Com seu exagero ianque, o professor Moneygrand me assegura que o sistema político brasileiro foi desenhado para não escolher e que, para nós, brasileiros, o inferno é ser obrigado a tomar partido. Neste sentido, diz ele, somos sem querer o país no futuro, já que, na sua percepção, uma “ética da dúvida” será dominante neste planeta canibalizado pelo consumismo...
Não seria um paradoxo sermos apaixonados pela “política” — esse domínio no qual o público e não previsto se manifesta abertamente — quando somos criados para sermos obedientes e honestos em casa, mas treinados para esconder, mentir e ocultar na rua?
Quando foi que o falar (mal) dos outros deixou de ser o assunto mais importante do Brasil?
Americanos falam de coisas; nós, de pessoas, aprendi numa América mais para Alexis de Tocqueville do que para Joseph McCarthy.
De fato, em casa tudo nos é atribuído: somos pais, filhos, irmãos, sobrinhos, netos, cunhados... Nela, nada é escolhido, e o comportamento segue a velha e inconsciente hierarquia inibidora do nosso lado público, cidadão e individualista que surge com os amigos que escolhemos no mundo público quando (altamente culpados) estamos livres dos controles da nossa poderosa rede de carne e de sangue.
Em casa somos “educados” e, sobretudo, obedientes — quase reacionários, diz meu amigo Levy... Mas na “rua” assustamos (e escandalizamos) quando nossos “responsáveis” descobrem como um latejar de liberdade combinado a um grama de igualdade nos torna “moleques de rua” e “revolucionários”, desafiando não apenas “tudo isso que aí está” (o que é fácil de dizer e até hoje impossível de fazer), mas igualmente os sofridos corações maternos...
Criados para não discordar, a polarização eleitoral causa mal-estar quando legitima diabolizar adversários políticos mesmo quando eles são da nossa família. A repressão do dissenso em casa revela uma negação absurda da realidade na rua. Ela legitima classificar genitores, professores e amigos como nazistas e como apoiadores do fim do mundo — caso “ele” ou o “outro” seja eleito.
É normal que o período eleitoral apaixone. Não é, porém, normal que se transforme numa batalha bíblica entre anjos e demônios.
O que estou sugerindo aqui não é novidade para quem leu meus livros. Neles eu reitero que, para termos uma vida pública palatável, é fundamental dirimir a distância entre a casa e a rua. Só assim iremos entender as suas conjunções injuriosas, quando pedimos ao parente instalado no governo ou quando concebemos os presidenciáveis como as figuras paternas a quem queremos entregar o país quando, na verdade, o nosso papel mais básico como cidadãos não é o de continuar sendo “filhos” obedientes e seguidores, mas de governar o governo.
Algo complicado quando o domínio da casa é situado fora do mundo e quando se vive num planeta cada vez menor e mais dividido. Até onde tal divisão vai também permear a nossa intensidade afetuosa em casa e a nossa relativa indiferença na rua é — a meu ver — uma das questões centrais deste momento político.
Se não é cabível esquecer a linguagem violenta; também não é possível descartar a chocante denúncia de uma política de corrupção em nome do povo. Eis um dilema complexo numa sociedade onde se aprende, repito, a estar de acordo com os erros do pai e os exageros da mãe; e, no mundo político, adotou-se o vergonhoso lema de que os fins justificam os meios. Mas posso lhes assegurar que, por baixo de todas as discórdias, jaz um Brasil cujas razões conhecemos sempre parcialmente.
Repito que não estamos no fim do mundo. Estamos, sim, vivendo uma inesperada e imensa renovação. Dizem que é conservadora. Se Marx vivo estivesse e brasileiro fosse, diria que o certo seria chamá-la de revolucionária.
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