A polícia agiu rapidamente nos dois casos, embora no episódio da Lagoa a coisa tenha degringolado também rapidamente. Menos de 48 horas depois do assassinato, a Divisão de Homicídios apreendeu na Favela de Manguinhos, distante cerca de 16 quilômetros da cena da violência, um menor negro, de 16 anos, que negou o crime. Nem vem ao caso discutir aqui a ação da polícia, obrigada a reabrir o caso quando um terceiro adolescente inocentou o primeiro menor.
Mas é curioso examinar as fichas corridas do menino inicialmente apontado como assassino do médico na Lagoa e a do jovem protagonista da cena de selvageria na Gávea. Veja só. O menor, criado pela mãe, catadora de papel, parou de estudar aos 14 anos, quando ainda cursava o sexto ano do ensino fundamental. Colecionou, desde os 12 anos, 15 anotações criminais: oito por roubo, três por furto, uma por desacato, uma por posse de drogas, uma por tráfico e a última por tentar esconder uma faca nas areias de Copacabana ao ser perseguido por PMs. O menino, cuja primeira apreensão ocorreu quando perambulava pelas ruas de Copacabana, esteve nove vezes aos cuidados do Degase, o Departamento de Ações Socioeducativas. Duas vezes, aos 11 anos, foi pego no Leblon passando fome, sem dinheiro para voltar para casa. Foram perdidas, portanto, pelo menos nove chances de tentar ajudá-lo a deixar o mundo de violência que, aparentemente, foi o único que ele conheceu.
A ficha corrida do jovem da Gávea também é extensa. Foram sete passagens pela polícia, antes do ataque de fúria de sábado passado. A primeira, com 16 anos, por agredir uma colega de escola. Além de outras agressões, foi condenado pela Lei Maria da Penha, mas a pena acabou sendo suspensa em troca de seu comparecimento ao Fórum a cada dois meses. Ele não cumpriu a medida, jamais compareceu ao Fórum, mas ficou tudo por isso mesmo. No seu currículo ainda consta o atropelamento de um homem na Praia do Leblon. A bordo do seu Nissan, José Phillippe tentou fugir sem prestar socorro. Com tantas anotações judiciais, ele não tinha passado um único dia preso. Até agora. “Ele não tem condições de conviver em sociedade”, justificou a delegada Monique Vidal ao pedir a prisão preventiva de Phillippe.
A violência, a maldade pela maldade, choca. Difícil aceitar que um ser humano possa ser mau a ponto de matar para roubar uma bicicleta ou partir para cima de três pessoas, entre elas uma mulher de 1,47m, irritado porque um convidado fez xixi no jardim de sua casa. Mas o que deixa a sociedade desnorteada é perceber que as instituições responsáveis por coibir a violência, punir os infratores e recuperar jovens estão fazendo tão mal o seu papel.
Mesmo em uma análise superficial, fica claro nos dois episódios a quantidade de falhas. No caso da Lagoa, a escola pública não foi capaz de ensinar o menino de Manguinhos. O serviço de assistência social não conseguiu assisti-lo. O poder público falhou de novo nas nove oportunidades de ajudá-lo com ações socioeducativas quando o levou para o Degase. E a ação policial — pelo menos a última delas — foi, no mínimo, precipitada. No caso do jovem da Gávea, sequer a punição de comparecimento ao Fórum foi cumprida. Não se trata aqui de julgar e condenar ninguém apressadamente. Pelo contrário. Os ritos da Justiça têm que ser cumpridos em todos os casos. A questão é a falta de eficiência das instituições. E é nelas que repousa boa parte das esperanças de uma sociedade civilizada.
Márcia Vieira
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