quinta-feira, 1 de julho de 2021

O governo que sequestrou o país

Acabou. É uma questão de tempo e de processo. O governo Bolsonaro terminará pela soma imensa dos seus erros. Não foram erros de gestão, apenas. Foram crimes. E eles foram tantos, tantos que atravessam os códigos legais, a Lei 1079 do impeachment, a Constituição. Ele feriu o primeiro direito. O da vida. Quanto tempo Arthur Lira pode ignorar o superpedido de impeachment protocolado ontem? Ele tem o poder de fazer um pedido, mesmo substantivo e plural, ficar parado na gaveta, mas há forças demais se movendo na mesma direção. Um governo que quer US$ 1,00 de propina por dose de vacina está, na verdade, sequestrando o país e pedindo resgate.


Publiquei neste espaço, em 3 de maio de 2020, uma coluna com o título “Sem medo do impedimento”. Eram 7.051 mortes. Bolsonaro persistiu na mesma atitude e isso nos trouxe aos atuais 518 mil mortos. É completamente equivocada a ideia de que o Brasil “naturalizou” o impeachment e por isso ele deveria ser evitado. Esse argumento é de corar um estudante de Direito. Equivale a propor que um instrumento jurídico não seja usado porque já o foi no passado. É o mesmo que dizer que a lei não pode ser aplicada para não gastar.

Nunca foi tão justo quanto agora, diante do mar de mortos que está diante de nós, pedir o impeachment do presidente. Jair Bolsonaro tomou decisões que provocaram a morte de brasileiros. E ele também ameaça diariamente as instituições democráticas. A lista dos 23 tipos penais arrolados no superpedido de impeachment ontem apresentado por instituições da esquerda e da direita não deixa dúvidas. Há razões superlativas para que ele seja tirado do cargo que desonra diariamente.

A CPI está mostrando de forma exuberante os crimes do presidente nesta pandemia. São tantos que há pelo menos quatro trilhas de investigação. Ação deliberada para espalhar o vírus, que está tipificado como crime de epidemia; omissão e atrasos nas compras de vacinas; disseminação de remédio com ineficácia comprovada; formação de estrutura paralela ao governo. E, agora, prevaricação. Foi informado de irregularidades com dinheiro público, sabia quem era o suspeito, não mandou investigar. Em reação retardada, o governo vai mudando versões para dizer que investigou. As versões não param em pé. São tão ilógicas que os governistas na CPI leem o que vão falar. Não guardariam de memória essas mudanças constantes de enredo. E novas acusações surgem, como a que a repórter Constança Rezende, da “Folha de S.Paulo”, revelou sobre o pedido explícito de propina ouvido pelo empresário Luiz Paulo Dominguetti Pereira no Ministério da Saúde.

Na sessão de ontem da CPI, o empresário bolsonarista Carlos Wizard fez uma triste figura. “Eu me reservo o direito de ficar em silêncio.” Mas os vídeos apresentados eram arrasadores. Neles, Wizard, rindo, sustentava a tese de que os “cinco mortos” no município de Porto Feliz, no interior de São Paulo, tiveram culpa na própria morte. “Ficaram em casa, não foram em busca do tratamento precoce.” Em outro vídeo, já eram 50 os mortos. O que será que ele diria agora se não tivesse emudecido?

Wizard, a exemplo de Bolsonaro, usa a palavra de Deus como se a Bíblia fosse dele. Chegou carregando um cartaz que citava um versículo de Isaías. A senadora Eliziane Gama do Cidadania o respondeu mostrando intimidade com a Bíblia. Em uma das citações que ela fez, também do profeta Isaías, há o alerta contra líderes que são “amigos dos ladrões e amam o suborno” e “não defendem os direitos dos órfãos e das viúvas”. O Brasil é um país laico, mas tem sido abusivo ver o presidente e seus seguidores usarem a Bíblia de forma proprietária. Por isso, a resposta da senadora fazia todo o sentido.

O superpedido de impeachment produziu uma cena rara, de união no mesmo palanque de políticos da esquerda e da direita ex-bolsonarista, que discordam sobre todo o resto, mas concordam que Bolsonaro é o pior presidente da História, que ele ampliou o número de mortes com as escolhas que fez e reitera a cada dia.

Entre o pedido de impeachment e seu andamento há o presidente da Câmara. Mas os processos políticos têm dinâmica própria. Lira diz que não há votos necessários, da mesma forma que tantos diziam que não era a melhor hora da CPI. Um governo não termina quando acaba. Bolsonaro vai atacar, mentir, manipular, ameaçar, cooptar e usar os poderes da Presidência. As instituições terão de persistir em defesa da vida dos brasileiros.

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