sábado, 1 de fevereiro de 2020

A democracia não é mais aquela

Tem muita gente festejando o resultado da pesquisa da Universidade de Cambridge que mostra descontentamento crescente com a democracia em todo o mundo. Segundo a pesquisa, 58% das pessoas entrevistadas em 154 países estão insatisfeitas com este sistema de governo. No Brasil, apenas 20% das pessoas ouvidas aprovam o regime democrático. Os que comemoram este péssimo resultado são aqueles que acreditam que um regime totalitário pode ser mais útil ao país, acreditando que um governo de força acabaria com a corrupção e a violência, entre outros problemas.

A História prova que eles estão enganados, e a pesquisa revela as limitações dos que pensam assim, não importando de que ângulo enxergam o cenário. No Brasil, cidadãos de orientação política de direita estão da mesma forma equivocados sobre a democracia quanto os de esquerda. Aqueles bolsonaristas que aplaudem de modo entusiasmado tanto os acertos do governo quanto seus erros grosseiros e antidemocráticos imaginam que um regime totalitário salvaria o Brasil. Da mesma forma, há lulopetistas que prefeririam um governo centralizador, sem o contraditório, sobretudo sem imprensa, como imaginou um dia José Dirceu.

Supor que um governo não democrático acabaria com a corrupção é o mesmo que acreditar que há democracia na Venezuela e que os generais de Maduro não são os mais corruptos da América Latina. Pensar que um regime fechado terminaria com a violência é tão absurdo quanto ignorar o poder global da máfia russa, a mais cruel e sanguinária do mundo.


A pesquisa mostra que as pessoas não confiam em regimes democráticos em razão dos sucessivos escândalos de corrupção e nepotismo que produziram, sobretudo na América Latina, pela sua incapacidade em lidar com a criminalidade e por se revelarem inúmeras vezes incompetentes na busca de soluções para crises econômicas. O problema não é apenas enxergar a democracia por esta ótica. Mais grave é imaginar que há solução mágica fora dela. No Brasil, por exemplo, a pesquisa demonstra que 37% dos entrevistados acreditam que um golpe militar resolveria os problemas de corrupção e seria capaz de reduzir os índices da violência urbana.

Rematada bobagem. Nostalgia da ditadura brasileira revela não apenas desconhecimento histórico, mas também ignorância antropológica, por ser impossível comparar qualquer dado dos anos 60 e 70 com seus similares de hoje. Para começar, o Brasil de 1970, por exemplo, tinha 93 milhões de habitantes, sendo que 42% viviam na zona rural. Hoje, o Brasil tem 215 milhões, e 85% habitam as cidades. São obviamente dois países distintos. Mesmo os que acreditaram cegamente no regime militar daqueles anos não conseguiriam explicar de que forma ele se cristalizaria em 2020.

No mundo, segundo a pesquisa da Universidade de Cambridge, o desencanto com a democracia cresceu exponencialmente na última década em razão da crise econômica de 2008, por causa da insolúvel crise dos refugiados, em razão da polarização política e pela falta de respostas dos governos em atender questões sociais urgentes. Claro que o regime de governo não é o culpado por estes problemas, mas os entrevistados não pensam assim.

Somam 2,4 bilhões as populações dos países ouvidos na pesquisa. China e Cuba obviamente não foram consultados. Da mesma forma que há quem apoie uma ditadura militar, há também quem defenda o modelo de meritocracia do Partido Comunista chinês, onde os melhores ascendem na burocracia chinesa depois de serem testados em várias instâncias administrativas. Outros acham perfeito o regime cubano, onde escolas e hospitais funcionam melhor que no Brasil e o acesso é universal. Tudo bem, mas tente discordar de uma decisão de um chefe de quarteirão em Havana. E vai ver como funciona o mercado popular de Wuhan.

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