A imobilidade da Monarquia foi substituída pela mobilidade republicana. Numa aristocracia, vale mais a reciprocidade do que o mérito e a competição. Se você é “amigo do rei”, você — mesmo na República — se arranja e se arruma, pois o rei lhe faz a pergunta fatal: o que você quer?
O problema é que a República supõe uma igualdade que atrapalha escolhas pessoais. Na Monarquia, o imperador faz barões; na República, as autoridades devem ter competência e mérito. O maior deles, nesses dias em que os escândalos viraram capítulos de novelas, seria o de arranjos e assaltos mais discretos, mais sensíveis para com os que pagam a conta.
Na Monarquia, há súditos e na República, cidadãos. O gerenciamento igualitário é modesto, pois, além de ligar governantes e governados pelo voto, ele se funda no axioma segundo o qual todos são sujeitos das mesmas leis. Nisso o Brasil inventa os “arranjos”. Cada grupo trata de ser uma exceção a uma execrável igualdade universal. Como lidar com a igualdade, se o mundo é dividido, dizem os mais recalcitrantes.
A coisa seria institucionalizada e capitulada em lei, não fosse existir um controle dos governantes pelos governados, numa odiosa reversão republicana que a mídia estampa, anunciando como os códigos antigos não morrem por decreto. Eles vivem na estratosfera dos valores — das coisas não ditas mas sabidas.
No Brasil, a maior revolução foi o republicanismo, diz-me o professor Richard Moneygrand numa longa carta. Nela, Moneygrand assevera que um modesto igualitarismo burguês na zona do uso criterioso ou republicano dos recursos públicos seria suficiente para transformar radicalmente o Brasil. Para ele, a “nossa revolução” teria o defeito de ser somente “nossa”, e não de todos. Ela criaria em paralelo novos arranjos do velho “arranjei-me”, instituindo no poder um novo grupo com o direito de usar legalmente o “Você sabe com quem está falando?”, tal como ocorre hoje nos arranjos jurídicos do mensalão e do petrolão.
O conceito de “revolução” serve como um amuleto contra uma desigualdade gritante. No populismo todos ganham; no republicanismo igualitário, alguém perde. Não adianta teorizar que estamos lutando por dentro porque as grandes transformações exigem uma enorme parcela de participação. A revolução milenarista não nos exime do que estamos testemunhando: o assalto à sociedade e a pulverização do principio de realidade por meio do conchavo e da mendacidade.
No Brasil, a grande transformação seria o gerenciamento igualitário e honesto do Estado pelo governo. É preciso desapropriar o Estado do grupo eleito para, em sintonia, mudar a sociedade. Não se admite haver governos que arranjam e enriquecem os “revolucionários” da caneta e das propinas com contas no exterior e consultas-palestras milionárias no Brasil.
À ousadia dos trêfegos que são hoje “autoridades” e protagonistas sem nenhum senso de responsabilidade histórica, têm plena certeza na nossa patetice. Em nós, que pagamos a conta e ainda temos fé na honestidade como um axioma de qualquer sistema. Daí esse teatro de absurdos onde a mentira é legal e o legal é a mentira.
Você, leitor, vai arguir que existem vários condenados e presos. Eu apenas respondo que hoje o meu ideal é o de ser condenado a uma prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica e aposentadoria integral sem esquecer a grana que depositei num blind trust, como é o caso do ilustríssimo presidente da Câmara dos Deputados.
Comove-me, entretanto, descobrir que os envolvidos nas roubalheiras se preocuparam em arranjar e proteger seus familiares. A desejada vida de sócio de um estado infalível se realiza com as bênçãos de uma secular desfaçatez. Esse patrimônio nacional de direita e de esquerda. E quem — eis a questão — recusaria o arranjei-me?
Roberto DaMatta
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