domingo, 14 de agosto de 2016

Receita para esquecer Fidel

Ligo o rádio e um locutor declama uma breve manchete: “Fidel Castro, o grande construtor”. O homem explica que as obras mais importantes do país saíram desta cabeça que durante décadas foi coberta por uma boina verde-oliva. Cansada de tanto culto à personalidade, decido ver televisão, mas no canal principal um advogado detalha o legado jurídico do Máximo Líder e, ao terminar o programa, anunciam um documentário sobre “o invencível guerrilheiro”.

Durante semanas, os cubanos vivemos um verdadeiro bombardeio de alusões a Fidel Castro, que foi aumentando à medida que se aproximava a data de seu aniversário de 90 anos, completados neste 13 de agosto. Não há pudor nem semitons nesta avalanche de imagens e de epítetos.


Todo este excesso de homenagens e lembretes se trata, sem dúvida, de uma tentativa desesperada de recuperar do esquecimento o ex-presidente cubano, tirá-lo desta zona de abandono midiático em que caiu desde que anunciou sua saída do poder já há uma década.

Ao homem que nasceu no povoado oriental de Birán, em 1926, fomos deixando no passado, condenando-o ao século XX, enterrando-o em vida.

As crianças que cursam o ensino fundamental nunca viram o outrora loquaz orador discursar por horas num ato público. Os agricultores respiraram aliviados de não terem que receber as constantes recomendações do “agricultor em chefe”, e até as donas de casa agradecem que ele não apareça num congresso da Federação de Mulheres Cubanas (FMC) lhes ensinando a cozinhar com uma panela de pressão.

A propaganda oficial sabe que os povos muitas vezes apelam à memória de curto prazo, como uma forma de se proteger. Para muitos jovens, Fidel Castro resulta já tão remoto como um dia foi para minha mãe o ditador Gerardo Machado, que no começo do século passado marcara tão negativamente a vida da geração de minha avó. Nenhum país pode viver com o olhar fixo num só homem... assim que o desenfoque e a distração se interpuseram entre o ex-primeiro secretário do Partido Comunista e a população da ilha.

Os seguidores de sua figura aproveitam as celebrações por suas nove décadas de vida para tratar de erigir a estátua da imortalidade no coração da nação. Endeusam-no, perdoam seus sistemáticos erros e o convertem na cabeça mais visível de um credo. A nova religião tem como premissa a teimosia, a intolerância ao diferente e um ódio visceral — quase como uma batalha pessoal — contra os Estados Unidos.

Os detratores de “Ele”, como o chamam muitos cubanos, preparam os argumentos para desmontar seu mito. Aguardam o momento em que os livros de História o deixem de comparar com José Martí e façam sobre sua trajetória uma análise crua, fria, objetiva. São esses que sonham com a era pós-Castro, com o fim do fidelismo e com a diatribe que cairá sobre sua controversa figura.

Os demais, porém, simplesmente viram a página e encolhem os ombros em sinal de cansaço quando escutam seu nome. São os que desligam a televisão por estes dias e fixam a vista num dia a dia que nega cada palavra que Fidel Castro tenha dito em seus discursos inflamados, naqueles tempos, quando planejava construir a utopia e fazer de nós homens novos.

Eles, os cansados de sua onipresença, são os que darão o ponto final ao mito. E o farão sem agitação ou atos heroicos. Simplesmente deixarão de falar sobre ele a seus filhos, não colocarão as fotos em que ele é visto com um fuzil e uma dragona nas salas de suas casas, nem nomearão seus netos com as cinco letras de seu nome.

A celebração pelo aniversário de 90 anos de Fidel Castro é na realidade sua despedida: desmesurada e angustiante como foi sua vida política.

Yoani Sánchez 

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