Sou do tempo em que pet era bicho de estimação e treinador
pessoal de ginástica não era identificado pelo inculto neologismo “personal”,
com acento incorreto na última sílaba. As duas designações são úteis para
ilustrar a atividade que ainda atende pelo nome de jornalismo no Brasil.
Um jornalista nova-iorquino decidiu passar este ano
auscultando sua profissão. O resultado é uma série de três longos artigos
na New York Review of Books, o último a ser publicado no segundo semestre.
Li os dois primeiros como os frequentadores de igrejas de gospel
afro-americano, que interrompem o sermão com interjeições. Para quem lê em
inglês, recomendo enfaticamente a leitura.
Como aperitivo, ofereço algumas considerações feitas pelo
excelente Michael Massing em sua série sobre jornalismo digital. É frequente,
nos debates coalhados de clichês como “ruptura” e “viral”, discutir-se modelos
de negócio, soluções técnicas mas, enquanto vemos o florescimento de uma
segunda geração de publicações digitais, pouco se discute sobre o impacto real
da tecnologia na forma de fazer jornalismo. Além disso, o jornalismo online,
cada vez mais influente, não enfrenta avaliação de qualidade como a
impropriamente chamada mídia tradicional. Até o termo inglês para designar
organizações como o New York Times – legacy media – mídia de legado,
sugere descompromisso dos novos concorrentes com a continuidade.
Depois de passar meses imerso nos websites do jornalismo
americano, Massing saiu com uma conclusão que endosso: reina a caretice e a
falta de imaginação. A tal da ruptura se reflete em publicações extintas,
desemprego, redução gradual do papel mas não em ousadia para reinventar o
jornalismo num novo ecossistema. Os exemplos apresentados são expressivos:
O Huffington Post, que acaba de completar dez anos, já passou por várias
encarnações, desde que decolou surrupiando conteúdo dos outros e empregando
blogueiros não remunerados. Mesmo depois da venda para a AOL por inexplicáveis
US$ 315 milhões em 2011, a publicação hoje multinacional batizada com o nome do
ex-marido de Arianna Stassinopoulos, continua oscilando entre a boa reportagem
tradicional e o besteirol de celebridades.
O cenário muda de tom mas a falta de criatividade é a mesma
em contemporâneos que resistem, como Slate, Salon e The
Daily Beast, praticantes, como bem lembra Massing, de um jornalismo opinativo e
do contra, do tipo “Saiba como o ajuste fiscal vai gerar empregos.”
E a garotada da segunda geração digital? Igualmente careta.
O queridinho das estatísticas, o jornalista Nate Silver, saiu do New York
Times para criar seu próprio site FiveThirtyEight, o mais conhecido
entre os que usam números para compor narrativas. Sua contribuição recente para
resolver as mazelas da Fifa foi resumida pelo economista de uma universidade
nova-iorquina como “uma peça que ilustra como boas estatísticas e
desconhecimento da história produzem resultados inúteis.”
O campeão em viralidade Buzzfeed, responsável, em fevereiro,
pelo desperdício planetário de tempo com o debate da cor do vestido, emprega
cada vez mais jornalistas. Mas, para ler uma cobertura exclusiva sobre a guerra
na Ucrânia, o leitor tem que atravessar um monte de lixo como “21 celebridades
que confirmam que os canhotos são muito mais sensuais.” O Buzzfeed tem um
“editor de animais”, sim, um curador de focas amestradas.
O que mais têm em comum a primeira e a segunda geração do
jornalismo digital? Raramente dão furos, influenciam debates ou iniciam um novo
diálogo sobre um tema.
Já o New York Times nos brindou no fim de semana
com uma reportagem assinada por múltiplos jornalistas que é um primor de renovação
de linguagem e uso de multimídia. O jornal contou a evolução e o impacto do
Seal Team 6, a unidade secreta de elite celebrizada por matar Osama bin Laden.
O provectoWashington Post, vitaminado pelo novo dono Jeff Bezos, hoje dá banho
na turma da ruptura, incorporando nova mídia com criatividade e pregando sustos
no establishment político em Washington.
Não se trata de saudosismo. Michael Massing argumenta que a
mídia digital é território fértil para conteúdo investigativo e de
profundidade, com seu poder de atualizar informação e interligar fontes. Mas
mesmo novos sites de chamado jornalismo long form, de textos longos, não se
firmam. É o Guardian britânico que muda a história ao revelar Edward
Snowden para o mundo.
Nos anos 70, o Brasil tinha uma taxa de analfabetismo de 33%
e era rapidamente unificado por uma televisão com padrões visuais
norte-americanos. Gilberto Braga certa vez comentou comigo que, por causa da
novela das 8, as domésticas brasileiras passaram a ter “uma relação” em vez de
namorado. Sem que tenhamos nos tornado a pátria educadora de fato, o brasileiro
hoje é o maior consumidor mundial de “notícias” via Facebook. Se o jornalismo
americano pegou uma gripe, o brasileiro pegou pneumonia.
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