O primeiro deles é o caráter transnacional do controle da corrupção. Empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas a um conjunto de regras internacionais que afetam os negócios no Brasil. Tal fato nos leva ao segundo vetor: a emergência do compliance. Qualquer empresa razoavelmente organizada deve seguir mecanismos rígidos de controle de suas ações quanto ao relacionamento comercial e institucional. Esse aspecto traz, ainda, aquilo que o jurista Torquato Jardim (CGU) aponta na República compartilhada: o público e o privado têm iguais responsabilidades para com a cidadania em relação à ética, à transparência e aos bons costumes para o bom funcionamento do País.
Os dois primeiros vetores influenciam decisivamente o terceiro: o nível de transparência dos governos. Já ocorrem, ainda que em meio à grande resistência “corporativista”, movimentos que forçam a redução da opacidade do Estado. Tais mecanismos devem ser mais bem utilizados pela sociedade civil e reforçados pelo Poder Judiciário.
O terceiro vetor embute um subvetor: a crescente intolerância com o corporativismo, que exaure os cofres públicos e, em troca, oferece serviços públicos precários à cidadania. A pressão será cada vez maior. Enfrentar o dilema da qualidade do serviço público ante seu custo é parte de nosso futuro imediato.
O quarto está no naufrágio do modelo fiscalmente irresponsável de gestão pública. Não há como manter governos que não sejam fiscalmente responsáveis. A busca pelo equilíbrio fiscal é a tônica das políticas públicas e a chave para a retomada de um ciclo de crescimento econômico sustentável.
Outro eixo decorre da explosão do modelo capitalista tupiniquim, que se amparava numa roda da fortuna de financiamentos (por dentro e por fora) no mundo político visando a obter contratos com empresas públicas e o governo. O esquema não vai funcionar mais. O modelo que emerge no pós-Lava Jato será mais limpo e transparente, com relações mais adequadas aos interesses da República. Sem regras mais claras não haverá investimentos para a retomada do crescimento econômico. Tradicionais soluções “meia-boca” não funcionarão mais.
Apenas como exercício de imaginação: como será a política sem o financiamento empresarial e com teto de gastos mais realista, conforme determinado pelo Congresso? Como serão as licitações, sem as maracutaias de antes? Serão elementos de um mundo novo.
Para completar o cardápio de vetores, devemos mencionar tanto a sociedade quanto as instituições. Temos uma sociedade hoje mais interessada em política. Mesmo que esse interesse se revele em elevados níveis de abstenção de voto, como nas últimas eleições. O aumento do interesse pode ser medido nas redes sociais, nos movimentos e na dinâmica dos debates. Estão muitos claras a rejeição ao populismo clientelista corrupto e a vontade de debater o que desejamos ser como nação.
Por mais que muitos vejam certo radicalismo fundamentalista no ativismo judicial, o que contamina setores da imprensa, o tempo se encarregará de limar as arestas. Às instituições caberá fazer com que o radicalismo seja contido e o bom senso prevaleça. São tempos de chamamento às responsabilidades. E, creio, teremos lideranças capazes de enfrentar tais desafios.
As linhas de observação sobre o futuro que traçamos aqui já têm causado efeito real e concreto em nossa realidade. Não são só expectativas, são realidades em construção. A primeira prova é a questão do financiamento de campanhas políticas. A segunda é a aprovação, ainda que parcial, de uma série de medidas de cunho fiscal, como a DRU, a Lei de Responsabilidade das Estatais e a PEC do Teto dos gastos.
A terceira constatação está nas medidas de reconstrução de nosso capitalismo: as novas regras do pré-sal, as novas regras para a telefonia, o debate sobre a terceirização da mão de obra, o novo programa de parcerias de investimento e as novas regras para as concessões em vigor. Em breve deverá ser aprovado o fim da restrição do jogo no País, proibição mais do que anacrônica. Apenas no Rio de Janeiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas, mais de R$ 1 bilhão são movimentados por ano com jogos ilegais. O governo nada recebe em impostos. Além disso, esse dinheiro alimenta uma cadeia de outros ilícitos mais graves.
Evidentemente que, em meio ao espesso nevoeiro em que vivemos, avistar um futuro melhor é complexo. Somos sensibilizados excessivamente pelo alarmismo das manchetes na linha do que dizia o empresário Roberto Civita: “Good news are bad news”. De acordo com o escritor Mario Vargas Llosa, vivemos uma civilização do espetáculo. Devemos ter cuidado e fazer uma leitura crítica das informações veiculadas para que possamos tomar decisões adequadas com relação ao nosso futuro e, em especial, nosso trabalho, nossos filhos e familiares.
O Brasil, em sua velocidade peculiar, e graças a seu caráter periférico na globalização, avança devagar. Em tempos de crise, aperta o passo e tende a ganhar terreno. A crise atual está sendo benéfica, sem dúvida, para o futuro. Ainda que as dores de hoje e o brilho feérico da civilização do espetáculo teimem em mostrar que não.
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