terça-feira, 4 de julho de 2023

Entrar para a política deveria ter um preço

A política oferece incontáveis benefícios para aqueles que conseguem passar pelo apertado funil eleitoral, em meio a dezenas de partidos e a centenas ou milhares de candidatos, em pleitos realizados em Estados muito grandes ou populosos, que exigem campanhas geralmente milionárias.

Uma vez eleitos, políticos contam com uma estrutura de pessoal que lhes permite contratar dezenas de assessores, além de verbas de gabinete para cobrir despesas com passagens aéreas, aluguel de veículos e combustíveis, material gráfico e impulsionamento de postagens nas redes sociais.


A legislação também garante a autoridades públicas foro privilegiado, que na prática funciona como uma proteção judicial enquanto duram seus mandatos. Entre as moedas de troca de nosso presidencialismo de coalizão, costumam também ter controle sobre quantias expressivas do orçamento público, além do poder de indicar apadrinhados para ocupar cargos na administração direta e estatais.

Ao longo do exercício de seus mandatos, parlamentares frequentemente deliberam sobre assuntos que envolvem interesses vultosos, como regras tributárias, regulações para os mais variados setores, benefícios creditícios e autorizações para empreendimentos privados e operações financeiras.

Nas últimas décadas, uma sucessão de escândalos de corrupção expôs o potencial de enriquecimento ilícito de políticos por meio do exercício distorcido desses poderes em benefício próprio.

Caixa dois de campanha, tráfico de influência, superfaturamento de obras e compras públicas, nepotismo, “rachadinhas” e o recebimento de subornos e propinas permeiam dezenas de casos, de PC Farias de Collor a Fabrício Queiroz do clã Bolsonaro, passando por privatizações suspeitas de FHC, o mensalão e o petrolão de Lula e Dilma e o “Joesley Day” de Michel Temer. Já no Congresso são incontáveis os desvios envolvendo parlamentares, como os anões do Orçamento, os sanguessugas e a máfia das ambulâncias e a farra do orçamento secreto.

Embora tenhamos feito inegáveis avanços nas últimas décadas com legislações promovendo maior transparência no processo eleitoral e no sistema orçamentário, a criação de órgãos como o Coaf e a CGU e a aprovação de uma Lei Anticorrupção (Lei nº 12.486) que está prestes a completar dez anos, os retrocessos ocorridos após a Operação Lava-Jato são evidentes.

Na reação do sistema político àquela que no auge foi chamada de maior ação contra a corrupção do mundo, decisões do Supremo Tribunal Federal e normas aprovadas pelo Congresso Nacional fizeram o Brasil regredir algumas casas na busca por um ambiente institucional menos propenso a desvios de recursos públicos.

A decisão do STF de retirar da Justiça comum a competência para julgar crimes de caixa dois e lavagem de dinheiro praticados durante campanhas gerou uma avalanche de anulações e prescrições. No âmbito legislativo, a Lei de Improbidade Administrativa foi completamente desvirtuada, tornando a impunidade praticamente a regra quando se refere ao mau uso do dinheiro público.

A recente aprovação, na Câmara dos Deputados, do PL nº 2.720/2023 representa um novo ataque proferido por aqueles interessados em eliminar amarras e controles contra a corrupção. De autoria da deputada Dani Cunha, filha do deputado cassado Eduardo Cunha, que dispensa apresentações, a proposta vai na contramão das boas práticas internacionais e das evidências científicas.

Num estudo realizado em 2009 pelos economistas Simeon Djankov, Rafael La Porta e colegas, ficou demonstrado que, numa amostra de 175 países, há uma forte correlação negativa entre normas que determinam a divulgação de informações relativas a pessoas politicamente expostas, seus ativos financeiros e participações societárias e a percepção de corrupção na sociedade.

A ideia central do projeto de Dani Cunha é tipificar como crime de discriminação os procedimentos realizados por instituições financeiras para reduzir riscos de envolvimento em práticas de lavagem de dinheiro em operações realizadas por autoridades públicas (definidas nos acordos internacionais como “pessoas politicamente expostas”) e seus parentes próximos.

Nas últimas décadas, organismos e fóruns multilaterais têm proposto o endurecimento de regras de transparência, de intercâmbio de informações e de controle de fluxos para aumentar os custos e as dificuldades para que políticos utilizem o sistema financeiro para transferir os frutos de atos ilícitos praticados durante o exercício de sua função pública, utilizando muitas vezes familiares e assessores próximos.

Denúncias recentes apuradas pela imprensa, como o caso da fortuna acumulada pelo ministro Alexandre Silveira e não informada ao Tribunal Superior Eleitoral, ou que emergem de investigações oficiais semelhantes à do braço-direito do presidente da Câmara Arthur Lira, revelam como deveríamos aprimorar, e não afrouxar as regras de controle.

A classe política brasileira precisa entender que para o exercício de função pública há um preço a se pagar: e ele deveria ser a máxima transparência sobre suas fontes de rendas e negócios.

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