terça-feira, 4 de julho de 2023

Gravidade excepcional

Já sabemos que a mudança climática é real e que a atividade humana é a sua principal causa. Também sabemos que a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera está diretamente ligada à temperatura média global e que o dióxido de carbono (CO2) resulta em grande parte do produto da queima de combustíveis fósseis. Sabe-se que o principal componente do gás natural, o metano, é responsável por mais de 25% do aquecimento atual e que é um poluente com um potencial de aquecimento global 80 vezes maior do que o CO2 durante os 20 anos que se seguem à sua libertação na atmosfera.


Conhecemos o Acordo de Paris, que estipula um aquecimento máximo de 1,5 graus de aquecimento. Se respeitarmos este limite, é possível que morram “apenas” 70% dos recifes de coral dos oceanos, ao contrário dos prováveis 99%, se chegarmos aos dois graus. Afirma o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que “para cumprir o Acordo de Paris, precisamos reduzir as emissões em 7,6% a cada ano até 2030. Há dez anos, se os países tivessem agido de acordo com a prova científica disponível, os governos teriam precisado de reduzir as emissões em 3,3% a cada ano. Sempre que não agimos, o nível de dificuldade sobe.”

Entretanto, a Europa conseguiu articular-se politicamente para reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030. O artigo de Aline Flor no PÚBLICO, intitulado UE ainda não sabe bem como vai cumprir metas climáticas de 2030 (nem de onde virá o dinheiro) é, a todos os níveis, esclarecedor: um relatório do Tribunal de Contas Europeu conclui que não tem vindo a ser demonstrada ambição suficiente por parte dos Estados-membros para cumprir as metas estabelecidas. Por outro lado, “o orçamento da UE para 2021-2027 prevê cerca de 87 mil milhões de euros por ano para a acção climática, um montante inferior a 10% do investimento total necessário, estimado em cerca de um bilião de euros por ano, prevendo-se que o resto do investimento provenha de fundos nacionais e privados.” Restam-nos sete anos para gerar biliões de euros, ninguém sabe como.

Vivemos tempos de uma emergência radical: toda a prova científica, todos os relatórios, toda a inteligência humana nos dizem isso mesmo. É também o que os jovens ativistas nos estão a gritar: é preciso assumir o estado de emergência climática global. Exigem-no em movimentos como a Greenpeace ou a Fridays for Future. Já se fala de emergência climática, mas recusamo-nos a sair da zona de conforto, como se “emergência” não significasse isto exatamente: “Acontecimento de gravidade excecional que requer (re)ação imediata ou urgente”.

Devemos não só ser capazes de exigir políticas à altura do desafio, mas também estarmos disponíveis para a disrupção que estas podem (e vão) provocar. Partir do princípio pachorrento de que ainda não é possível viver sem gás e sem petróleo; que a transição terá de ser lenta; que não se pode pedir às pessoas de um dia para o outro o impossível é perpetuar a inércia do sistema, arriscando o desastre. Conformismo e fatalidade são manifestamente inúteis em tempos de emergência – daí também a importância de a declarar.

Entende-se o receio de que, a pretexto da ação climática, se cometam erros, mas teremos de ter a coragem de os cometer e de os corrigir. E, a continuar a existir entre nós um negacionismo obscuro, cá estaremos para prestar os devidos esclarecimentos. Trata-se de acelerar as democracias sem atropelar nenhum dos seus valores fundamentais, antes pelo contrário: reforçando-os. Isso ou estamparmo-nos bem ao comprido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário