domingo, 7 de janeiro de 2024

Menos coisas, mais liberdade

E se lhe apresentassem uma oportunidade maravilhosa e única na vida, mas você tivesse de atravessar o país em três dias para aproveitá-la? Você ficaria entusiasmado e começaria a fazer planos? Ou pensaria na sua casa, preocupado em como encaixotar tudo a tempo? Entraria em desespero com a ideia de transportar suas coisas por milhares de quilômetros (ou, pior, acharia isso completamente absurdo)? Será que acabaria concluindo que não vale o esforço, que você está “acomodado” aqui e que talvez, mais para a frente, surja outra oportunidade?

Sei que a pergunta a seguir parece loucura, mas será que as suas coisas teriam o poder de prendê-lo a um lugar? Para muitos de nós, é bem provável que a resposta seja “sim”.

As coisas podem funcionar como âncoras. Elas nos fixam e nos impedem de explorar novos interesses e desenvolver talentos. Elas podem atrapalhar nossos relacionamentos, o sucesso profissional e o tempo com a família. Podem sugar nossa energia e nosso espírito de aventura. Você já evitou uma visita porque sua casa estava bagunçada demais? Já perdeu um jogo de futebol do seu filho porque estava fazendo hora extra a fim de pagar as prestações do cartão de crédito? Já deixou passar uma viagem para um lugar exótico porque não tinha ninguém para “cuidar da casa”?

Olhe para as coisas à sua volta no cômodo em que está agora. Imagine que cada um desses itens — cada objeto pessoal — está ligado a você por uma corda. Alguns estão presos a seus braços, outros à sua cintura e outros a suas pernas. (Se quiser ser mais dramático, visualize correntes no lugar de cordas.) Agora tente se levantar e dar uma volta com todas essas coisas se arrastando e ressoando atrás de você. Não é fácil, hein? Acho que você não vai conseguir chegar muito longe nem fazer muita coisa. Vai logo desistir, voltar a se sentar e se dar conta de que é preciso muito menos esforço para ficar onde está.

Da mesma forma, bagunça demais também pode pesar no humor. É como se todos os objetos tivessem seu próprio campo gravitacional e estivessem nos puxando constantemente para baixo e para trás. Podemos nos sentir literalmente pesados e letárgicos num cômodo abarrotado, cansados e preguiçosos demais para nos levantar e fazer alguma coisa. Compare isso com um ambiente limpo, iluminado e com poucos móveis — num espaço assim, nos sentimos leves e cheios de possibilidades. Sem o peso de todos os pertences, sentimo-nos com energia e prontos para tudo.

Com isso em mente, podemos nos sentir tentados a fingir uma arrumação rápida e criar a ilusão de um espaço organizado. É só dar uma passada na loja de departamento, comprar algumas caixas bonitas e criar um cômodo minimalista instantâneo. Infelizmente, o simples ato de enfiar tudo em gavetas, cestas e latas não resolve o problema: a máxima “o que os olhos não veem o coração não sente” não funciona aqui. Mesmo coisas escondidas (seja no armário do corredor, lá na despensa ou num depósito do outro lado da cidade) continuam pesando em nosso coração. Para nos libertarmos mentalmente, precisamos nos livrar de verdade das coisas.

Algo mais a se considerar: além de nos comprimir fisicamente e nos sufocar psicologicamente, as coisas também nos escravizam em termos financeiros, através das dívidas que adquirimos para pagar por elas. Quanto mais devemos, mais insones são as noites e mais limitadas as nossas oportunidades. Não é nada agradável levantar toda manhã e ir se arrastando para um trabalho de que não gostamos a fim de pagar por coisas que não temos, não usamos nem queremos mais. É possível pensar em muitas outras coisas que preferiríamos estar fazendo!

Além disso, se esgotamos nosso salário (e mais um pouco) em bens de consumo, secamos os recursos para outras atividades mais gratificantes, como fazer aulas de artesanato ou investir num negócio novo.

Viajar é uma analogia perfeita da liberdade inerente a um estilo de vida minimalista. Pense em como seria chato carregar duas ou três malas pesadíssimas durante as férias. Faz séculos que você está ansioso para essa viagem e, quando desembarca do avião, mal pode esperar para explorar as paisagens. Não tão rápido — antes você precisa esperar (e esperar e esperar) que as malas apareçam na esteira de bagagem. Depois, precisa arrastá-las pelo aeroporto. É provável que você siga direto para o ponto de táxi, porque manobrá-las no metrô seria quase impossível. E nem pense em tentar pegar lugar no city tour que está começando — você tem de ir primeiro ao hotel e se livrar desse fardo gigantesco. Quando você finalmente chega lá, desmaia de cansaço.

O minimalismo, por outro lado, o deixa ágil. Imagine viajar apenas com uma mochila leve — a experiência é definitivamente revigorante. Você chega ao destino, desce do avião e passa pela maré de gente esperando pela bagagem. Depois entra no metrô, pega um ônibus ou anda em direção ao hotel. No caminho, experimenta todas as visões, sons e aromas de uma cidade estrangeira, com o tempo e a energia para saborear tudo. Você tem a liberdade e a flexibilidade de um pássaro para se movimentar por aí — pode levar a mochila a museus e a pontos turísticos e guardá-la num armário quando for preciso.
Diferente do primeiro cenário, você começa com tudo e passa a tarde vendo as paisagens em vez de arrastar suas coisas de um lado para o outro. Chega ao hotel energizado por sua experiência e pronto para outra.

Quando não estamos mais acorrentados às nossas coisas, podemos saborear a vida, nos relacionar com outras pessoas e ser participativos em nossa comunidade. Ficamos abertos a experiências e mais capazes de reconhecer e aproveitar as oportunidades. Quanto menos bagagem carregamos (tanto física como mentalmente), mais podemos viver!

Francine Jay, "Menos é mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida"

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