sexta-feira, 10 de maio de 2024

Paradoxo climático: a causa global de prejuízos locais

A bomba climática que devastou o sul do Brasil revela a limitação das prefeituras, dos estados e do governo federal para lidarem com um problema que é planetário. Quanto custa reconstruir um estado? De quem é o dinheiro e a responsabilidade para pagar esse prejuízo?

Pra simplificar, basta comparar a situação com uma guerra mundial nuclear. O prefeito de Bento Gonçalves não conseguiria, com recursos do município, evitar os efeitos da radiação sobre sua população, nem reconstruir a economia e a infraestrutura de sua cidade devastada por bombas atômicas lançadas do outro lado do mundo.

Analistas como Kissinger, John Naisbitt e Dani Rodrik já alertavam para um paradoxo característico da globalização (na economia, geopolítica e meio ambiente): a economia globalizada produz efeitos positivos e negativos em escala planetária que se desdobram em outros benefícios e prejuízos nos locais mais remotos.


O aquecimento global é assim. Grandes multinacionais emissoras de gases efeito estufa, estimulando consumidores insaciáveis, contando com a tolerância de governos arcaicos, acabam disseminando impactos incontroláveis sobre o clima e os sistemas naturais mundo afora. Foi-se o tempo em que era suficiente “pensar globalmente e agir localmente”.

Esqueçam aqueles eventos colegiais do “Dia da Árvore”. Também não adianta a costumeira troca de acusações entre os políticos em ano eleitoral. Ninguém consegue mais amenizar nem resolver um estrago desse porte. Negócios feitos nas bolsas de Nova York ou Tokio acabam afetando, bem ou mal, a vida de pessoas comuns, desde Paris até Lajeado.

Nesse cenário, os prejuízos que estamos vendo nas cidades, estradas e lavouras sulistas são uma soma de fenômenos da natureza com a ação de pessoas que sequer estão lá na região para pagarem a conta. E quem está lá (moradores e prefeituras) não dispõe dos recursos necessários. A escala bilionária está além dos orçamentos, tecnologias e equipes da região.

O prefeito de São Leopoldo pode até “pensar globalmente”, mas pouco poderá fazer quando for “agir localmente”. É um esforço de enxugar gelo (nesse caso, o gelo de geleiras longínquas), até porque tudo se repetirá com força e frequência cada vez maiores.

É bem verdade que os governos e os legisladores municipais e estaduais podem endurecer na elaboração e aplicação das regras ambientais e urbanísticas. Também podem melhorar a qualidade do gasto público em geral, como forma de prepararem melhor suas cidades para esses efeitos locais das mudanças do clima global.

Contudo, é inadiável que se estabeleça uma governança climática superior e efetiva, no nível federal e no nível internacional. Não será fácil em tempos de ONU fragilizada e de retomada do espírito beligerante mundial, quando, no Brasil, nosso ‘presidencialismo de coalisão’ segue animado.

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