O PLC 101/2015, que define atos terroristas no Brasil e que está prestes a ser aprovado pelo Congresso, torna nebulosa uma das mais básicas garantias constitucionais: o princípio de legalidade, que nos permite saber o que é permitido e o que é proibido.
Elementos subjetivos do tipo penal como a “motivação” para realização da ação (extremismo político, intolerância religiosa, preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo) e o “objetivo” dos atos (provocar pânico generalizado) serão avaliados pelo juiz com poucos fatores concretos delimitados em lei.
A especificação do que é crime é um dos aspectos mais problemáticos do projeto de lei. Se por um lado o texto se inicia descrevendo o terrorismo como “atentado contra a pessoa, mediante violência ou grave ameaça”, logo ele equipara essa conduta a uma enorme lista de ações nas quais se incluem coisas tão diversas como “danificar estação metroviária” ou “apoderar-se de qualquer edifício público ou privado”.
Da maneira como está redigido na versão atual, o texto abre brechas para que o juiz enquadre como terrorismo ações reivindicatórias legítimas, que tentam melhorar o funcionamento das instituições – e não há dúvidas de que nossas instituições precisam mudar, e muito. Por exemplo, serão considerados atos terroristas as ações de povos indígenas que, para se fazer ouvir, necessitam ocupar prédios públicos como a Funai? E greves do transporte público? A resposta é: depende. Depende de como o juiz vai avaliar a motivação do ato e determinar se seu objetivo foi “provocar pânico generalizado”.
Ao modificar a lei de Organizações Criminosas, o projeto de lei permitirá também o uso de agentes infiltrados na investigação, o acesso a registros e a dados cadastrais diante da simples suspeita de prática terrorista. Uma investida muito perigosa do Estado sobre a privacidade dos indivíduos.
O projeto de lei veio originalmente do Poder Executivo. Na mensagem encaminhada pelos Ministros da Fazenda e Justiça eles dizem “o Brasil deve estar atento aos fatos ocorridos no exterior”. Nós concordamos: é necessário estudar os impactos da legislação antiterrorista em outros países porque o panorama é preocupante. Tanto no Norte como no Sul, o resultado deste tipo de legislação tem sido a criação de sistemas de vigilância massivos, a invasão sistemática da privacidade e a violação do devido processo legal. O Relator da ONU sobre o tema, Ben Emmerson, destacou em seu último informe que, como efeito indireto, este tipo de legislação acaba restringindo também o espaço para o trabalho das organizações da sociedade civil.
Há casos concretos em países vizinhos. Em 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) decidiu que a lei chilena antiterrorista era contrária ao princípio de inocência. Isso porque ela presumia que qualquer uso de artifícios explosivos ou incendiários tinha como finalidade produzir terror na população. Mesmo depois da eliminação dessa presunção, a ONU condenou novamente a lei porque, igual que no Brasil, o texto inclui não só condutas contra a vida como também condutas que atentam contra a propriedade.
A pedido da presidenta Dilma, o projeto de lei está tramitando em regime de urgência – o que exige apreciação dos parlamentares em um prazo de três meses e acaba dispensando a realização de audiências públicas e de um amplo debate com a sociedade. A razão dessa pressa, supostamente, foi a exigência do Grupo de Ação Financeira Internacional. Entretanto, da leitura das recomendações dessa entidade, não há qualquer sugestão da tipificação do terrorismo, menos ainda nestes termos.
Usando a bandeira de um fenômeno muito grave como o terrorismo, estamos abrindo uma brecha enorme para criminalizar reivindicações legítimas e necessárias para a construção democrática. Se for aprovada pelo Congresso, esta lei não vai nos deixar mais seguros. Ao contrário, vai enfraquecer a participação da cidadania e ameaçar nossa privacidade.
Juana Kweitel
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