quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Patriotada de Trump me espanta porque EUA é país de imigrantes

Espanta-me o signo-lema que elegeu Donald Trump. O mote isolacionista e literalmente reacionário “Make America Great Again” (Torne a América grande novamente) — um slogan agressivo, explicitamente nacionalista e exclusivista no melhor estilo autocrático. O Maga (na sigla em inglês) de Trump é, sem sombra de dúvida, o primeiro degrau de um neofascismo cujo sintoma é a cruel deportação em massa de imigrantes “ilegais”. Como se fosse “legal” largar nosso lugar de nascimento — a terra por onde entramos como atores passageiros neste terrivelmente maravilhoso Vale de Lágrimas. Este vale que a ideologia trumpista quer transformar num inferno, pois imigrar é um movimento dramático, que suplanta escolhas turísticas.


Trata-se de ato contrário ao que paulatinamente fabricou os Estados Unidos e está expresso no projeto dos milhões que assim fizeram, demonstrando justamente o oposto do que Trump proíbe. O “fazer América” que os pais ou avós da maioria dos meus amigos americanos (os de Trump eram alemães e escoceses) realizaram, provando (muitos, sem dúvida, ilegais) o lado mais generoso e tolerante da igualdade como valor difícil de praticar.

O Maga é o dístico expressivo de um perigoso nacionalismo. É a marca dos movimentos afins de hierarquia de raças e gentes. É a negação do acolhimento e uma clara exaltação do etnocentrismo que Trump e os neorrepublicanos transformam em entusiasmo eleitoreiro. Queira Deus que não vire política de Estado. É um disparate reacionário ao estreitamento solidário de um mundo globalizado, marcado por teias de mensagens que nos tornam parte de algo maior que nossas aldeias, grandes não por voltarem a seu passado, mas por se abrirem a um futuro planetário nivelador de estilos de vida.

Ninguém pode ser contra a legalidade imigratória, mas a relação inconsciente entre a ilegitimidade e o expurgo migratório justamente na fronteira sul não pode ser ignorada. Ali — pasmem — se faz um muro entre povos e humanidades num planeta cada vez mais interligado.

Contra essa aversão, deve-se ressaltar o poder da esperança que todo imigrante traz dentro de si quando muda de pátria. O caso da América como república democrática até agora triunfante revela como os peregrinos que, em 1620, atracaram em Plymouth, Massachusetts, criaram um pacto de liberdade e igualdade. Essa igualdade foi repetidamente vivida por milhões de outros “peregrinos”, que reiteraram aos locais a virtude do acolhimento, não do expurgo.

É um espantoso paradoxo essa pintura trumpista dos imigrantes como vilões, justamente numa nação construída por imigrantes. Estrangeiros que lembravam aos americanos a preciosidade de suas heranças políticas e o valor de sua difícil, arriscada e preciosa experiência democrática. Muitos eventos foram lembrados e reeditados justamente por recém-chegados.

O estrangeiro não é apenas um intruso ilegal. Ele é um intrometido que idealiza e admira o país que o acolhe. Falo disso porque muitas vezes testemunhei estrangeiros lembrando aos americanos natos a importância de seus valores e a riqueza de seu estilo de vida. O expurgo de estrangeiros, mesmo ilegais, ao lado do lema de “tornar a América grande novamente”, chega a meus velhos ouvidos como toque antidemocrático e espantosamente isolacionista.

Lembra “América somente para americanos”, quando sabemos que a experiência dos Estados Unidos é parte de toda a Humanidade e com ela compartilhada sem as reservas do nós contra vocês.    

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