quinta-feira, 16 de maio de 2024

O fim do mundo

Nada era mais assustador do que falar naquele assunto. O fim do mundo fazia parte dos medos, na infância, mas contraditoriamente eu gostava de ouvir as histórias. Entre as brincadeiras, havia aquela das contações, eram passatempos como fossem filmes de terror. Os relatos, apocalípticos, nos faziam viajar com os pés em chão firme.

Havia um amigo cuja mãe falava do Velho Testamento em casa e ele, do alto de sua autoridade, nos repetia com os olhos esbugalhados. Dizia que o mundo se acabou com água, da primeira vez, num dilúvio que tomou conta de toda a Terra. E, da próxima, ai de nós, o planeta seria devorado por imensas labaredas. Haveria choro e ranger de dentes.

Tudo seria consumido pelo fogo. Entre apavorado e fascinado por aquelas narrativas, eu rezava minhas ave-marias, que aprendi nas aulas do catecismo, pedindo a Deus para não virar churrasco.

Paulinho recontava o fim do mundo à sua maneira e o medo dele alimentava o nosso, que éramos seus amigos. Não se sabia ao certo como seria aquele incêndio atlântico, onde ele começaria ou quando. Mas com certeza seria algo para além dos limites geográficos de nossa cidade.


Seria um castigo de Deus, segundo ele, devido à maldade das pessoas e, portanto, não era bom questionar as “profecias”. De minha parte eu cuidava de repassar os relatos e claro, ninguém aceitava aquela história de forma tranquila ou desprovido de espantos.

O fato é que o fim do mundo estava próximo e havia o precedente que era comprovado pela Bíblia. No grande dilúvio, salvaram-se somente os que pegaram carona na Arca de Noé, episódio incontestável conhecido pelos adultos e pelas igrejas. Logo, era difícil se contrapor.

Penso agora no fim do mundo, sem aquele sentimento ingênuo e dogmático da infância, quando leio e vejo notícias sobre os desastres no Rio Grande do Sul. As águas do Rio Guaíba avançam sobre cidades e o céu gaúcho dá a entender que pode despencar, a todo instante, num cenário desalentador.

O mundo acabou para muitas pessoas, infelizmente. As enchentes e tempestades são exemplos de fim de mundo, assim como o “final dos tempos” ocorre para várias populações, em diversas regiões, nas secas terríveis que agora são registradas até na Europa; na temperatura da atmosfera que está cada vez mais alta em todo o mundo; nos terremotos, ciclones, furacões e tornados que sacodem os centros urbanos; nos tsunamis, no avanço do mar e nas pandemias; entre outras dores.

Vivemos, em cada episódio, uma terrível sensação de finitude. A cada desastre estamos sendo privados da vida. A crise climática, na verdade, está nos deixando ilhados no mundo que poderia ser mais confortável para todos. Aquele temor do fim do mundo, que tínhamos na infância, é manifestado, na maturidade, com outro sentimento e com o sentido de novas realidades.

A crise do clima é também da existência humana. O fim do mundo, não é mais aquela versão de Paulinho, mas sim causado por um certo projeto de modernidade que é destrutivo demais. Desigual demais, ganancioso demais. As respostas da natureza nos chegam com a mesma intensidade do egoísmo desregrado e deixam claro a quem cabe criar leis, normas técnicas e parâmetros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário