entre o degelo dos Polos, que reduz o chamado efeito albedo (medida da proporção da radiação solar que é refletida de volta à atmosfera e ao espaço), a exposição do permafrost, que emite GEEs e o aumento da temperatura dos oceanos, somado à perda da vegetação e da biodiversidade.
As geleiras do mundo inteiro, particularmente dos polos, possuem a capacidade de refletir a radiação solar, evitando que a terra absorva o seu calor (efeito albedo). Na medida em que a terra se aquece, e ela tem se aquecido desde o século XIX com a industrialização, porém mais acentuadamente nas últimas três décadas, a terra perde superfície de gelo e, assim, reduz o efeito albedo. Com isso, o planeta tem que absorver uma maior quantidade de calor. A consequência da perda de superfície de gelo reflete-se, também, em outro aspecto: o ressurgimento do permafrost à luz do sol. Esta é a terra que está sob as geleiras, às vezes há milhões de anos, repleta de micróbios e germes ancestrais, mas sobretudo de CO2 e metano, dois dos mais poderosos gases de efeito estufa. Com isso, aumenta o acúmulo de GEE na atmosfera e a terra se aquece ainda mais. O que produz, por sua vez, mais degelo. Ao que se deveria acrescentar a redução da capacidade dos principais sumidouros de CO2: oceanos e cobertura vegetal. Os oceanos porque, com o aquecimento, perdem vida, sobretudo algas, e absorvem menos CO2. A cobertura vegetal, como no caso das florestas já foram em grande parte destruídas, e continuam a sê-las.
Em resumo: mesmo que os humanos cessassem hoje de emitir gases de efeito estufa, as mudanças climáticas, com seus eventos críticos continuariam, e de forma mais frequente e intensa. O aquecimento continuaria a se elevar, e não apenas, como diz Tomas Tarquínio, em belíssimo artigo aqui publicado, resultado dos gases já emitidos nas últimas décadas.
Neste sentido, Richards, Lupton e Allwood em artigo publicado na revista Climatic Change (2021), chamam a atenção, para o fato de que hoje “Há uma preocupação crescente de que as alterações climáticas representem um risco existencial para a humanidade”. Previsões similares, e mesmo mais graves, têm sido feitas constantemente por outros estudiosos das mudanças climáticas. O risco existencial se faz também presente junto a animais não-humanos.
Muitos cientistas evitam falar em desastre ou colapso. Em parte, pelas idiossincrasias próprias da cultura científica, sempre atrelada aos cuidados de objetividade, verificação e adequação à empiria, ou seja, aos fatos e experimentos. Um dos intelectuais mais brilhantes neste campo foi sem dúvida Jared Diamond, com seu famoso, e muito debatido internacionalmente, livro – Colapso. Como as sociedades escolhem o fracasso ou sucesso. Livro cujas partes mais interessantes rezam sobre as sociedades antigas: os Maias da América Central, os Rapa Nui da ilha de Pascoa, os Polinésios das Ilhas de Pitcairn e d’Henderson, os Anasazis do Novo México no sudoeste dos Estados Unidos e os Vikings da Groelândia.
Para Diamond, cinco são os fatores centrais na destruição dessas civilizações pretéritas: (i) destruição dos recursos naturais, (ii) mudanças climáticas, (iii) conflitos internos e externos, (iv) dependência de parceiros comerciais e (v) respostas inadequadas aos problemas ambientais. Fatores que em geral se retroalimentam.
Os cinco fatores causais do colapso, citados por Diamond, estão presentes de forma relevante em todos os casos, e igualmente presentes hoje, no mundo: (i) mais da metade da vegetação de florestas tropicais já foram destruídas e mais de 60% dos indivíduos da fauna selvagem, particularmente mamíferos; (ii) o aquecimento é um fato inconteste assim como o aumento da frequência e da intensidade dos eventos críticos; (iii) a polarização e, sobretudo, o negacionismo são os exemplos mais visíveis dos conflitos de risco; (iv) o mundo hoje é economicamente globalizado, e o que ocorre em um determinado país pode desorganizar cadeias produtivas globais como ocorreu com a invasão da Rússia na Ucrânia, e, finalmente, (v) as respostas mais evidentes para vencer o risco climático são largamente insuficientes. Os GEE se acumulam na atmosfera. A cada ano o mundo bate recorde de aquecimento. Tudo se conjuga para provocar a sexta extinção da vida no planeta, e com ela, os sapiens correm o risco de irem juntos.
Ora, no caminhar atual da carruagem, ou seja, se não forem tomadas medidas drásticas de mudanças nos defrontaremos, antes de 2050, com perda de vidas humanas aos milhões, senão bilhões. Enquanto isso, muitos políticos, governos e empresas tendem a escamotear o problema ou simplesmente negá-lo. Em plena tragédia climática do Rio Grande do Sul, o Congresso Nacional continua a aprovar medidas para reduzir as restrições à destruição da natureza no Brasil.
E a sociedade, como um todo, resiste à adoção de medidas radicais que, no entanto, com o aumento da frequência dos eventos críticos terão de ser tomadas, para não tornar a terra um lugar inabitável aos humanos. Se não tomarmos medidas radicais de mudança de rumo, como propugna Edgar Morin9, o Rio Grande do Sul será o Brasil de amanhã. E como diz Przeworski, “nossos filhos e netos morrerão ou queimados ou afogados”.
Sem medidas radicais de mudança, o ser matricida, que somos nós, será expulso da vida. Para regozijo de todos os seres vivos da terra. Por isso, sustentabilidade já era. Adentramos a fase de atividades regenerativas a começar da própria agricultura: é preciso reduzir a monocultura e o uso excessivo e mortal de pesticidas, estimular a agricultura orgânica e a agroecologia. É preciso recuperar a biodiversidade, ampliando áreas protegidas; parar de emitir gases de efeito estufa, com novas tecnologias e estímulo à economia de proximidade e à economia circular; reduzir o consumo dos ricos; findar com a obsolescência programada; reduzir as embalagens e adotar material reciclável; acelerar a transição energética, adotar um novo e radical sistema tributário, e mudar nossos hábitos e valores.
Não temos que pensar que “não tem mais jeito”, nem julgar que medidas paliativas resolverão o problema. Ainda temos tempo.
Porém para sobreviver, os humanos devem produzir uma metamorfose, como dizem Ulrich Becker e Edgar Morin, uma revolução não basta.
Elimar Pinheiro do Nascimento
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