O Congresso nos desonra
Numa democracia autêntica, todo o poder político emana do povo e, em nome do povo, deve ser exercido. Segue-se que a vontade do povo precisa ser estampada nas decisões importantes a respeito das políticas públicas; não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade compatíveis com as reais acepções de um democratismo legitimamente representativo em todas as esferas do poder político. Se não for assim, o sistema vigente não estará formalmente comprometido com a decantada cidadania e com a almejada distribuição de poder entre todos os cidadãos. Urge considerarmos essa questão com seriedade, porquanto é o conceito de democracia — tão deturpado no Brasil — que está em jogo.
O discurso de um parlamentar tem de ser, necessariamente, compatível com as aspirações de eleitores ciosos de bons representantes no exercício de um poder que pertence ao povo por direito inalienável. Se o político eleito deixa de cumprir as tarefas que lhe confiaram os eleitores, ele frustra a vontade dos donos genuínos do poder nacional. Se entendermos democracia como um regime político baseado nos princípios da soberania popular a ser exercida por representatividade num regime de governo que se caracterize, em essência, pela força do ato eleitoral e, sobretudo, pelo controle popular da autoridade dos eleitos, parece não haver dúvidas de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), errou, de forma grotesca, ao declarar que a soberania do Poder Legislativo pertence ao plenário do Congresso. Esta premissa é falsa, meu caro deputado. A soberania do plenário é nenhuma, e o poder de Vossa Excelência é rigorosamente igual a zero. No caso, é preciso que se deixe claro o seguinte: o povo, dono do poder, simplesmente delegou ao Parlamento a autoridade para deixar inalterado o projeto das medidas anticorrupção. O Congresso é, fundamentalmente, o lacaio do povo. Nada mais. Aja de acordo com esta máxima ou Vossa Excelência será demitido na próxima eleição.
Maia parece não se preocupar com a representação de seus eleitores. A impressão que se tem é a de que ele se comporta segundo conveniências próprias ou interesses comuns com outros elementos de rabos presos e temerosos do provável castigo resultante de uma desonestidade crônica. Todos os dicionários têm verbetes que descrevem, com frieza semântica, aquele que age dessa forma: de antiético a canalha, entre diversos qualificativos de baixo calão impublicáveis. Essa é uma prática tão antiga no Brasil quanto o nosso desacreditado Parlamento desde os tempos de El-Rey. As bancadas governista e oposicionista, ao sabor dessa ignomínia, se digladiam em função das falcatruas em andamento nas sombras dos bastidores. O rebuliço de interesses escusos nos partidos é tão convulsivo quanto abjeto. A velocidade com que essa gente escorregadia vende a própria alma é diretamente proporcional ao valor intrínseco dos cargos negociáveis e ao lucrativo intercâmbio de favores inconfessáveis.
O Congresso Nacional, no limiar de um tempo de esperanças novas, mais uma vez nos desonra e nos enche de constrangimento. Os congressistas nos dão mais uma amostra insofismável de desapreço pela plenitude democrática.Antonio Sepulveda
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