O que alguns sugerem ser esquerda está aprisionado no território político residual de uma direita que se julga consolidada, mas é politicamente frágil porque dilacerada em fragmentos antipolíticos e antidemocráticos. Longe de ser conservadora, a direita brasileira é reacionária e imobilista. Seus instrumentos de manipulação das consciências podem ter chegado ao limite da eficácia. A mentira política, gasta, já mostrou sua verdade infantil e ridícula.
Direita é hoje residualmente expressão de um capitalismo sem alternativas sociais. Em busca de um modelo de autoritarismo que o desobrigue de reconhecer que se esgotou como modelo econômico baseado em interpretações do século XIX. Capitalismo é um modo dinâmico de produção que só se reproduz mediante a superação das contradições sociais que dele resultam. Condenado a não perdurar, reproduz-se no que se renova.
Esgotou sua competência para reproduzir-se economicamente sem reconhecer que criou possibilidades sociais que resiste em viabilizar. Agarrou-se a um neoliberalismo tosco e iníquo que só é viável mediante exclusão social, a de seres humanos que já nascem socialmente rejeitados, seres de uma sociedade de órfãos.
O capitalismo desenvolveu um novo modelo de genocídio, o do banimento econômico de suas vítimas sociais. O modelo econômico é incapaz de fazer adaptações e reformas na realidade econômica que o tornem funcional e reprodutível. Gerou uma casta de políticos parasitários cujos interesses são os de liberalmente mudar tudo para tudo manter como está, como explica Tancredi ao tio em “O leopardo”, de Lampedusa.
São muitos os políticos que não demonstram nenhuma capacidade para mudar a ordem política em favor de todos. Já tivemos grandes nomes na política brasileira, mas nossa competência política entrou em agonia. A ditadura terminou como terminou em boa parte porque reconheceu e administrou seu próprio fim. Foi-se para ficar.
Bolsonaro foi o restolho do golpe de 1964. Que ele e os seus continuem na ordem do dia da política brasileira indica que, eleitoralmente vencidos, não foram superados. Representam contradições vivas à espera de um adversário. As esquerdas têm sido lentas na construção da práxis dessa superação, de revelação e realização de sua missão libertadora.
Esse é o enigma a ser decifrado. Temos uma esquerda jovem, vibrante, democrática, ativa, corajosa, lúcida e inovadora. Os debates nas duas casas do Congresso Nacional o mostram. É um cotidiano da civilização contra a barbárie. A direita envenenou os conceitos, falsificou as ideias para deturpar a visão de mundo dos oprimidos e seu anseio de justiça e de realização do socialmente possível.
Em muitos países e aqui no Brasil também, as esquerdas se dividiram já antes da morte de Stálin, em 1953, porque recusavam o stalinismo e eram duramente críticas do autoritarismo que ele representava e do antissocialismo que o caracterizava. Renasceram.
Nos anos 1960, as esquerdas eram um fermento de reinterpretação do capitalismo, das possibilidades históricas e sociais que continha e do tipo de sociedade que poderia dele surgir, como superação das contradições que empobreciam a sociedade, mas sobretudo enfraqueciam o próprio capitalismo.
Em 1963, Fernando Henrique Cardoso defendeu sua tese de livre-docência na Universidade de São Paulo, publicada em 1964. Ante os dilemas de então, pergunta ao leitor: “Subcapitalismo ou socialismo?”. Venceu o subcapitalismo.
O golpe militar de 1º de abril de 1964 contra o comunismo foi contra um comunismo que já não existia, em nome de uma Guerra Fria que não era nem fria nem quente. Um golpe dos que ignoravam o que é o processo político e sua função histórica. Um golpe imobilista contra o desenvolvimento social. O golpe, na prática, era contra o capitalismo. Risco implícito no alerta de Walt Rostow, em conferência, algum tempo depois, na Fiesp.
Aqui, a direita tem como propósito sua limitada compreensão da realidade: apenas copiar o já feito e burlar a lei para fazê-lo. A crise do capitalismo no Brasil esgotou a própria possibilidade do repetitivo.
Seus agentes econômicos e políticos se tornaram meros reprodutores do já produzido, meros copistas e imitadores. Não sabem que a história não se repete senão como farsa. O autoritarismo brasileiro condenou o país à eternidade da farsa e ao heroísmo da mediocridade.
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