quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A visita do Presidente

Comunista em 1971, eu não usava gravata, que via como coisa burguesa, embora meu então ídolo Lênin usasse gravata e até colete… Mas o presidente Garrastazu Médici ia passar pela cidade e, como repórter da Folha de Londrina, fui encarregado da cobertura, junto com o fotógrafo Daniel Martinon.

Médici desceria de um avião, caminharia pela beirada da pista, cumprimentando autoridades e vinte casais londrinenses consideráveis (aqueles considerados dignos de tal consideração) e embarcaria noutro avião da FAB com destino a Foz do Iguaçu. Era obrigatória gravata na foto da carteirinha-crachá de trânsito livre, “válida entre 25 e 26 de janeiro de 71”, e lá fomos nós.

Do avião saíram primeiro uns tipos altos de terno escuro, que avisaram aos repórteres: não podíamos sair do quadrado de poucos metros desenhado na pista. Mas Martinon botou um pé para fora, batendo fotos, depois outro pé, aí levou uma cotovelada no peito e caiu sentado. Ofegante, me deu uma maquininha instamatic, dizendo para eu fotografar antes que o presidente acabasse de descer a escada do avião. No dia seguinte sairia na primeira página do jornal minha única foto em duas décadas de jornalismo.

Médici cumprimentou os casais enfileirados suando ao sol, daí resolveu quebrar o protocolo e tomar um cafezinho no bar do português no aeroporto, e foi aquela pequena multidão junto. Muitos tomaram café e, quando o presidente ia se afastando, o portuga bateu palmas:

– Ei! Quem vai pagar os cafezes?

Foi aquela correria de puxa-sacos com dinheiro na mão. Enquanto os cafezes eram pagos, o presidente foi abordado pelo Circuito, o japonês que tremelicava enquanto recortava origamis com inesquecível habilidade. Seguranças quiseram afastar o importuno, mas João Milanez disse que ele não fazia mal a ninguém, só bem, e o sisudo presidente ficou vendo o japonesinho elétrico trabalhar com a tesoura.

Circuito fez um bichinho, Médici sorriu, depois fez uma ciranda de bonecos, o presidente sorriu de se ver os dentes, coisa rara nos presidentes militares. Até que alguém lembrou da agenda, o presidente tinha horário rígido, e um ordenança recolheu os origamis, a comitiva ia já se afastando quando Circuito teve um chilique:

– Ei, quem vai pagar? Quem vai pagar?!

Novamente os puxa-sacos arrancaram carteiras mais ligeiros que mocinho de faroeste sacando revólver, e Circuito pegou todas as notas. Voltando ao jornal, Martinon disse que sentia dores no peito mas também duas alegrias:

– A ditadura já não assusta tanto, e começou a pagar o que deve…

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