Boa parte do Sudeste e do Sul do país votou em Bolsonaro. Ou porque se identifica com suas ideias ou porque em 2018 e em 2022 ele foi a única alternativa eleitoralmente viável ao PT. E o que faz a azeitada máquina bolsonarista de produção de fake news? Inventa notícias que, ao fim e ao cabo, prejudicam os gaúchos debaixo d’água, mas não só a eles.
Não existem “supostas fake news” como bolsonaristas envergonhados costumam escrever. Ou a notícia é verdadeira ou ela é falsa. Jornalista ou veículo de comunicação reconhecidamente sério pede desculpas e se corrige quando publica uma notícia errada. Os não sérios, mesmo que apenas tenham errado sem nada inventar, não a corrige.
Uma coisa é o erro, imediatamente admitido e acompanhado de um pedido de desculpas. Outra coisa é a invenção de um fato que nunca aconteceu. Há que se distinguir entre fato e opinião. Eu posso ter uma opinião diametralmente oposta à sua sobre um fato, e ambos temos o legítimo direito de expressá-la. Mas fato é fato.
Se eu invento, cometo um crime. Se eu apenas comento um fato de um jeito e você de outro, não há crime nisso. Ninguém é obrigado a pensar da mesma maneira. Eu posso achar que as autoridades públicas do Rio Grande do Sul são responsáveis, em grande parte, pela tragédia que já matou mais de 100 pessoas; e você acha que elas são inocentes.
Mas você, assim como eu, não podemos dizer que o governo gaúcho ou federal, por exemplo, impediu que caminhões com ajuda humanitária chegassem mais rapidamente ao interior do Rio Grande do Sul porque cobrava notas fiscais das mercadorias que eles transportavam ou queria pesá-los antes. Isso é uma grossa mentira.
Mentira que ganha um peso maior quando levianamente, ou de caso pensado, é encampada por líderes políticos. O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, bolsonarista de raiz, publicou um vídeo em que afirma que caminhões de suprimentos advindos do seu estado com destino ao Rio Grande do Sul foram barrados e multados.
Mello classificou o episódio de “vergonhoso”. A falsa informação, porém, já havia sido desmentida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e por órgãos do governo gaúcho. O que não impediu que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) a repetissem.
A obsessão pela mentira não é exclusividade de bolsonaristas, mas é uma marca característica deles e do seu guia. Mentiram sobre o Covid, o tratamento precoce e as vacinas. Mentiram sobre as urnas eletrônicas e o processo de apuração de votos. Mentiram sobre o golpe de Estado que fracassou. E agora mentem sobre a crise climática.
Socorro-me do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, autor do poema “A implosão da mentira”. Segue um trecho:
Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem sobretudo impunemente.
Não mentem tristes,
alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acho que mentindo história a fora
vão enganar a morte eternamente.
Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente.
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