quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Muito além da Venezuela

A crise em curso na Venezuela traz um grande desafio para o Brasil —maior até do que possa fazer por uma solução civilizada do conflito no país fronteiriço. Afinal, trata-se de definir o lugar que a defesa da democracia e da proteção aos direitos humanos ocupa na agenda externa nacional. A questão é a um só tempo antiga e enroscada.

Brasília de há muito se pauta pela não ingerência nos assuntos internos de outras nações ­­—atitude que deriva da aceitação da soberania como princípio ordenador das relações internacionais. Em consequência, como cada país se organiza politicamente e como os respectivos governos tratam seus cidadãos são realidades irrelevantes para orientar as ações do Itamaraty; relevante, mesmo crucial, é identificar aliados e os competidores, de quais deles se aproximar ou tomar distância.


Em um sistema internacional formado por Estados soberanos, mas desigualmente poderosos, apegar-se àquele princípio ­—de resto universalmente imperante— foi para o Brasil uma forma de proteger-se da ambição —e da interferência— das potências mundiais, em especial dos Estados Unidos.

Mas, já nas últimas décadas do século passado, direitos humanos e democracia foram deixando de ser assuntos apenas domésticos e ganharam relevância na agenda internacional. A criação de tribunais para julgar países e indivíduos responsáveis por genocídio e outros crimes contra a humanidade são parte dessa mudança.

O estabelecimento de cláusula democrática para ingresso na União Europeia; para pertencer à OEA (Organização dos Estados Americanos) ou ao Mercosul vão no mesmo rumo.

Sua existência implica reconhecer a legitimidade de pressões externas pelo advento de um regime que assegure liberdades básicas a seus cidadãos, garanta eleições livres e limpas e reconheça seus resultados.

O compromisso com a defesa da democracia e dos direitos humanos, inscrito na Constituição de 1988 no capítulo sobre política externa, não é, nem pode ser, o único valor a guiar a atuação internacional do Brasil, assim como não é em nenhuma das nações do Ocidente democrático. Mas tem crescente importância também porque fortalece o sistema de liberdades no país, que teria muito a perder com a ascensão de regimes autocráticos na vizinhança e no mundo.

A diplomacia profissional brasileira tem tudo para transformar esses valores em ações que contribuam para a dificílima transição do autoritarismo para a democracia na Venezuela. O que fará melhor se o presidente Lula abdicar dos improvisos e se o PT deixar de viver nos tempos da Guerra Fria —e finalmente desembarcar no século 21.

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