terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Podemos evitar que a politização destrua nossas vidas?

2022 será violento. Bolsonaro fará o que for preciso para se manter no poder. E se os números nas pesquisas não melhorarem, ficará cada vez mais desesperado.

De uma forma ou de outra, todos seremos dragados por essa disputa, que pode separar amigos, parentes, colegas de trabalho e até namorados. Cresce o número de pessoas que não vão para a cama com alguém sem antes saber direitinho em quem a pessoa votou em 2018 e como pretende votar em 22.

O filósofo político Robert Talisse vem acompanhando esse fenômeno e vê razões para nos preocuparmos. É o que ele argumenta em "Overdoing Democracy" (Oxford University Press, 2019, ainda sem tradução), lançado pouco antes da pandemia, mas cujos pontos centrais se tornaram mais fortes desde então.


A orientação política penetrou em basicamente todos os aspectos da vida nos EUA —do canal de notícias consumido e o tipo de música que se ouve à vizinhança em que se mora.

Essa politização dá início a um processo de autosseleção, em que nossas relações ficam cada vez mais restritas apenas a quem vota como nós. Num país bipartidário como os EUA, e com cultura mais ideológica que a nossa, esse processo já está mais avançado, mas caminhamos na mesma direção.

Somos animais gregários que formam coalizões e buscam o poder. A solução tradicional para garantir ordem social era a supressão do dissenso.

A sociedade democrática liberal é uma conquista recente da humanidade, e que jamais será natural. Ela aceita a dinâmica de formação de coalizões, mas sujeita-a a regras.

Projetos políticos (assim como concepções religiosas) diferentes existindo lado a lado e em paz, respeitando regras de comum acordo sobre o que pode ou não ser feito para garantir a vitória, dependem de um equilíbrio muito tênue. Se o meu lado é o certo, com base no quê devo respeitar o outro?

"Tudo é política" é um slogan que pega bem nos meios mais esclarecidos aqui no Brasil. É também, contudo, um veneno que está nos matando aos poucos, tornando a política cada vez mais polarizada e, por isso, menos eficaz.

A pertença à tribo correta, vista como o valor mais importante, toma precedência sobre o encontro de soluções de compromisso que de fato funcionem para resolver problemas da população. Num mundo em que eu sequer convivo com esse outro, ele se torna cada vez mais um monstro da minha imaginação. E como ele não respeita regra nenhuma, eu também me permito não respeitá-las.

Talisse é menos convincente em prescrever soluções. Uma coisa é clara: recomendações individuais podem ajudar cada um de nós a não enlouquecer, mas não dão conta do problema.

É sempre positivo lembrar que a vida tem muito mais do que política, e sacrificar todo o resto —​relacionamentos, interesses, cultura— em nome dela é um jeito seguro de perder tudo que realmente importa. E, no fim das contas, a própria democracia, sacrificada ao fanatismo.

No entanto, por mais que cada indivíduo possa resistir neste ou naquele ponto, o processo geral é implacável.

Cada esfera da vida pode ser utilizada para favorecer este ou aquele lado da disputa, cada escolha de consumo pessoal pode refletir um certo conjunto de símbolos que apontam para um ou outro lado.

Você até pode se desligar um pouco de tudo, mas será que vale a pena, considerando os riscos que se apresentam em 2022? Cada vez mais ressentidos, rumamos para o vórtice. Um feliz Ano-Novo!

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