O antipetismo conseguiu ser a linha de frente do movimento pelo impeachment da presidente da República. Aventurou-se nessa estratégia e conseguiu a façanha de carrear para suas ações personalidades e grupos políticos com maior presença e experiência na cena política brasileira. Foi brevemente hegemônico, poderíamos dizer. Conseguiu quebrar o monopólio que o PT detinha sobre as ruas, como também o monopólio da qualificação do mundo político, especialmente dos seus adversários. Acertou e errou, fez o bem e o mal. Hoje não consegue reorientar sua estratégia de ação e começa a ver erodir na opinião pública o relativo prestígio que havia alcançado, ainda que, enquanto sentimento, dá sinais claros de que permanece latente e pronto para ser novamente ativado.
A cultura política do petismo é ainda uma incógnita. E permanecerá assim se o foco de atenção para compreendê-la continuar voltado para o embate entre suas correntes internas e para as vicissitudes da política e da economia, stricto sensu, vivenciadas pelos governos do PT. Não há certamente uma muralha chinesa entre essas dimensões e o petismo, mas não há obrigatoriamente relação de causa e efeito entre elas. O PT nasce da modernização conservadora empreendida pela ditadura, que, na clássica leitura de Luiz Werneck Vianna, resultou na “liberação dos instintos egoísticos” da sociedade civil. Na luta contra a ditadura novos seres sociais transplantaram para a política, via sindicalismo de resultados, o mundo dos interesses dos “de baixo”, recolhendo elementos como “eu quero o meu” ou “12% ou a morte”, uma consigna da primeira grande greve do final dos anos 1970. O amálgama desses anseios com ideias difusas de rebeldia, de esquerda e de um anticapitalismo romântico resultará no petismo. O PT não nasceu do embate ideológico e se julgava uma novidade que desconhecia qualquer predeterminação. Essa postura o levou inexoravelmente a uma política de polo, anticoncertacionista, que acabou por fraturar a frente oposicionista contra a ditadura. Ao rechaço à ditadura e depois aos governos de transição se somaria uma lógica de custo/benefício que instaurou definitivamente o “cálculo econômico” como critério de pragmática do PT, cimentando suas “escolhas racionais” como expressão legítima dos interesses que dizia representar. Daí aos governos petistas não há mudança significativa. O petismo estabeleceu assim um modus operandi que passou a funcionar no automático.
O PT recusou-se assim a construir a hegemonia. Desprezou possíveis aliados do difuso progressismo democrático e reformista, preferindo instaurar seu predomínio. Hoje, ao fracassar o seu “distributivismo sem reformas”, como bem apontou Cesar Benjamin, o PT dá as condições, a partir das alianças que consumou pragmaticamente, para o conservadorismo retomar seu fôlego no momento do seu ocaso.
Petismo e antipetismo são dois constructos ideológicos opostos que se estruturam em torno de discursos de padrão agonístico cujo principal objetivo é a construção intencional do adversário político. O primeiro é um mosaico disforme, que só conhece a razão dos seus interesses, um ator mais afinado com a perspectiva de “projeto de poder” do que com a noção de hegemonia de matriz gramsciana; enquanto o segundo é pura reação, errática na maior parte das vezes, sem liderança legitimada, que flutua por diversos canais e dificilmente encontrará seu Leitmotiv para estruturar sua unidade e lhe garantir alguma estratégia para o futuro.
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