terça-feira, 31 de maio de 2016

A dívida dos jornalistas

Os batedores de bumbo do PT nunca estiveram tão exultantes, desde Waldir Maranhão, com os últimos golpes para “provar que é golpe” a operação que se ensaia para deter o livre despencar da miséria brasileira nas profundezas do caos político e das finanças públicas destroçadas que seu partido nos legaram.

Lá virá a ladainha de sempre para demonstrar que alhos são bugalhos mas é tempo perdido. O que derrubou o PT foi a paralisação da economia, o que paralisou a economia foi a mentira institucionalizada, Temer está onde está porque é o sucessor constitucional no posto do qual o Brasil apeou Dilma, a Lava-Jato não vai parar. Só o Brasil tem força para desencadear ou para suspender processos como esses.

O PT passou 13 anos operando só para si e nas sombras e deu no que deu. Temer começa falando só de Brasil mas ainda hesita em expor-se inteiro ao sol. Vai em busca de sua legitimação junto à única fonte de onde ela pode vir. Pede humildemente endosso da opinião pública à lógica das suas soluções; dispõe-se a adapta-las para consegui-lo.

Por esse caminho é certo que pode dar certo. Mas se, e somente se, a aposta na transparência for absoluta.

Ninguém atravessou a “Era PT” impoluto. O país conhece os políticos que tem e sabe que é com eles que terá de contar. O fato de todos eles estarem discutindo Lava-Jato, como o resto do Brasil, não significa, em si mesmo, rigorosamente nada. Do presidente em exercício para baixo, na equipe política e na equipe técnica, são as mesmas pessoas que serviram o PT que se dispõem, agora, a servir antes o Brasil como poderia ter sido sempre se o governo anterior o tivesse desejado. Muda a música que se toca, muda a dança que se dança.

Gravações?

Haverá outras mil. Nesse departamento vivemos o clássico dilema do ovo ou da galinha. Se a imprensa continuar sinalizando que disparará em manchete toda gravação que qualquer chantagista lhe enfiar na culatra a política seguirá, como hoje, sendo movida exclusivamente a gravações de chantagistas. E mata-se o Brasil. Se passar a investigar e dar manchetes para o maior problema brasileiro, a política nacional passará a girar em torno do maior problema brasileiro. E o Brasil ressuscitará.


Explico-me com um pouco de história. Em 1976, em pleno regime militar e no auge da censura, este jornal publicou a série “Assim vivem nossos superfuncionários” que ficou conhecida como a reportagem “das Mordomias”. Ela expôs em detalhe à miséria nacional o universo obsceno de fausto e desperdício que ela sustentava sem saber e que drenava todo dinheiro público que deveria estar sendo investido em infraestrutura e serviços essenciais à melhoria continuada do desempenho da economia e, consequentemente, do valor do trabalho. Dado o sinal à nação de que havia quem se dispusesse a publicá-las choveram denuncias na redação durante meses a fio revelando as infinitas formas que assumia a ordenha do Estado mal disfarçada na soma de salários e benefícios estratosféricos, no assalto a longo prazo ao erário mediante a “anabolização” de último minuto em aposentadorias que perdurariam por décadas e se desdobrariam em pensões vitalícias transmitidas de pai para filho e nos outros ralos mil abertos por agentes corruptos dos três poderes que viviam de vender esse saque institucionalizado do Estado.

Materializada na exposição direta dos modos de vida que esses esquemas sustentavam, a discussão saiu do nível abstrato. Cada brasileiro, lá do seu barraco, pôde ver com os próprios olhos como e por quem vinha sendo estuprado, e no que se transformava, na realidade, a estatização da economia que a esquerda, de armas na mão, de um lado, exigia que fosse total, e os militares da direita, lá pelo deles, concretamente executaram como nunca antes na história deste país criando mais de 540 estatais. Mas nem a famigerada ditadura militar resistiu à força dos fatos e imagens revelados. Muitas outras reportagens semelhantes foram produzidas país afora e, já em 1979 os generais, pressionados, tinham criado um ministério inteiro para começar a desmontar a privilegiatura. Quando o país emergiu para a redemocratização, em 1985, sabia em que direção tinha de caminhar. A luta para desprivatizar o Estado e devolve-lo ao conjunto dos brasileiros veio até o governo FHC e a Lei de Responsabilidade Fiscal cujo desmonte – e consequências – pôs um fim à “Era PT”.

Esse continua sendo o maior problema brasileiro. Desde 2003 o PT reelegeu o loteamento do Estado como moeda única do jogo político e, ao fim de 13 anos de um processo desenfreado de engorda, cada emprego pendurado no cabide vem desaguando, obeso, na Previdência. O governo Temer aponta vagamente “a Previdência” como o “X” do problema brasileiro e está certo. Mas, pendurado ainda no ar, sabe que tomar a iniciativa de por esse bode na sala é morte certa. É por isso que, nem Henrique Meirelles, nem seu chefe se permitem completar a frase: é a Previdência do setor público, valendo 33 vezes o que vale a outra, que é o “X” do problema brasileiro. E sem mexer profundamente nela o Brasil não desatola.

Não há um único jornalista, especialmente em Brasília onde o despautério é mais visível a olho nu, que não saiba disso. E, no entanto, persiste a cumplicidade com essa mistificação quando até o PMDB já está claramente pedindo o empurrão que falta para que esse tema indigesto suba à mesa.

Para poder voltar a andar o Brasil não precisa, exatamente, de uma reforma da Previdência, espremendo um pouco mais a miserinha que ela distribui depois da festa dos aposentados do Estado na qual, diga-se de passagem, os do Judiciário são reis. Mais do que justiçamentos o Brasil precisa de justiça que é uma idéia bem mais fácil de vender, desde que antes o jornalismo, em vez de só barulho, faça a sua porca obrigação de mostrar em todos os seus escandalosos pormenores o tamanho da injustiça que é necessário corrigir.

Ou Temer se comunica ou se estrumbica

Converso com muita gente culta, de gravata, e concluo: 3 milhões de pessoas foram protestar nas ruas, mas pouca gente entende realmente o que está acontecendo no Brasil profundo. Profundo no sentido de detalhes contábeis, dos segredos de gaveta que só os carunchos conhecem. Ninguém sabe nada. Essa deficiência da opinião pública é que os petistas usarão para arrasar o governo do Temer. Como o presidente em exercício tem pouco tempo, e como a c***da deixada por Dilma e PT foram imensas, teremos dois anos (se Deus ajudar) para reorganizar a economia que teve perda quase total. É difícil, por causa das sabotagens e da lentidão brasileira. Por isso, Lula está adorando o impeachment de Dilma. É a melhor coisa que podia lhe ter acontecido. O Sarney disse outro dia na gravação que Lula estava muito deprimido. Deve estar, mas não é uma melancolia inócua, passiva, sem rumo; não, Lula está se preparando para sapatear em cima dos erros e dificuldades inevitáveis desse governo.

Agora, ele e seu PT podem partir para a oposição, contando com uma população imensa de imbecis que serão convencidos de que o impeachment foi só para acabar com a Lava Jato.

A narrativa deles será a de que todo mundo sempre roubou e que eles só entraram na regra do jogo. Mentira. A corrupção do PT inventou algo novo: corromper para governar, pois revolucionário pode roubar em nome do Bem. E assim, bateram um recorde mundial: nunca na história do mundo houve uma roubalheira organizada como essa.

Temer tem a difícil tarefa de andar na corda bamba, no fio da navalha entre uma equipe econômica de primeiro time e um restolho de vagabundos que aparelharam ministérios e repartições em geral. Se bobear, Temer pode eleger o Lula em 2018, se o “grande líder do povo” não for em cana.
Uma transição de governo intempestiva gera medo mas também uma esperança de mudança imediata. “Ahhh...acabou o PT, o ‘petrolão’ – agora seremos felizes.” Auriverde ilusão de minha terra...

O problema é que a herança maldita dessa terrível senhora é um emaranhado infernal para se consertar. Em dois anos, seríamos uma Venezuela. E esta é a felicidade do Lula: a expectativa dos mal informados (que são a maioria) vai se esfarinhar e o Temer será culpado pela c***da que o PT deixou no meio fio. A culpa vai ser dele em pouco tempo.

Brasileiro “assiste” ao Brasil. Brasileiro assiste à política como um Fla x Flu, torcendo, xingando juiz, mas quer que o Estado resolva tudo, pois não sabe que o Estado é o problema e não a solução. A sociedade protesta, mas não sabe como tomar as rédeas. Este governo tem um só caminho: conquistar um apoio da sociedade, para que ela entenda que não se trata de ideologias e sim de uma tragédia contábil. “É a economia, estúpidos!” (citando o refrão batido do James Carville).

Temer vai ter de arrumar as contas. Só. E aí, vem a esparrela: como expulsar 100 mil vagabundos aparelhados no governo? Como impedir que volte a lama debaixo do tapete? Nosso complexo de impotentes renasce feito rabo de lagarto. Debaixo de nossos olhos, a máquina da sordidez nacional ressuscita, como um monstro de ficção cientifica, um “Alien”.

Os escândalos cada vez maiores não podem encobrir o dano nas contas publicas. E tem mais: vai haver aumento de impostos, sim. Não adianta chorar. É impossível, só com ajustes e cortes resolver o buraco da Dilma de R$ 170 bilhões jogados no lixo. E aí? Como explicar?


Esse é o maior perigo: a teia de escândalos pode mascarar os urgentes acertos da República devastada.

Precisamos que o Temer dê certo, ao menos na economia. Porque ninguém irá às ruas apoiá-lo. Todo mundo tem medo de apoiar governos. É impossível imaginar que brasileiros vão às ruas para defender o ajuste fiscal: “Queremos ajustes!” É mais fácil ser contra. A oposição enobrece, a adesão é humilhante.

Por outro lado, os militantes pagos da CUT, MST e outras siglas vão para as ruas, gritar contra. Rolam boatos fortes de que o PT está reunindo muita grana para comprar uns três senadores. É possível.

Por isso, acho que uma das coisas mais sérias que este governo tem de buscar é a comunicação com o país.

Vi outro dia o Temer falando e achei que ele está imbuído de um desejo real de entrar para a história como um cara que ajudou a consertar o Brasil. Houve momentos em que ele mostrou uma virilidade legal. Por exemplo, quando disse que já tinha sido secretário de segurança em São Paulo e que não tinha medo de bandido. Ali, o povo gostou. Acho que gostou também quando ele disse que não tem medo de errar e que, se errar em algo, consertá-lo-á. Acho ótimo um presidente falando em mesóclises. Melhor que a Dilma na mandioca. Temer tem de falar, muito, explicar para a população o que significa esta fase de nossa vida, muito além de corrupção ou ideologias.

Tem de explicar. Olho no olho. Sem propaganda. Tem de conquistar um carisma. Tem de explicar, como numa gramática, o que é divida pública, gastos inúteis, aparelhamento do Estado; as pessoas têm de saber contra o quê estão gritando ou marchando. A corrupção imensa, pavorosa, não é o núcleo da questão. Ela nasce das condições arcaicas de dentro da organização política e administrativa. Nossa formação patrimonialista está explodindo agora, depois de séculos. É preciso criar um espaço simbólico para esta presidência transitória.

FHC não explicou com clareza o que estava fazendo em seu governo. FHC não conseguiu criar um espaço reconhecível pela opinião publica, que não pode ser confundido com propaganda ou marketing. Por isso, seu excelente governo, que acabou com a inflação e nos jogou num novo mundo administrativo, acabou arrasado pela oposição do PT diante de uma opinião publica desinformada, aérea. É preciso que as pessoas se sintam passageiros no trem do seu governo.
É importante que o lado “espetaculoso” das denúncias, não crie uma institucionalização da zona. Há um velho hábito de acharmos que o Brasil não tem jeito. O perigo é ficarmos cínicos, fatalistas e desesperados. Se não der certo, estamos f***dos.

Ruim com ele, pior sem ele

Perguntar não ofende: qual o objetivo de quem é contra o impeachment de Dilma Rousseff e está queimando pneus em estradas, invadindo prédios da Cultura, gritando “Fora Temer” na parada LGBT, exibindo cartazes no exterior para dizer que “there is a coup in Brazil”? E qual o objetivo de quem é a favor do impeachment, mas torce contra o governo interino de Michel Temer, condena as propostas para combater o rombo das contas públicas e repudia a indispensável reforma da Previdência?

Tanto quem é a favor quanto quem é contra o afastamento de Dilma tem de ter em mente a responsabilidade coletiva com a história e que só há três saídas para um país mergulhado em tantas crises. Fora disso, não há alternativa, a não ser anarquia.

Charge (Foto: Miguel)
Uma saída é dar uma trégua para Temer governar e a equipe de Henrique Meirelles tentar por a economia em ordem nesses dois anos e meio, para entregar para os eleitores em 2018 um país razoavelmente saneado. Temer não é perfeito e o PMDB tornou-se muito imperfeito, mas ele foi escolhido por Dilma e por Lula e eleito na chapa do mesmo PT que anima os queimadores de pneus, os invasores da Cultura, os que gritam “Fora Temer” e uma turma que mora fora – uns, há tantas décadas, que deveriam estar mais preocupados com o Trump.

Além de habitar o Jaburu, Temer despacha agora no Planalto por força da Constituição, que assim determina: sai um(a) presidente, assume o vice. Não importa se é bonito, feio, gordo, magro, se é Itamar Franco ou se é Michel Temer. Ele está lá, e o Brasil, os brasileiros, a indústria, o comércio e os 11 milhões de desempregados precisam desesperadamente que comece a equilibrar as contas públicas e a fazer a economia andar.

A saída número 2 é a volta de Dilma. Sério mesmo, alguém deseja de fato a volta de Dilma, com sua incapacidade de presidir o País, negociar com o Congresso, ouvir os conselhos do padrinho Lula ou, aliás, ouvir qualquer expert de qualquer área sobre qualquer coisa? No aconchego dos seus lares, na convivência com familiares, amigos e vizinhos e nas conversas com seus travesseiros – e com o próprio Lula –, será que os petistas de raiz querem mesmo a volta de Dilma?

Os deputados não são lá essas coisas, mas acataram o impeachment pelo crime de responsabilidade fiscal, previsto na Constituição e confirmado pelo resultado final: um rombo que o governo Dilma admitia ser de R$ 96,6 bilhões e que a equipe de Meirelles descobriu bater em R$ 170 bilhões. Mas, além do fato formal, deputados e senadores tocaram o processo adiante pelo desmantelamento da economia, o esgarçamento das relações políticas e porque Dilma conseguiu ser a presidente mais impopular do país desde 1985.

A opção 3 (dos favoráveis e contrários ao impeachment) seria a antecipação de eleições diretas, empurrando Temer ou Dilma para a renúncia (dependendo de o Senado confirmar ou não o impeachment), ou dando um golpe branco e mudando a Constituição por questões conjunturais. E o que viria depois? Uma eleição às pressas, sem que os partidos tivessem se preparado e sem candidatos à altura da crise. Dá um frio na espinha pensar nos aventureiros que se lançariam como salvadores da pátria, da ética, da economia, dos “bons costumes”, da “ordem” deles, do “progresso” deles.

Isso não é brincadeira. O seguro, que morreu de velho, recomenda respeitar a Constituição, o Congresso que o eleitor elegeu e a posse do vice que 2014 jogou no Jaburu, na perspectiva de assumir com o afastamento constitucional da presidente. Vale, sim, gritar contra muitas coisas, inclusive a nomeação de um ministro da Transparência indicado, ora, ora, pelo senador Renan Calheiros. Mas o esforço para derrubar Temer, neste momento, é trabalhar contra o Brasil.

As legiões de Lula, derrotado na última batalha

Nos tempos finais de Augusto, três legiões romanas foram massacradas pelos gauleses, chefiados por Decébalo. O primeiro, mais perfeito e mais longevo dos imperadores da Roma antiga passou as últimas semanas trancado em seus aposentos, chorando e se lamentando diante dos restos mortais de seu general-comandante: “O que fizeste das minhas legiões?”

Augusto é lembrado por suas virtudes, mas nem ele nem Roma jamais esqueceram a única derrota.

O episódio se conta como recordação de que os césares mergulharam na desgraça depois de períodos de sucessos e de vitórias.

Assim parece o fim do Lula, que em seguida a tantos triunfos, começa a ser visto como exemplo de fracasso na última batalha. Onde anda o primeiro-companheiro, senão envolto nas cinzas de suas derradeiras legiões? Perdeu-se, depois de tantas conquistas do PT…

Poderia ser diferente? No começo, quem sabe. À medida em que os gauleses se aproximam, de jeito nenhum. Decébulo tem muitos nomes.

Afastamento provocou amnésia em Dilma

Dilma Rousseff não é mais a mesma. Afastada da Presidência, perdeu a memória. E absolveu-se do seu passado. “Não respeito delator”, costumava dizer. Hoje, surfa nas gravações de Sérgio Machado, o silvério do PMDB, como se não tivesse nada a ver com o personagem. Alguém precisa socorrer Dilma, recordando o que ela fez nos verões passados.

Na noite desta segunda-feira, Dilma discursou num evento na Universidade de Brasília. Reiterou que há “um golpe de Estado” em curso no Brasil. Afirmou que as gravações clandestinas de Sérgio Machado com cardeais do PMDB provam que uma das motivações do “golpe” é asfixiar a Lava Jato.

“Há nas gravações fartas palavras sobre o medo que eles sentem de que seus crimes que sejam desvendados,'' declarou Dilma. Não deu nome aos bois. E se absteve de recordar que os crimes foram praticados sob o seu nariz. A presidência de Sérgio Machado na Transpetro escancarou a falência ética do seu governo

A vida ofereceu a Dilma várias oportunidades para demitir Sérgio Machado. E ela desperdicou todas. Em setembro de 2014, época de eleição presidencial, o Ministério Público Federal denunciou Machado por improbidade. Acusou-o de fraudar licitação para a compra de oito dezenas de barcaças destinadas ao transporte de etanol. Dilma fingiu-se de morta.

Dias depois, em 10 de outubro, às vésperas da sucessão, ganhou as manchetes o depoimento do delator delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Ele declarou à Justiça Federal que recebeu R$ 500 mil em verbas sujas das mãos de Sérgio Machado. Dinheiro proveniente do esquema de cobrança de propinas montado na estatal.

Dilma considerou “estarrecedora” a divulgação do depoimento no período eleitoral. Sobre o conteúdo das denúncias, declarou o seguinte na ocasião: “Em toda campanha eleitoral há denúncias que não se comprovam. E assim que acaba a eleição ninguém se responsabiliza por ela. Não se pode cometer injustiças.” E ficou por isso mesmo.

Sérgio Machado não foi demitido. Ele apodreceu no cargo. Em novembro de 2014, crivado de suspeitas, tirou licença do comando da Transpetro. Fez isso por exigência da PricewaterhouseCoopers, que audita as contas da Petrobras. A empresa disse na época que, com Machado na Transpetro, não assinaria o balanço trimestral da estatal.

Sérgio Machado ainda submeteu Dilma a uma coreografia constrangedora. Em nota, afirmou que deixava o cargo por 31 dias como um “gesto de quem não teme investigação”. Todo mundo já sabia que o suspeito não retornaria à poltrona. Mas Dilma se permitiu frequentar a cena como coadjuvante de uma encenação que prolongou o vexame. Vergou-se diante de Renan Calheiros, o padrinho político que Machado agora joga ao mar.

Foi por indicação de Renan que Lula determinou a nomeação de Sérgio Machado para a Transpetro, em 2003. Decerto avaliou que era por amor à pátria que Renan patrocinava o descalabro. O pedido de licença do afilhado do senador foi prorrogado um par de vezes. Ele se afastou da companhia apenas em fevereiro de 2015, após 12 anos de negócios e oportunidades.

A Transpetro gerenciava um programa bilionário de recuperação de sua frota. Envolvia a encomenda de 49 navios e 20 comboios de barcaças hidroviárias. Um negócio de R$ 11,2 bilhões. Que Lula e Dilma confiaram ao talento gerencial do amigo de Renan.

Hoje, acometida de amnésia, Dilma protela suas culpas. Não perde por esperar. Se o comportamento de Sérgio Machado provou alguma coisa é que ele não medirá esforços para livrar o próprio pescoço. Em troca de redução da pena, é capaz de entregar até a mãe.

Governo, cultura e corrupção

O indefinido Michel Temer retrocedeu e reinstalou oficialmente o Ministério da Cultura. Lá, para geri-lo, colocou um barbudinho, cria de Eduardo Paes - este, um político profissional de segunda categoria que o Rio de Janeiro aprendeu a desprezar. Acuado pela corporação de sempre, o presidente interino verificou que “a cultura era um setor fundamental para o país”. Pobre interino! A figura lembra aquela virgem permissiva que deixou entrar só um pouquinho e depois... Bem, depois o temerário foi correr atrás do Ministro da Fazenda para pedir a “liberação de mais grana para a rapaziada”.

Temer é um sujeito que labora na linha da social-democracia. Muitos desconfiam que ele não atentou para o fato de que a parte mais ruinosa da chamada “classe artística” apenas repassa a cantilena lulopetista orquestrada nos desvãos do matreiro Instituto Lula. (Sem esquecer, por sua vez, que a terrorista Dilma - envolvida no milionário assalto ao cofre de Ademar de Barros e integrante da organização responsável pelo assassinato do soldado Mário Koesel Filho, em junho de 1968 – rege furiosa, a partir das salas do Alvorada, o coro histérico da militância bolivariana que, neste preciso instante, ocupando ad infinitum o Palácio Gustavo Capanema, no Rio, vocifera em uníssono o “Fora Temer!”

De fato, essa gente encara o inseguro Temer como mero “golpista”. Para eles, a recriação do “cabide” Ministério da Cultura, imposta no grito, soergue um trampolim político-ideológico para o retorno do cangaceiro Lula e seus cabras da peste (mais ou menos estropiados pela Operação Lava-Jato). 


De minha parte, considero que a volta do MinC, para usufruto da corporação parasitária, não passa de um ato de traição do governo Temer para com 80% da população brasileira, a mesma que, indignada, tomou as ruas contra a corrupção, a safadeza institucional, a vagabundagem bem remunerada e o paquidérmico Estado socialista fomentado pela quadrilha petista reunida, ainda agora, em torno de jantares supimpas na toca palaciana de Dilma Rousseff.

O Ministério da Cultura foi tramado por Zé Sarney, impostor literário que chegou ao poder por um golpe de sorte e fez de Brasília uma imensa casa de tavolagem, ao ponto do próprio Lula (um especialista) , em discurso, apontá-lo como “ladrão descarado”.


Como já escrevi, o MinC representa no Brasil oficial a manutenção da mais agressiva forma de aparelhamento do Estado para usufruto de uma casta privilegiada de “señoritos” que se diz à procura de uma controversa “identidade nacional” cacarejada em torno do chamado “multiculturalismo”, mistificação marxista para acirrar a luta de classes. Ele significa, num governo que pretende salvar o Brasil, o AVANÇO DO RETROCESSO. No histórico, depois de décadas de existência, o monstrengo não criou mercado nem fez, como alardeado, a inclusão social da massa espoliada. A alta cultura dançou - e ninguém ganhou Oscar ou Nobel. Tudo ficou no âmbito da mendacidade e da (cara) propaganda enganosa!

Sem considerar juros nem correção monetária, o MinC jogou pelo ralo, nos últimos anos, mais de um trilhão de reais! No seu rastro, só se expandiu uma pesada burocracia militante em conluio com a casta empenhada em usurpar a grana do contribuinte para a consecução de projetos pessoais inexpressivos, muitos vergonhosos e/ou politicamente ideologizados. Afogado em dispendiosos programas de pura marquetagem, o MinC (Ministério da Incultura) só funcionou, na prática, como vertiginoso mensalão para cooptar medalhões e medalhinhas da área e manter a peso de ouro uma burocracia perdulária que saqueou o bolso da sociedade e do miserável povo brasileiro. Um horror!

(Cultura, vale dizer, não tem nada a ver com órgão de governo e suas patranhas. Ela deve ser entendida como a tradição de normas de condutas aprendidas e que nunca foram “construídas” – o que nos remete à questão de que a evolução cultural não é só fruto da criação consciente da razão. Mas como explicar isso a essa gente viciada em mamar nas tetas da nação?

Há um temor generalizado de que o governo Temer fracasse. Meirelles, o ministro da Fazenda que serviu ao Lula, acena com novos impostos. O intragável Zé Serra, formado na UNE e mentor da clandestina Ação Popular (AP), responsável por ataques terroristas, informa que no Itamarati vai “aprofundar laços diplomáticos com a China e a África”. E, pior, o contribuinte mantendo uma “máquina” com 300 mil ativistas terceirizados nas estatais e 107 mil militantes ocupando cargos comissionados, enquanto o o governo fala em cortar risíveis 4 mil parasitas das das bocas ministeriais!

Como diria o sifilítico Lênin: Que fazer?

Só resta voltar às ruas, pois o governo Temer, alicerçando o retorno do PT, parece sucumbir na acomodação.

Ipojuca Pontes

E haja medíocre!

As matilhas de medíocres novatos, atadas pelo pescoço com a correia de apetites comuns, ousa denominar-se partidos. Ruminam um credo, fingem um ideal, arreiam fantasmas consulares e recrutam um exército de lacaios. Isso basta para disputar abertamente cargos e privilégios governamentais 
José Ingenieros

O legado e a farsa

O novo governo Temer começou, definitivamente, sob o signo do rompimento com a sua predecessora em duas áreas importantes: a econômica e a de Relações Exteriores. O embuste no qual vivia o país foi revelado mediante medidas corajosas que sinalizam um novo rumo para o país.

A nova equipe econômica, sob a batuta do ministro Henrique Meirelles, partiu do reconhecimento do rombo deixado pelo governo anterior, calculando, agora, um déficit de R$ 170,5 bilhões. A veracidade no tratamento das contas públicas e a transparência dos cálculos são condições de toda sociedade moderna.

Já não era mais possível seguir convivendo com a “contabilidade criativa” e a ficção de números sem cessar revistos e de pouca credibilidade. Estávamos nos tornando, neste aspecto, a Argentina dos Kirchner. Felizmente, também lá o novo presidente Macri rompeu com essa aberração.

O novo presidente mostrou a sua força no Congresso com a aprovação esmagadora das novas medidas, sinalizando com condições de governabilidade inexistentes sob o governo anterior. Estabeleceu-se uma relação de coordenação e harmonia entre os Poderes, e não de confronto.

É bem verdade que não se trata de um mar de rosas, pois as relações fisiológicas continuam imperando, mas se trata agora, neste primeiro momento, de um dado da realidade. Não se muda um país da noite para o dia e as prioridades são as reformas fiscal, previdenciária e trabalhista. Cada uma no seu momento. O Brasil precisa urgentemente se modernizar. Disto depende o seu futuro.

Não é pouca coisa o reconhecimento do rombo deixado pelo governo Dilma. A solução de problemas passa necessariamente por um diagnóstico correto. Não se cura uma doença se não se sabe o que aflige o paciente. A ex-presidente vivia no mundo dela, tão mais dissociado da realidade que a propaganda eleitoral em seu último pleito trazia números e “realidades” nos quais nem o seu partido veio a acreditar.

E, mesmo depois disto, foi incapaz de reconhecer os seus erros e pedir perdão à nação. Perseverou em seus equívocos e foi obrigada a se retirar. Note-se, ainda, que as ditas pedaladas fiscais não deixam de ser amostras do mundo ficcional no qual habitava, procurando, nele, manipular a realidade.

Outra saída da ficção dilmista/lulista/petista foi o estabelecimento de um teto para os gastos públicos, criando condições para uma desvinculação orçamentária que atingirá áreas como Saúde, Educação e Previdência. Não é mais possível continuar com a irresponsabilidade no tratamento da coisa pública, aumentando desenfreadamente gastos sem as correspondentes receitas. Trata-se de receita certa para o desastre, o que terminou acontecendo.

Os representantes da ficção, contudo, já estão alardeando que se trata de medidas “liberais” que atentam contra os “direitos sociais”, como se não fossem eles que tivessem produzido 12 milhões de desempregados, o número podendo logo atingir 14 milhões, arruinado a saúde e piorado significativamente a educação, com o pendor, inclusive, de ideologizá-la.

As Relações Exteriores, sob a liderança do novo ministro José Serra, sofreram uma guinada logo nos primeiros dias. O Itamaraty tinha se alinhado à escória latino-americana e africana. Os laços privilegiados com a África, em nome da “solidariedade”, privilegiaram ditadores sanguinários que se perpetuam há décadas no poder. Dívidas foram perdoadas em nome dos seus povos, quando, na verdade, equivaleram simplesmente a uma transferência maior de recursos roubados para as contas desses tiranos na França, Suíça e Reino Unido. Lula e o PT se regozijaram; os povos desses países continuaram na opressão.

Os laços “especiais” com os países bolivarianos são outra herança maldita dos governos petistas, que o novo ministro teve o cuidado inicial de romper. Os governos anteriores foram coniventes com diferentes atentados à democracia perpetuados nesses países. A Venezuela é um exemplo de até onde foram os liberticidas, reduzindo seus povos à miséria, em nome, precisamente dos “pobres” e dos “direitos sociais”. Pisotearam as liberdades, produtos básicos escasseiam nas prateleiras de supermercados, a inflação corrói os salários e, pasmem!, são saudados pela esquerda brasileira. Em bom momento, o ministro Serra deu um basta a isto, não mais atrelando o país a esses que são atualmente desesperados!

Cabe, por último, uma observação relativa à distinção entre esquerda e direita. Na verdade, ser de direita significa saber fazer contas, não gastar mais do que ganha. Uma pessoa de “direita” sabe calcular a relação entre receita e despesa, devendo, necessariamente, responsabilizar-se por tudo o que faz. Neste sentido, pode-se dizer que à ideia de direita correspondem o cálculo entre receita e despesa e a responsabilidade correspondente. Nada muito diferente do que faz um(a) chefe de família quando contabiliza o que pode gastar cada mês em função dos seus proventos. No trato da família, toda pessoa, saiba ou não, é de direita. Se não o fizer, pode produzir um desastre familiar.

Consequentemente, ser de esquerda, e isto o PT mostrou com clareza meridiana no exercício do poder, significa não saber fazer cálculo, achando que o melhor dos mundos pode se produzir com gastos sem limites, como se orçamentos realistas fossem uma coisa de “liberais”. Algo que poderia ser simplesmente menosprezado. Ser de esquerda significa, então, ser irresponsável no tratamento da coisa pública. Pior ainda, os que assumem tais posições, quando confrontados ao seu inevitável fracasso, transferem essa responsabilidade aos outros, os “liberais”, a “direita”, como se não tivessem nada a ver com os resultados de suas ações.

Entende-se, assim, melhor os que se intitulam “progressistas”, pois isto significa, para eles, conservarem o que há de mais nefasto no tratamento irresponsável da coisa pública. Almejam que a roda da história ande para trás. Vivem em uma ficção ideológica que é nada mais do que uma farsa.

Denis Lerrer Rosenfield

O Estado faz mal à saúde

Sabemos que o Estado não é a solução, o Estado é o problema. Em outras palavras, o Estado não é a saúde, mas a doença. Digo isso porque hoje pela manhã me deparo com uma notícia no Le Monde intitulada Les mesures-chocs de l’Australie contre la cigarette (As “fortes” medidas da Austrália contra o cigarro).

Semana retrasada João Pereira Coutinho já havia citado algo sobre esta perseguição aos fumantes em seu breve texto A Pureza da Raça, onde diz que “o Estado […] abomina o vício mas gosta de lucrar com ele.”

E podemos ver isso claramente ao lermos a reportagem no Le Monde, afinal de contas, conforme aponta o jornal francês, as medidas tomadas na Austrália contra o cigarro, que incluem restringir de 50 para 25 cigarros por viajante em aeroportos e aumentar, a partir de 2017, de quatro em quatro anos, 12,5% no valor do maço, dentre outras, “deverão trazer 4,7 bilhões de dólares (3 bilhões de euros) ao Estado.” Além disso, em New South Wales, Sul do país, “acender um cigarro numa praia de Sidney é se arriscar a levar uma multa de 110 dólares (71 euros).” Novamente o Estado querendo “preservar” a saúde de seus cidadãos pelo bolso…

Ainda no Le Monde, lemos que “… está agora proibida a venda de cigarros em festivais, fumar nos estacionamentos, áreas de táxi e locais para as crianças, nas ruas para pedestres, áreas de restauração, etc.” Também tentaram proibir que as pessoas fumassem em suas “varandas particulares”, mas não conseguiram, pois sabiamente houve denúncia de que isso restringia as liberdades individuais.

Se continuar assim, imagino que logo os agentes estatais que “lutam pela saúde” do povo irão bater à porta das casas e apartamentos e dizendo: “Estamos aqui por sua própria segurança. Iremos revistar e procurar por maços de cigarro!”, e logo que encontrarem um cinzeiro, a pessoa será presa em flagrante por prejudicar sua saúde e consumir algo vendido legalmente.

Isso faz lembrar novamente Coutinho que, no artigo já citado, afirmou que “A ideia, agora, é humilhar publicamente os fumadores, apresentando-os ao mundo como exemplos de doença, decadência e degeneração, uma trilogia que eu julgava enterrada com as piores tiranias do século XX.” Ele ainda comenta: “Resta-me esperar que o próximo passo não seja um ‘campo de reeducação’ para fumadores – ou, a médio prazo, o fuzilamento destes novos ‘inimigos do povo’. Mas, nestas matérias, o melhor é não dar ideias.”

Isso já pode ser visto na prática e eu vejo isso com frequência na minha universidade, onde proíbem que as pessoas fumem até mesmo no estacionamento, que é enorme. Sempre que uma das professoras, fumante, quer acender um cigarro, precisa procurar um “gueto”, um canto, um “exílio” para que a patrulha politicamente correta não a multe pelo “crime”. Compreendo que fumar em lugares fechados possa ser algo meio ruim para os que não fumam, embora, claro, quem deve decidir isso é o proprietário do bar, restaurante, etc., não o Estado, novamente, que o proprietário já sustenta com o tumor maligno dos impostos exorbitantes.

Enfim, o ministro da saúde trabalhista Cameron Dick, se orgulhou dizendo que “Notoriamente, fumar se tornou socialmente inaceitável em Queesland.” Por trás desse comentário, há algo sombrio do qual já vimos antes na história. Se fumar, que é um ato individual, assim como comprar um pacote de salgadinhos, é visto como algo socialmente inaceitável, logo os fumantes estarão sendo agredidos sem que a sociedade condene o ato. Os fumantes terão sua Noite dos Cristais?

O Estado, com sua “autoridade moral em si mesmo”, como pregava Mussolini, já eliminou muito mais vidas do que o tabaco. Por isso, sugiro que os fabricantes de cigarro, em contraposição às imagens horríveis de pessoas doentes e mortas colocadas obrigatoriamente nos maços, também coloquem imagens dos campos de concentração e de pessoas perseguidas e assassinadas pelo câncer dos Estados autoritários que nascem a partir de medidas como essas.

Política do descaso é estupro

A rede social revelou ao mundo o estupro de uma jovem brasileira por 33 homens (ou seja lá o número que for), e chocou o país.

A monstruosidade, inegável, do ato contra a jovem colocou o país de novo alarmado com o número anual dos estupros. Quem se revoltou com os casos idênticos ocorridos na Índia viu que aqui estamos em situação bem pior apesar dos anúncios de "avanços sociais" dos últimos 13 anos.

Os governos petistas, baluartes da defesa das mulheres, não avançaram como alardearam. Em seus números nunca constaram o crescimento dos casos de estupro para chegar a mais de 47 mil em 2015 apesar de tantas mulheres em postos governamentais e a aplicação da senhora presidente. 

É muita criminalidade de 50 mil assassinados por ano para um país, que sustenta a maior organização criminosa do mundo em número e extensão como o Primeiro Comando da Capital com ramificação em todo território e franquias em seis países vizinhos.

Se os estupros a cada 11 minutos e a violência campeando demonstram nossa miserabilidade de país, quando ficaremos estarrecidos com o estupro diário dos milhões de brasileiros revelado pelas revelações de conversas telefônicas de grampeados da política?

Não admira que em meio a tanta criminalidade também não proliferasse a droga política, que adubou durante todo este tempo o terreno para a marginalidade de meliantes e estupradores.

Os políticos, mais interessados nos bolsos próprios e amigos, sempre desleixaram os corpos e as almas dos cidadãos de qualquer gênero. Mais trataram da maquiagem eleitoreira, que garantiriam suas regalias, do que apresentassem e aprovassem medidas efetivas contra o crime. 

Foram de uma eficiência hedionda em aprovar medidas de auto-proteção - veja-se agora o caso de Wadih Damous (PT) para restringir a delação premiada e que acusa a Lava-Jato de "operação fora da lei". Se articularam sempre para camuflar sob a legenda de legalidade os atos mais espúrios da marginalidade do colarinho branco e das oligarquias políticas.

O estupro de qualquer mulher a cada 11 minutos é a consequência trágica do desleixo político para com os cidadãos, a quem os de foro privilegiado tratam apenas como números do título de eleitor para aumentar o caixa particular da família, que sobrevive à custa da desgraça. Mais do que gente, o espírito dessa politicalha é alimentado pela sangue de vítimas. São elas que garantem a fama, o luxo e o privilégio de carrascos de um povo.

América Latina precisa voltar a crescer para avançar contra extrema pobreza

A meta número 1 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas deve ser uma das mais difíceis de alcançar nos próximos 15 anos: acabar com a pobreza em todas as formas, em todo o mundo. E, para a América Latina, na qual os tempos de bonança da década passada ajudaram milhões de pessoas a chegar à classe média, o desafio é ainda maior, pois a região atravessa o quinto ano de desaceleração econômica.


Segundo os Indicadores de Desenvolvimento Global 2016, o percentual de latino-americanos vivendo em extrema pobreza em 2030 será praticamente igual ao de 2012 se forem mantidos os índices nacionais de crescimento econômico registrados na década anterior. Em 2012, 5,6% dos latino-americanos viviam com até US$ 1,90 ao dia, ante os 17,8% registrados em 1990, de acordo com o Banco Mundial.

Os números também deixam claro que a região terá dificuldade em contribuir para o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — adotado com mais 16 metas em setembro de 2015 — caso a economia siga andando devagar até 2030. Em 2016, por exemplo, a economia regional deve retrair 1%.

Por esse motivo, e também para não perder os avanços sociais conquistados na época de vacas gordas, os economistas buscam promover novas formas para estimular o crescimento econômico latino-americano sem depender tanto das matérias-primas.

Também é importante impulsionar o crescimento econômico das demais regiões em desenvolvimento. Se a economia global continuar crescendo como nos últimos 10 anos, o índice de pobreza extrema no mundo cairá para 4% em 2030. E, se forem considerados os índices de crescimento nacionais dos últimos 20 anos, a população global vivendo em extrema pobreza será 6%.
Proteção social

Uma diferença importante entre a América Latina e as demais regiões está no funcionamento de programas de transferências de renda (como o Bolsa Família, do Brasil, e o Prospera, no México), alimentação escolar, mercado de trabalho e seguridade social, entre outros. Entre os latino-americanos mais pobres, cerca de 60% estão cobertos por iniciativas de proteção social.

Enquanto isso, nas regiões menos favorecidas, os programas não são grandes o suficiente para combater a pobreza, segundo o estudo do Banco Mundial. Na África Subsaariana, por exemplo, apenas 15% dos mais pobres têm acesso a um benefício desse tipo.

A América Latina ainda se destaca pela maneira como registra e examina os indicadores de pobreza. “Recentemente, alguns países, como Colômbia e México, adotaram medidas que visam captar a natureza multidimensional da pobreza, avaliando o quanto as famílias são carentes de formas diferentes (em termos de saúde, educação, habitação e oportunidades do mercado de trabalho)”, informa o relatório.
Conquista global

Apesar dos desafios para todo o mundo em desenvolvimento, pela primeira vez na história, o índice global de pobreza extrema ficou abaixo de 10% em 2015. Trata-se de uma redução de mais de dois terços desde 1990, quando 37% da população vivia com até US$ 1,90 por dia.

O documento do Banco Mundial também destaca que o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio de reduzir a pobreza pela metade foi cumprido, e que o novo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1 se baseia nessa conquista.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

O bicho-papão de Curitiba

Temer diz que, ao perceber que cometeu um erro, reconhece e muda o rumo. Usou até uma figura rara na linguagem cotidiana: a mesóclise. Tudo bem com a mesóclise e a disposição de reparar o erro. Mas ele não pode cometer tantos, senão a sinceridade acaba sendo ofuscada pela sensação de que não compreendeu o momento.

O ponto central é a recuperação econômica. Ao aprovar a meta orçamentária com um déficit de R$ 170,5 bilhões, ele disse: é uma bela vitória. De um ponto de vista tático é uma vitória, mas revela a pedreira que teremos de enfrentar para voltar a crescer de forma sustentável.

Dada a gravidade da crise, os erros na política acabam ameaçando as expectativas de recuperação. Muitas vozes, por exemplo, advertiram sobre a presença de investigados pela Lava-Jato no Ministério. Escrevi algumas linhas sobre isso, lembrando como regredimos nessa prática em relação ao governo Itamar. Por achar que era muito óbvio, nem me detive num argumento essencial: é mais do que provável que ministros investigados tentem estabelecer uma tática comum para se defender da Lava-Jato e outras operações em curso.

Um governo que já tem a cúpula investigada, ao optar por ter também ministros investigados, corre o risco de entrar no mesmo círculo infernal do governo Dilma. Sua única alternativa é focar na economia e avaliar o que realmente importa: salvar a pele dos caciques ou ajudar o Brasil nesse transe.

No caso do Ministério da Cultura, ficou a impressão de que apenas voltaram atrás. E que tudo na política cultural brasileira vai bem. Essas isenções de Lei Rouanet muitas vezes beneficiam artistas de grande sucesso no mercado. Eles não precisam desse incentivo.

Por outro lado, há setores que não têm poder de pressão, mas que precisam da ajuda do governo. É o caso da Serra da Capivara, um tesouro da pré-História do Brasil com pinturas comoventes em suas cavernas. Ali está o Museu do Homem Americano.

Ainda no Parlamento conheci a luta da antropóloga Niéde Guidon para manter o Parque Nacional e o Museu do Homem Americano. O dinheiro nunca aparece. Ela já dá sinais de cansaço, depois de ter descoberto artefatos que indicam a presença humana há 50 mil anos e conseguir mantê-los até agora.

O Parque da Serra da Capivara fica em São Raimundo Nonato, no Piauí, perto da Bahia. O governo construiu um aeroporto internacional em 12 anos e gastou R$ 20 milhões. O aeroporto nunca recebeu um voo. É um museu a céu aberto que se deteriora, aliás como tantos outros museus edificados no Brasil. E o Museu do Homem Americano está ao lado de um aeroporto virgem que também se deteriora.

É um problema, no meu ponto de vista, que tem de ser equacionado por uma política cultural. Jamais teremos uma passeata de Aleijadinhos, pintores rupestres, mestres do barroco ou do rococó. Passeiam apenas dentro de nós.

De um modo geral, quando se fala em pensar no Brasil, além do Sudeste, fala-se sempre em distribuir melhor as verbas de incentivo aos artistas. No Rio, o prédio ocupado pelos produtores culturais, edifício Gustavo Capanema, foi apenas o cenário de um protesto. Mas é, na verdade, um museu da arte moderna brasileira, num prédio que teve também a participação inspiradora do arquiteto francês Le Corbusier. O prédio é dividido com a burocracia do setor cultural. Ele foi concebido para um uso burocrático. Mas, hoje, essa coexistência dificulta seu uso pleno como um museu. Pelo menos foi essa a sensação que tive ao visitá-lo. Não ouvi discussões sobre isso, apesar da ocupação por alguns dias. Isso não importa. O importante é que visões diferentes de cultura coexistam para que o horizonte se alargue.

Temer garantiu o pagamento de R$ 122 milhões que o governo deve aos produtores culturais. O ministro da Educação, quando a Cultura caiu nas suas mãos, apressou-se a garantir que haveria mais dinheiro. Na verdade, é uma relação de fornecedores e cliente. Perdeu-se a oportunidade de tratar do tema em outro nível. Mas ganhou-se, pelo menos, uma trégua, num front que não precisava ser aberto naquele momento.

Outra vulnerabilidade do governo: o líder na Câmara, André Moura, investigado por vários crimes, inclusive assassinato. A barra pesada se une ali em torno do investigado-mor, Eduardo Cunha. Ele é o líder, porque, além de ousado, conhece bem as técnicas para obstruir a Justiça, da intimidação de testemunhas às artimanhas regimentais.

É uma ilusão pensar que o sistema político brasileiro fará a transição para além da crise e vai sobreviver como um herói de bang-bang com um braço na tipoia e outro no ombro da namorada. Ela vai passar por implosões e esse deve ser o cálculo realista de quem tem a reconstrução econômica como foco. Vamos ver o que sobra dessa derrocada. E o que se pode fazer dos seus escombros.

As tentativas de deter a Lava-Jato fracassaram. As cúpulas do PT e PMDB tentaram. Alguns dirigentes tornaram-se um tipo especial de agente de viagens. Analisam todos os destinos possíveis, desde que não passem por Curitiba.

A parte do latifúndio

Nunca foi fácil. Para ninguém. A verdade é que, por séculos, desigualdade e injustiça tenham talvez sido o denominador de todas as épocas, de todos os tempos no país tropical. É, portanto, forçoso admitir que todos tivessem (e ainda tem) razão para desconfiar.

Depois de tanto tempo, ainda não existem mecanismos confiáveis para mitigar perdas, transigir, negociar. Em lugar em que a prosperidade esta associada com a habilidade de conquistar e manter feudos, não é mesmo surpresa de que não exista por parte de qualquer pessoa, empresa, organização, setor ou corporação, a disposição de ceder espaço.


Apesar de estar claro de que a realidade dita que todas as demandas não poderão ser atendidas ao mesmo tempo, não existe processo crível através do qual se possa alocar estes recursos finitos e limitados de acordo com prioridades consensuais.

O resultado é o que esta aí. Ninguém segue espaço. Todos querem reduzir ministérios. E todos querem um ministério para chamar de seu. Corte são benvindos, desde no ministério dos outros.

Os agentes econômicos não lutam para juros mais baratos. Daria trabalho. Não lutam por melhor ambiente de negócios. Preferem subsídios.

As corporações defendem seus feudos com unhas e dentes. Pouco importa se é sustentável, ou se é melhor para a maioria. Pouco importa o desemprego, a segurança social, ou se a previdência social é sustentável no futuro.

Tudo isso é sintoma. Para além do corporativismo, dos interesses econômicos, da ganancia, existem outras razoes que podem explicar tamanha resistência e adaptação das demandas às limitações inerentes a realidade.

Em um ambiente em que a politica nunca foi confiável fica mesmo difícil abrir mão de ganhos presentes para apostar em melhoria possível. E se torna normal que todos queiram a sua parte do latifúndio imediata e perenemente, sem que estes direitos sejam impactados por qualquer fator, inclusive a realidade. Sem politica capaz de mediar consensos, o país está preso em disputas insolúveis, intestinas e danosas. Para todos.

É situação curiosa esta de nosso latifúndio. Está tomado por feudos imaginários. Mas a soma dos feudos é maior que os recursos disponíveis. E, mesmo sabendo desta realidade, não existe negociação. Ouvem-se apenas gritos, reclamações, e conflitos que degradam o todo para preservar interesses econômicos, ganhos individuais ou interesses corporativos.

E de conflito em conflito, o bolo vai diminuindo. Os debates vãos ficando cada vez mais medíocres. As ideias, mofadas. O processo, sem credibilidade. E nada melhora. Não se vai a lugar algum. Sem solução e sem resolução. Onde todos perdem. Sem exceção.

As vantagens do extremismo



John Cleese, do Monty Python

L-J, ou Querida, o país encolheu

Foram tantas tratativas pensando em melar a Operação Lava Jato que faltaram chamar a Wanderléa para fazer serenata para o Sergio Moro: “Senhor Juiz, pare agora! Por favor, pare, agora! ” Para completar, temos uma dívida monstro tipo corda no pescoço, mais de 11 milhões de desempregados, saques assaltos bilionários sanguessugas nas empresas e das empresas na gente, um projeto de poder falido tentando de um tudo para continuar atarracado. E mais a violência que nos sangra e respinga

Geleia geral, se alguém queria saber a sua mais completa tradução, chegou a ela nos últimos dias destes últimos meses. A novela mais assistida voltou ao horário das oito, o do noticiário, agora repleto de personagens que entram mudos e não saem, calados; que saem, ou ainda tentem, falando, dedando, traindo; que fogem ou são fugidos, gravam e são gravados – e gravados puramente sinceros. Os que estão numa lista aguardando a chamada. E os que estão numa outra lista de espera para ingressar em breve no espetáculo, em alguma fase de nome criativo da Operação. Mais matracas declarando roteiros que não cumpriram quando puderam.

Se for para começar a usar sinônimos, lá vem mais um: decomposição. A coisa está tão feia, sem limites, derretendo sórdida e a passos tão largos que não nos sobrará outra opção que não seja histórica, esta sim o será, e corajosa. Do ponto de vista político de unidade nacional, se estiver mesmo querendo passar melhorzinho para a história não restará a Michel Temer alternativa a não ser liderar um rápido e radical processo de transformação e renovação, chamando eleições em todos os níveis, e em um processo que no máximo se resolva desse outono ao outono do ano que vem. Só assim poderá manter o apoio, porque a impressão é que ainda vem onda grande por aí.

Mas quem dera fosse só na política essa degradação, embora a ela tudo pertença de alguma forma. Estamos precisando falar sobre a nossa índole que está mostrando um lado brutal que ainda poucos se dão conta. Aliás, poucos se dão conta que isso tudo é real, significa, e é a sua própria vida e destino no jogo.

Essa novela, “L-J ou Querida, o país encolheu” já ultrapassou Redenção, da extinta Excelsior, que tem o recorde de ter ficado no ar por mais tempo na televisão brasileira. Foram vinte e quatro meses e dezessete dias, 596 capítulos. A história agora, a atual, parece infinita, um polvo, e de cada uma de sua pernas cortadas, surgem outras, ainda mais compridas, como rabos de lagartixa. As histórias esticam sua dimensões e alcançam cada vez mais personagens detrás de portas e janelas onde tentavam se camuflar.

Enquanto discutimos estruturas burocráticas de ministérios, fazendo cara de conteúdo, bocas e bicos, e usando argumentos chulos e apelativos para falar sobre a cultura, ela se nos apresenta em sua mais brutal face. No estupro coletivo da menina, que ainda por cima suporta agora em cima dela as dúvidas dos detalhes, e a ineficácia da proteção e investigação policial; nos assustadores números do índice nacional de estupros e violência contra a mulher. Na desonestidade intelectual dos que se afundam na tentativa de torcer o rabo da porca, para salvar a que fizeram heroína, e heroína do nada é. Se foi, foi.

As estribeiras estão soltas. A pedra atirada que mata o rapaz que dormia embalado nas curvas da estrada de Santos rolou do alto de uma montanha que desmorona, nos fazendo lembrar de olhar para cima. Para ver se vem rolando outras e tentar delas desviar. Ou procurar por Deus, pedindo que nos perdoe a todos por uma possível omissão que estaria escrevendo essa história, que nos suspende, e que embora possa parecer comédia, tenha até seus momentos hilários, não é.

É drama e dos grandes, de ainda nos fazer chorar muito. Com reprises programadas.

Ainda na luta

Antes que eu me esqueça: também quero eleições... depois que os aliados Lula e Cunha forem para a cadeia, é claro. Mas meu tema aqui é outro. Amigos me falam de uma nova onda de conservadorismo se alastrando pelo país. Não está correto: essa onda é velha. A gente foi que se enganou com a cor da chita.

Esta é a verdade: neste século 21, o Brasil avançou bem menos do que a gente pensou-desejou-acreditou. Principalmente, no campo da moral e da cultura. Dos comportamentos sociais. A gente chegou a imaginar que estava bem à frente.

Achamos que a discussão do aborto, apesar de evitada pela antifeminista Dilma, a Honesta, era praticamente página virada. Que a maconha estava na véspera de ser legalizada. Que a homofobia, apesar de tudo, seria prontamente banida. E não era nada disso.

A gente estava dançando em outro ritmo, compassos adiante, sem perceber que a população estava lá atrás. Os avanços não foram mais do que pequenas ilhas de calor e luz na maré do conservadorismo. Agora, as coisas estão apenas desandando. Porque os tempos, com os governos que tivemos nesses últimos anos (e com o que temos agora não será diferente, muito pelo contrário), são de paralisia e retrocesso.

As massas não engoliram nossas conquistas. As pessoas podem até não agredir um veado (não vou deixar de usar a expressão por causa dessa repressão autodenominada “politicamente correto”) na rua, mas não é porque aceitaram a veadagem. É porque não querem ser presas.

Essas coisas de drogas, homossexualismo, etc., nada disso foi realmente aceito. E não temos alternativa, a não ser lutar para continuar avançando milimetricamente, passo a passo. Vale dizer: isso vai continuar tendo de ser empurrado goela abaixo da sociedade, em nome da democracia política, social e cultural que, apesar da dupla PT-PMDB, não desistimos de construir.

Mas teremos de fazer isso à revelia de governos. Nossos políticos, mesmo quando supostamente “progressistas” (outra palavrinha idiota), se rendem por votos. Fecham imediatamente os ouvidos, se trancam, passam mal, cada vez que uma ideia nova bate à porta.

Nossos partidos – fingindo-se de direita ou de esquerda, tanto faz – promovem a sacralização do atraso e da ignorância. Por uma razão muito simples: dependem disso para sobreviver e dominar. Quanto a nós, que permanecemos na contramão do reacionarismo vigente (pouco importando suas supostas colorações ideológicas), não devemos nos esquecer de pelo menos uma coisa: a utopia é a última que morre.

A teoria de Piketty e o fracasso do capitalismo à brasileira

Existem vários graus de capitalismo, desde o mais selvagem, ainda praticado em alguns países da África, do Oriente e da Ásia, até alcançar o mais elevado, nas cinco nações da Escandinávia. No caso do Brasil, há décadas tenta-se preservar um estranho tipo de capitalismo, em que a miséria absoluta é forçada a conviver com a riqueza total, embora qualquer idiota possa perceber que esse tipo de contato/convívio social não tem a menor possibilidade de dar certo. O resultado todos veem no dia a dia da classe média alta, que hoje vive protegida detrás de muros elevados, grades e cercas farpadas e até eletrificadas. Somos reféns do capitalismo à brasileira.

Faz lembrar a conhecida a piada do advogado Heráclito Sobral Pinto, a quem conheci quando ele morava no Edifício Zacatecas, em Laranjeiras, abrigado no apartamento da namorada francesa do poeta Manuel Bandeira, no período em que os amigos estavam reformando a casa dele, na rua ao lado. Quando perguntavam a Sobral sobre a democracia à brasileira, ele respondia que isso jamais existiu: “O que há é o peru à brasileira”.

Seis décadas depois, pode-se dizer o mesmo em relação ao capitalismo à brasileira que tentam nos empurrar goela abaixo. Isso não é existe, não pode dar certo e ajuda a explicar o caos em que nos metemos nos governos do PT, a partir do segundo mandato de Lula, quando começou a maquiagem das contas públicas, que culminaram com as trágicas pedaladas de Dilma Rousseff.

Pode-se caminhar com firmeza na análise do modelo brasileiro seguindo a trilha do economista francês Thomas Piketty, que balançou as entranhas do sistema financeiro mundial no início de 2013, ao lançar “O Capital no Século XXI”, com uma realística visão da trajetória da moderna Economia Política, que vem sendo ensinada equivocadamente nas universidades.

A tese de Piketty tem base numa fórmula simples e impactante que explica a desigualdade econômica: “r > g”. Ou seja, o retorno sobre o capital é geralmente maior do que o crescimento econômico. Isso significa que, ao contrário do que os otimistas pensam, a desigualdade econômica mundial não tende a diminuir. Muito pelo contrário, o abismo econômico e social está se aprofundando, acreditem se quiserem, como dizia Robert Ripley, o cartunista mais famoso do mundo no século passado.

O fato é que o economista francês conseguiu mesmo provar que, ao longo da História, o rendimento do capital tem sido maior do que o crescimento da economia, independentemente da evolução da produtividade. Quem detém capital (bens imóveis, patrimônio, investimentos financeiros ou empresariais) sempre se beneficia mais do crescimento do que quem depende de seu trabalho. E quando ocorrem as crises, a classe média se julga atingida pelos ajustes fiscais e pela queda da qualidade dos serviços públicos, mas na verdade quem mais sofre são os trabalhadores menos classificados e os desempregados.

É evidente que existem grandes diferenças entre os países. “É verdade que o caso da Europa não é exatamente o mesmo que o dos Estados Unidos. O movimentoWe are the 99% [em tradução livre, Somos os 99%, em referência aos 99% dos cidadãos que não estão no topo da pirâmide de renda, criado pelo movimento Occuppy Wall Street] tem mais sentido nos EUA ou em lugares como Londres, porque neles o peso do setor financeiro e do capital na economia é muito maior. Na Europa, a maior fonte de desigualdade é o desemprego”, diz Piketty.

A seu ver, o sucesso do livro “O Capital no Século XXI” revela a necessidade de maior democratização do debate econômico, para permitir que as pessoas formem sua opinião e se participem da discussão dos problemas que interessam a todos, indistintamente.

No caso específico do Brasil, que é um país surrealista e muito diferente dos demais, o problema é a insistência na criação de um capitalismo sem risco, com altas taxas de juros, que induz as pessoas a aplicarem o capital no mercado financeiro, ao invés de investi-lo em atividades realmente produtivas, que possam gerar empregos.

Sob o ponto de vista prático, o dinheiro da corrupção brasileira poderia até ter efeito benéfico ao país, se os corrompidos o investissem aqui na abertura ou expansão de empresas. Mas o que fazem? Simplesmente, abrem contas secretas em paraísos fiscais, para esconder e proteger o dinheiro sujo, porque não confiam no país. Justamente por isso, o crime de corrupção envolvendo patrimônio público deveria ser punido com severidade máxima, mas no Brasil quem faz as leis acaba delas se beneficiando.

A crise no Brasil é passageira, já tivemos outras, até piores, porque desta vez a inflação ainda não se descontrolou. Quinto maior país do mundo em extensão territorial e população, o Brasil continua a ser um gigante meio abobado e atraente. Das 500 maiores empresas do planeta, 400 estão instaladas no Brasil e isso tem um enorme significado. Sabem que nosso potencial de crescimento econômico é extraordinário. Se explorássemos melhor os minérios e impedíssemos que fossem contrabandeados, já seria um bom começo. Muitos outros setores são altamente viáveis e estão pouco explorados. Mas quem se interessa?

Quanto a Thomas Piketty, que já visitou nosso país algumas vezes, jamais vai entender a economia brasileira. Somente conseguirá nos compreender em outra encarnação, se nascer aqui e der a sorte de sua família ter condições de pagar escolas de primeira linha. Se estudar em escola pública, vai ser mais difícil.

Penúltima da gestão Temer: ministro da Transparência vinculado à escuridão

Se Michel Temer não acordar, vai chegar uma hora em que a paciência dos brasileiros, dos quais 58% já não o queriam na Presidência, se esgotará. Quando parece que está tudo normalizado —o Romero Jucá afastado da Esplanada, o Ministério da Cultura recriado, nenhuma acusação nova feita contra o Eduardo Cunha na última meia hora, o Lula quieto, a seleção do Dunga derrotando o time do Panamá por 2 a 0, o impeachment da Dilma caminhando no Senado, as pessoas começando a se conformar com a peruca ridícula do Antonio Fagundes na novela—, surge mais uma gravação do Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.

A encrenca se insinua pela segunda semana. Temer faz um inventário de suas preocupações e pensa: “Hoje, finalmente, vou poder dormir mais tranquilo…”. E não pode. Tem que se preocupar com a nova gravação do delator Sérgio Machado, divulgada pelo Fantástico, em plena noite de domingo. Responsável pelo combate à corrupção, Fabiano Silveira, ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, foi gravado dando aula a suspeitos de desvio$ sobre como se livrar da Lava Jato. Advogado, Fabiano distribuiu seus ensinamentos ao próprio Machado e a Renan Calheiros, padrinho de sua nomeação para o ministério de Temer.


Quem saiu às ruas para pedir a cabeça de Dilma e repudiar a corrupção observa tudo o que houve em Brasília e se desespera com o que ouve nas gravações de Machado. Elas sugerem que Temer no poder é uma troca de seis por meia dúzia. Afastada a ladroagem do PT, assanhou-se a ladroeira do PMDB, que está obcecada pela ideia de asfixiar a Lava Jato, não de salvar o país. Não passa um dia sem que haja um novo problema no governo seminovo —como se não bastassem o André Moura, um triplo-réu na liderança do governo, e o Waldir Maranhão, um néscio multi-investigado no comando da Câmara.

Quando o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) está quase convencendo um pedaço do país de que conseguirá achar uma saída para a crise —ainda que tenha que procurar mais um pouco—, um novo áudio captado pelo Sérgio Machado despeja no noticiário as vozes do esgoto. É como se o governo tentasse consertar a torneira dos gastos públicos e estourasse a privada. Ou Temer afasta Fabiano Silveira da poltrona de ministro ou o odor será insuportável ao final desta segunda-feira.

Na semana passada, um dia depois da saída de Jucá da pasta do Planejamento, Temer reuniu os líderes partidários para pedir empenho no Congresso. Ao abrir o encontro, declarou, batendo na mesa: “Ouvi aqui: ‘O Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar.’ Conversa! Fui secretário de Segurança Pública duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos. Sei o que fazer no governo e saberei como conduzir.” Será? Entregar o Planejamento a um enrolado na Lava Jato, a liderança do govenro a um suspeito até de tentativa de homicídio e a pasta anti-corrupção ao afilhado de Renan não parecem bons prenúncios.

Vivo, Cazuza diria a Temer: “Tuas ideias não correspondem aos fatos. Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades.” No gogó, Temer é um defensor da Lava Jato. Na prática, chefia um governo apinhado de suspeitos e cúmplices. E os problemas não param. Na semana passada, Temer tentou apagar outro pavio. Indagou ao ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, também investigado na Lava Jato, se não seria o caso de deixar a Esplanada. O amigo não se deu por achado. O governo parece ter perdido a noção do perigo. Brinca com os nervos dos brasileiros. Ssssssssssssssssssssssssss…

É grave o rombo!

Se você é jovem esperto nos dias de hoje, é muito difícil imaginar que existe alguma solução para os problemas que estamos enfrentando
Jonathan Franzen

O que será, que será

Se a indústria, de forma geral, reclama da recessão e da forte queda da produção dos últimos tempos, o mesmo não poderão dizer os fabricantes e o comércio de gravadores; nunca tal equipamento foi tão utilizado e em especial no trabalho de investigação das mais retumbantes operações, por parte da polícia e do Ministério Público Federal, para seu posterior julgamento, pelo Judiciário, nas frentes abertas Brasil a dentro para coibir a corrupção, o tráfico de influência e a formação, a pós-graduação, o mestrado e o doutorado de quadrilhas. É o que mais se tem visto, ultimamente. Quem se lembra de como se instalou a operação Lava Jato viu que a contadora de Alberto Youssef, Meire Poza, passou meses gravando depoimentos colhidos em encontros que ela mesma armou exatamente para entregar à PF a atividade delituosa de um grupo formado para viabilizar negócios de empreiteiras de obras públicas com governos.


Pela mesa de Meire passavam as negociatas engendradas por Youssef e que ela teria que dar forma de verdadeiras, transformando-as em fatos contábeis. Em algum momento, era preciso que somas absurdas de dinheiro, nutridas pelo caixa 2 das empresas clientes, tivessem um fio de realidade; esse era o papel de Youssef e de sua gangue, nela presente a própria Meire. Por alguma razão, ainda um tanto obscura, a contadora resolveu abrir o jogo e ajudar a colocar seu patrão na cadeia. Nasceu aí o sururu.

Agora, quem ocupou a cena foi o ex-diretor da Transpetro, o ex-senador Sérgio Machado, um tipo que frequentou altas rodas da República e que se aplicou em gravar conversas com políticos de alto-coturno, de quem ouviu, no pouco que já fora revelado da degravação de sua delação premiada, chocantes confissões de autoria e cumplicidade, as mais deslavadas atitudes, quase todas capituladas no Código Penal. Algumas, menos importantes, são fuxicos, mas que expõem a indigência moral de muitos de nossos representantes, no caso, todos aboletados no poder e com responsabilidades de mando e decisão. Decidem sobre a vida dos brasileiros, da forma mais ampla e abrangente, sem escapatória. O acervo de Sérgio Machado tem material para escandalizar-nos muito mais, tudo colhido em Brasília, pelo gravador que ouviu, em “tenebrosas transações”, políticos do PMDB, do PP, do PSDB e do PT.

Não há um dia mais sem que a mídia revele uma gravação, uma delação, uma mutreta engendrada para que alguém possa levar pra casa o que o Tesouro nos tomou como impostos e não transformou em ações da responsabilidade genuína do Estado, como educação, saúde e segurança, para citar algumas.

O Brasil está falido, a sociedade desmotivada e sem esperança e os nossos políticos, sem projetos e compromissos. Para onde vamos?

Melhor comédia em Cannes

Atores brasileiros denunciaram no Festival de Cannes o golpe de Estado no Brasil. Isso aconteceu pouco depois de o novo ministro da Fazenda declarar que sua primeira missão será descobrir e divulgar a verdade sobre as contas públicas no país. Ou seja: o governo derrubado pelos golpistas mantinha as finanças nacionais na clandestinidade – para poder cometer à vontade os crimes fiscais em que foi flagrado. Faltou traduzir para o francês: sujeitar a malandragem petista à lei é golpe.

Sonia Braga tem todo o direito de querer trocar Gabriela Cravo e Canela por Dilma Cravo e Ferradura – cada um busca a felicidade onde bem entender. O que já passou da hora é a responsabilização criminal da presidente afastada por suas insinuações de golpe de Estado. Aí já não é cinema – é Código Penal.

O governo Michel Temer começou da seguinte forma: Henrique Meirelles na Fazenda, Ilan Goldfajn no Banco Central, Mansueto Almeida no Tesouro, Maria Silvia Bastos Marques no BNDES, Pedro Parente na Petrobras. Vamos explicar de forma alegórica, para a criançada de Cannes entender: sai o time da penitenciária, entra o Barcelona.

Mas os progressistas fiéis à companheira golpeada não gostam de Messi, Neymar, Luisito Suárez e companhia, que acham muito antipáticos e neoliberais. O time da penitenciária tem mais ginga – e se encaixa melhor no hino revolucionário que sustenta a mística dessa gente: caminhando e cantando e seguindo o cifrão.

A ordem, portanto, é disparar contra Temer. A primeira crítica proferida de todos os lados: é um ministério sem mulheres. Para os democratas golpeados, mulher é uma espécie de patente, um atributo genérico. Qual ou quais ministras os críticos recomendavam, e por que, ao novo governo? Ninguém sabe. Esses pobres golpeados tratam gênero como virtude, sexo como credencial.


Sendo assim, vamos à escalação das mulheres que fizeram história nos virtuosos governos petistas: Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann, Graça Foster, Miriam Belchior, Benedita da Silva, Ideli Salvatti, Rosemary Noronha, entre outras sumidades – sem se esquecer, naturalmente, da estrela guia Dilma Rousseff. É necessário declinar os prontuários? Quem quiser diversão macabra que vá ao Google.

Viram como é fundamental um governo com mulheres?

Essa é a narrativa tosca da qual o Brasil virou refém, e não só a turma da cantilena parasitária. Exigir mulher no ministério de Temer é o que há de mais machista: essa é a autêntica mulher objeto, transformada em troféu do proselitismo. Mas eis que surge a troca de comando no BNDES. Quem assume? Maria Silvia Bastos Marques.

O Brasil bonzinho detesta a virtude. Maria Silvia vale por todas as supracitadas juntas (no que elas remotamente tenham de bom, claro), mas sua nomeação atrapalha a narrativa de que o governo Temer é PMDB, é retrógrado, é machista, é Eduardo Cunha. Silêncio total. Ótimo: muito ajuda quem não atrapalha.

O BNDES enfrenta suspeitas de ter se tornado um antro de tráfico de influência do PT – e, particularmente, de Lula, como aponta investigação do Ministério Público sobre ações do ex-presidente em favor de empreiteiras no exterior. O problema da nomeação de Maria Silvia é que isso acaba. Se não do dia para a noite, tão logo ela vá iluminando ponto a ponto as catacumbas.
Como se pode ver, o golpe denunciado em Cannes é grave: só pode ser uma conspiração para matar a elite vermelha de fome. O Barcelona está em campo para tentar reverter o calamitoso 7 a 1 petista, e a patrulha progressista está à beira do gramado jogando pedra e gritando contra os conservadores, os feios, os chatos, as recatadas e as do lar.

Essa síndrome brasileira parece não ter cura. Freud (ou Nelson) poderiam diagnosticar uma inconfessável vontade de apanhar (por qualquer placar). Foi o que se viu no UFC Brasil. O campeão dos pesos pesados não resiste à presepada e entra com musiquinha de Fórmula 1, “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, diz que são 45 mil com ele no octógono e... Os 45 mil são nocauteados com um direto no queixo aos dois minutos de luta.

Prezados parasitas da mística, vão procurar sua turma no Festival de Cannes – e celebrar o prêmio de melhor comédia. Deixem o Brasil que trabalha trabalhar.

domingo, 29 de maio de 2016

Sinovaldo

Ares do tempo

Há uma sensação geral de que o país perdeu o rumo. O incômodo vem de fatos específicos: caos político, corrupção, recessão, desigualdade, violência, epidemias, desemprego, deseducação, falência das contas públicas.

Poucos, porém, consideram que estes indicadores de falta de rumo e de decadência têm em comum o fato, ainda mais grave, de que estamos sem sintonia com o “espírito do tempo”, o conjunto de ideias que orientam a humanidade e cada nação para o futuro. É como se, além de rodando no meio do mar, não soubéssemos como inflar as velas do barco na direção dos ares que sopram para o futuro.

Não é a primeira vez que isso acontece. Quando o mundo ingressava na primeira revolução tecnológica, com capital industrial e trabalho assalariado dentro das regras do mercado, nós optamos por continuar escravocratas, patrimonialistas, ruralistas, exportadores de bens primários, obscurantistas no pensamento.

Cem anos depois, quando iniciamos nossa industrialização, passamos a fabricar velhos produtos, não nos dedicamos a inventar produtos novos, conforme os novos tempos que já se iniciavam.

No século XXI, outra vez estamos dessintonizados com ares do tempo: a revolução científica, o capital conhecimento e a inovação como motores do progresso. Continuamos emergindo ao passado, não ao futuro: comemoramos continuar exportando commodities e fabricando autos, sem desenvolver capacidade de inovação para criar novos produtos da economia do conhecimento, sem base científica e tecnológica, sem colocar o bem-estar na frente de produção, consumo e renda, sem compromisso com o equilíbrio ecológico.

Vemos a tragédia imediata da recessão e do desemprego ao redor, mas não percebemos a tragédia distante de continuarmos na velha economia da produção primária, da indústria metal-mecânica, da dupla dependência tecnológica, tanto na inovação dos produtos quanto na inovação das ferramentas.

A maior prova da falta de sintonia com o futuro é o descuido como tratamos nossa educação de base, desperdiçando milhões do mais importante vetor do futuro: os cérebros bem formados de nossa gente. O vetor do progresso está na educação de qualidade igual para todas as crianças, independentemente da renda dos pais e da cidade onde vivem.

Desprezamos o futuro quando nos recusamos a prestigiar o mérito dos bons professores, diferenciando-os dos demais. Não estamos sintonizados com o futuro ao mantermos uma máquina estatal ineficiente, a serviço de sindicatos e partidos, e não do público; ou quando nos recusamos a atualizar velhas leis que já estão superadas.

Nos tempos em que a taxa de natalidade diminui e a esperança de vida aumenta, o espírito do tempo exige reforma no sistema previdenciário.

A maior crise brasileira não está nas aparências do que nós vemos e sofremos, mas na nossa recusa de olhar para onde sopram os ares do futuro e como fazermos as reformas que nos sintonizarão com ele. Estamos desorientados com o presente caótico e outra vez não nos sintonizamos com as forças do espírito do tempo.

A miséria do debate da cultura e o pensamento de Mario Guerreiro

Estamos perdendo uma ótima oportunidade de aprofundar o debate sobre a cultura como política pública e a função do Estado. Seguimos chafurdando no baixo nível do debate e, em vez de entrarmos no campo iluminista da filosofia política, nos limitamos a uma querela sobre quem tem mais poder de mídia: políticos responsáveis pelo reequilíbrio das finanças públicas ou a trupe barulhenta dos artistas inserida na mídia de entretenimento. Pipocam nas redes sociais balanços sobre o que e quem finalmente tem sido financiado pela renúncia fiscal da Lei Rouanet: se os partidários do governo afastado, com projetos politicamente engajados, se cultura efetiva ou simples entretenimento. Mas o debate não avança nem se qualifica. Os políticos do novo governo recuam e regredimos à política do acochambramento.

Valho-me outra vez de meu mestre Mario Guerreiro. Outro filósofo que precisa ser lido no Brasil, embora menos conhecido, porque não escreve para grandes jornais como no caso do Luiz Felipe Pondé, a que me referi aqui numa coluna recente. Pois, como circula nas redes sociais, sobretudo entre grupos de cidadãos-membros de organizações e movimentos da sociedade civil de participação cívica e política, o Brasil tem de ser lido e entendido na dimensão maior de sua cultura, mais até do que se tem produzido no campo de sua interpretação. O que demanda uma nova estratégia de divulgação, missão de nosso Instituto A Voz do Cidadão. Para superarmos essa miséria do debate público, principalmente sobre produção culturalstricto sensu, e alcançarmos a alta cultura dos cidadãos mais atuantes nos campos das políticas públicas, do combate à corrupção e à impunidade, e dos defensores das causas da cidadania política, pela transparência pública, pelo monitoramento de mandatos políticos, de orçamentos e instituições públicas, os quais nosso instituto acompanha mais de perto.

Pois bem, Mario A.L. Guerreiro, doutor em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi meu orientador no mestrado que cursei nos anos 1980, e devo a ele minha formação nos campos da filosofia da cultura, da arte e da teoria política. Mas já naquela época, entre duas dezenas de doutores e mestres do IFCS, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, apenas dois membros do corpo docente não eram de orientação socialista ou social-democrata, mas de orientação liberal e conservadora. O que dá bem a ideia da revolução cultural promovida pelas esquerdas mais esclarecidas do pós-guerra, mas que, no Brasil, acabou se reduzindo na prática a um esquerdismo infantil, sobretudo entre os formadores de opinião da imprensa e os formadores de consciências do sistema educacional. Como receitava a cartilha gramsciana, o enfrentamento revolucionário armado, de eficácia duvidosa naqueles tempos de Guerra Fria, deveria ser substituído pelo combate no campo das ideias pela ocupação dos aparelhos ideológicos do Estado, como a academia, as universidades e escolas, a Justiça, a imprensa, as artes e entretenimento e até as igrejas.

Nas últimas décadas, Mario Guerreiro, escreveu cerca de 20 obras de reflexão filosófica extremamente oportunas nestes tempos de hegemonia esquerdista do pensamento brasileiro no campo da produção da cultura. A maioria delas foi publicada por editoras de universidades e institutos liberais com tiragem reduzida e eventualmente esgotadas, além de tantas outras inéditas. Dentre estas, destacaria uma que ele me enviou recentemente e a que passo a me referir agora: A superação da imaturidade, de Francis Bacon à Revolução Americana: uma nova visão do Iluminismo. Entre suas obras editadas que recomendo aos estudiosos da filosofia política e da cultura brasileira, e que, se não forem encontradas em sebos na internet, podem ser solicitadas a ele em suas versões digitais, estão:Ética mínima (IL, 1995); Liberdade e igualdade (EdiPUCRS, 2002) eIntérpretes do Brasil (Artes e Ofícios, 2004). Mas a lista completa de suas obras, os interessados podem também acessar no seu currículo Lattes. Quanto à obra inédita, é de uma oportunidade singular diante do momento de derrocada do principal partido de esquerda brasileiro, apeado do poder por um contingente de cidadãos insatisfeitos – pela ação das instituições de defesa do Estado e pela ação da maioria dos políticos de perfil de centro, conservador e liberal, preponderantes no Brasil, contrários às políticas esquerdistas e às práticas de corrupção sistêmica com objetivo de se perpetuar no poder –, além de responsável por políticas afirmativas em detrimento da racionalidade econômica e do equilíbrio fiscal, que resultou na maior crise moral, política, econômica e social da democracia brasileira.

No livro em questão, Mario Guerreiro localiza na Revolução Francesa a derrocada da racionalidade do debate político e econômico que havia alcançado seu auge na Revolução Gloriosa de um século antes, na Inglaterra. Se esta promoveu os valores da democracia e aperfeiçoou instituições políticas modernas a partir da Revolução Americana, a Revolução Francesa promoveu o Terror e uma concepção de tomada de poder pela ação armada que se estendeu até a Revolução Comunista de 1917. Dispensável dizer que o debate público brasileiro pende muito mais para a doutrina romântica da filosofia política francesa do que para a tradição racionalista do Iluminismo escocês que inspirou a Revolução Americana. Entre Francis Bacon, Hobbes, Locke e Adam Smith e autores como Rousseau, Proudhon, Hegel e Marx, somos muito mais influenciados por estes últimos da tradição do Siècle des Lumières do que pelos primeiros da tradição do The Enlightenment. Quando sabemos que a clássica tradição racionalista das teorias políticas se perde exatamente no romantismo revolucionário! E um dos marcos determinantes desta perda é a tentação de conceber o homem como senhor de seu destino. Arrogante revolta, por sua vez, contra os valores morais da tradição humanista, fundada na lenda do castigo eterno de Prometeu da mitologia grega e, da tradição religiosa judaica, na genealogia adâmica do pecado original inscrito na lei mosaísta. O que vai ressurgir nos primórdios do Iluminismo com as concepções da Utopia, de Thomas Morus, com a própria Nova Atlântida, de Bacon e a Cidade do sol, de Campanella. E resultar na ideia de progresso, expressão moderna da arrogância romântica do homem como engenheiro social, além de senhor de seu destino. Se a Revolução Gloriosa produz o Bill of Rights, a Revolução de 1789 acaba com o despotismo autocrático dos Bourbons, mas produz o despotismo autocrático dos jacobinos e de Robespierre. Do mesmo modo, a Revolução de 1917 acaba com o despotismo autocrático dos Romanovs, mas produz o despotismo autocrático do Comitê Central do Partido Comunista fantasiado de “ditadura do proletariado”.

O que Mario Guerreiro enfatiza com a comparação entre as duas tradições políticas e suas decorrentes revoluções é que elas podem acabar com formas despóticas de governo, mas não com inadequados modos de pensar. Para acabar com estes, o que é exigido não é revolução, mas sim educação; não é coerção legal, mas sim eficiente persuasão. O que eu chamaria aqui de educação pela comunicação. Uma vez que, por educação, não devemos entender somente a estrita transmissão de conhecimento, mas, sobretudo, a formação do caráter e do espírito cívico dos indivíduos, a conscientização acerca dos seus direitos e deveres, a transmissão de valores morais, enfim, e tudo quanto for exigido para o exercício responsável da cidadania. E lembra Mario Guerreiro de Voltaire que, ao comparar o que se passava de um lado e de outro do Canal da Mancha, dizia: “Na França, o rei é forte, mas o trono é fraco; na Inglaterra, o rei é fraco, mas o trono é forte”.

Embora o Império brasileiro frequentasse ambas as margens do Mancha, nossa República positivista preferiu a margem direita para fazer sua cabeça. Deu no que deu. O Estado pode tudo. Os políticos quase tudo. Os artistas jogam pra plateia. E os cidadãos pagam a conta.