segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Vale a pena roubar no Brasil. Vale a pena roubar o Brasil

Como publicamos, em entrevista ao programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, Sergio Moro comentou a anulação das condenações de Lula e todo o desmonte das conquistas na luta contra a corrupção. Ele afirmou: “A grande verdade é que o recado que está sendo dado hoje em dia no Brasil, não estou dizendo pelo Supremo, mas pelo contexto, é ‘vale a pena roubar’, ‘o crime compensa’. Eu não concordo com isso.”

Sergio Moro pode não concordar, eu também discordo e imagino que você, leitor deste site, também fique contrariado com tudo a que estamos assistindo, mas a verdade mais evidente que pode ser dita sobre o país é que, sim, no Brasil vale a pena roubar. Mais do que valer a pena, o crime compensa, e como compensa. A realidade é incontornável. Pior: os desonestos são aplaudidos e invejados. Admirados, mesmo.


Boa parte dos logradouros públicos brasileiros tem nome de ladrão — seja ladrão político ou ladrão que comprou político. Todos devidamente homenageados. Tem ladrão de esquerda, tem ladrão de direita, tem ladrão de centro e tem ladrão de muito pelo contrário: roubam os cidadãos de tudo o que é lado, em raro espetáculo de democracia absoluta. Roubam no pequeno dinheiro das verbas de gabinete, nas emendas parlamentares e nos gigantescos contratos governamentais. A Lava Jato foi um ponto tão extraordinariamente fora da curva no caso brasileiro que chamou a atenção do mundo — e sofreu a reação em curso.

A ladroagem é tão explícita que ninguém mais enxerga a ladroagem. Veja-se, por exemplo, as mansões do Lago Sul, em Brasília. Quem com o teto de salário de político, juiz ou funcionário público pode ter uma casa daquelas? Ah, é que o sujeito já tinha patrimônio antes. Uma ova. São muito poucos os que eram ricos antes de se lambuzar com dinheiro público. Ah, mas o dinheiro é da mulher ou do marido, profissionais de sucesso, ou dos filhos, que se provaram gênios da raça. Vão à merda.

Um romano de 2 mil anos atrás, não lembro o nome, disse: “Nenhum homem de bem se torna rico de repente”. O problema não é ser rico, é a locução adverbial. Há muitos “ricos de repente” no Brasil, e não só no meio político. Uma penca de malandros da iniciativa vaso sanitário, também conhecida como privada, aprendeu a fazer ótimos negócios em Brasília e adjacências estaduais ou municipais. Além de abrigar advogados especializados em embargos auriculares, esse ecossistema conta com gafanhotos conhecidos como consultores ou mediadores de crises, cuja tarefa consiste em tirar ladrão dos holofotes da imprensa. Outra chusma especula no mercado financeiro em cima da desgraça alheia. Somos o país da locupletação adverbial.

Sim, vale a pena roubar no Brasil, sempre valeu. Sim, o crime compensa no Brasil, sempre compensou. Mas tudo bem: depois eles, do esgoto público ou da iniciativa vaso sanitário, devolvem uma parte ínfima do que embolsaram, aprovando esmolas assistenciais, promovendo circos para o povo ou patrocinando ações caritativas com o dinheiro do pagador de impostos que surrupiaram. O quadro é emoldurado por aqueles que choram lágrimas de crocodilo em vídeos na internet ou passeiam de helicóptero para ver pobre se ferrando em enchentes que não são desastres naturais, mas desastres de desumanidade em cidades precárias e horrendas. Ah, mas nos Estados Unidos também havia os robber barons, é uma etapa necessária. Vão à merda.

Eu os mando à merda, mas a merda é nossa. Vale a pena roubar no Brasil. Vale a pena roubar o Brasil.

A arma da ofensa e a arte da retórica

Caso inédito: Bolsonaro é líder da oposição ao próprio governo. Gerou recorrentes crises políticas e desafiou a contradição insuperável de ser e não ser ao mesmo tempo. Inicia o último ano do mandato com a gestão desaprovada pela maioria dos brasileiros. Faz do confronto estratégia política. Disseminou socialmente o ódio e abriu caminho para completar sua obra-prima que é eliminar as possibilidades eleitorais do centro político.

O clima de animosidade, o inverso do debate civilizado e fecundo, descamba para ofensas pessoais, insinuações e rótulos injuriosos: corrupto, ladrão, quadrilha, canalha, racista, homofóbico, assassino em série, comunista, fascistas e por aí vai.


Não é à toa que a obra de Schopenhauer “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, no trigésimo oitavo e último estratagema, recomenda “o uso de ofensas pessoais”. É a chamada dialética erística. A introdução, notas e comentários são de autoria de Olavo de Carvalho.

Impaciente e constrangido com o uso impróprio da linguagem e a profanação do discurso político, busquei um refúgio. Por sorte, tive momentos de alívio e prazer, com a leitura da preciosa obra de Ruy Castro, "As vozes da metrópole – uma antologia do Rio dos anos 20" (Companhia das Letras).

A pergunta é: o que tem isso a ver com a proposta inicial do artigo? Contrapor a elaboração aristotélica da arte da retórica à estupidez. O autor, declarado crítico do modernismo, com base em pesquisa gigantesca, demonstra que o Rio sempre foi moderno e resgata 41 autores, muitos, fora de circulação e moda.


Deles, reproduz crônicas, ficção, poesia, frases e provocações, nem sempre sutis, porém bem construídas. E o mais importante: versavam sobre temas ainda hoje em pauta.

“A burrice é contagiosa. O talento, não”. “Persisto em andar pelas ruas do Rio. A rua é a melhor das bibliotecas”. “Lendo Dostoiévski descobrimos a jaula horrível que cada um trás dentro de si” (Agrippino Grieco), crítico temível pela estocada das provocações a exemplo da frase cruel sobre os livros do integralista Gustavo Barroso: “Dignos de serem encadernados na pele do próprio autor”.

“Não acredito em dragões. Hoje, São Jorge mataria, por exemplo, um automóvel” (Jayme Ovalle).

“Quem derruba uma árvore mata a nossa irmãzinha de tranças” (Gilberto Amado).

“Esqueci o berço. Não esqueci o colo”. “Que mau gosto, odiar. Que beleza, querer bem!” (Álvaro Moreyra).

Brasil sem presidência

 


Bolsonaro e seus acólitos estúpidos destroem saúde pública impunemente

A Justiça precisa punir os criminosos que atentam contra a saúde pública. Se continuar de braços cruzados, tem que explicar para a sociedade por que razão não o faz.

No último fim de semana fui convidado a participar de um abaixo-assinado redigido por professores da USP, em repúdio a um documento do Ministério da Saúde que teve o descaramento de insistir na farsa da eficácia da hidroxicloroquina, característica que faltaria às vacinas, segundo eles.

Assinei, claro, como o fizeram 45 mil colegas nas primeiras 24 horas.

Apesar da adesão em massa, estou certo de que será mais uma ação incapaz de alterar o rumo das políticas adotadas por um ministério desmoralizado, comandado por um lambe-botas incompetente, com credibilidade abaixo de zero, que envergonha a nossa profissão sob o olhar subserviente do Conselho Federal de Medicina.


Há um ano, jornalistas, médicos e cientistas aparecem nos meios de comunicação de massa para repetir à exaustão que as vacinas são seguras e protegem contra as formas graves da doença, afirmações defendidas por todas as sociedades médicas. Não conheço um único médico com um mínimo de formação científica que conteste a necessidade de vacinarmos a população; os que atacam as vacinas na internet ou no governo são ignorantes, curtos de inteligência ou mal intencionados, não há quarta alternativa.

Em contraposição, o ministro e seus auxiliares encarregados do trabalho sujo fazem o possível para desacreditar a vacinação e semear dúvidas sobre a segurança das preparações aprovadas pela Anvisa, uma das agências mais respeitadas do mundo.

O empenho em confundir o povo é tão grande que o ministro da Saúde, acompanhado da ministra que teve o privilégio de receber Jesus no alto de uma goiabeira, viajaram para Lençóis Paulista decididos a explorar o caso de uma menina que teve parada cardíaca horas depois de receber a vacina.

A ministra se apressou a divulgar a “suspeita” pelo Twitter, sem mencionar que o laudo médico já havia concluído que o episódio não guardava relação com a vacina. Na mesma plataforma, o ministro curtiu a mensagem da colega.

Para completar o show de horrores e de oportunismo rasteiro, o próprio presidente da República se deu ao trabalho de telefonar para os familiares da criança, em contraste com o desprezo às 623 mil famílias brasileiras que perderam entes queridos na pandemia.

Enquanto na Inglaterra o primeiro-ministro pode cair por causa de uma festinha que contrariou as recomendações oficiais de isolamento social, no Brasil, o presidente, o ministro da Saúde e seus acólitos escolhidos a dedo nas catacumbas da estupidez humana conspiram contra a saúde pública sem que nada lhes aconteça.

Essa pandemia é mais prolongada do que esperávamos. A variante ômicron se dissemina numa velocidade impressionante. Em mais de 50 anos de medicina nunca vi virose tão contagiosa. Os mais velhos diziam que a varíola era assim, mas não cheguei a ver porque a vacinação varreu o vírus da face da Terra.

Não podemos nos iludir, essa variante não vai nos imunizar coletivamente. Tenho vários pacientes que tiveram Covid, receberam as três doses da vacina e adoeceram outra vez nas últimas semanas, embora com sintomatologia discreta.

Se a doença provocada pelas variantes anteriores não produziu níveis de anticorpos suficientes para evitar a infecção pela ômicron, que certeza pode haver de que não emergirá uma nova cepa capaz de driblar a imunidade induzida por ela? O SARS-CoV-2 permanecerá entre nós.

Quanto mais contagiosa for a variante e mais pessoas não vacinadas disseminarem o vírus, mais tempo ele terá para sofrer novas mutações.

Enfrentar epidemia de tal complexidade exige especialistas competentes, coordenação centralizada, serviços de saúde organizados e políticos conscientes de suas responsabilidades, para convencer a população de que todos devem se vacinar e tomar os demais cuidados para reduzir ao máximo a transmissão.

Admitir que autoridades inescrupulosas se dediquem a fazer exatamente o oposto, pondo em risco a saúde e a vida de todos impunemente, é um péssimo exemplo para lidar com esta e com as futuras epidemias. A Justiça não tem o direito de se omitir, precisa deixar claro para as próximas gerações que crimes contra a saúde pública devem ser punidos com rigor em nosso país.

Apodrecimento político

A tessitura política brasileira tem hoje laços tênues com a arte de governar. Instalouse um desgoverno, voltado apenas para a reeleição do atual titular e para a defesa dos grupos encastelados no Poder. Os privilégios dos mais diferentes tipos são mantidos e, mesmo, fortalecidos, enquanto o País padece do desemprego, da ausência de expectativas, da baixa renda e da miséria visível nas ruas. A narrativa presidencial e governamental, procurando velar o que acontece, se compadece na criação de fatos midiáticos, quando não fantasiosos, de modo que a discussão se faça dentro de uma bolha artificialmente criada e propagandeada pelas redes sociais “amigas”.

Vacinas e campanhas de vacinação não deveriam, a rigor, ser objeto de discussão, salvo evidentemente as científicas, segundo seus critérios e protocolos. Aliás, o ambiente da sociedade é particularmente propício para que isto aconteça, visto que há adesão maciça da população à vacina, apesar de todas as tentativas governamentais para desacreditá-la. Vacinar não é um problema, salvo para pessoas em postos de comando que tergiversam sobre tudo, inclusive sobre a verdade. Mentiras ganham corpo no espaço público, produzindo o estilhaçamento do bem coletivo. O presidente empenha-se contra a vacinação de crianças, chegando inclusive a dizer que crianças não morreram devido à covid, quando os números oficiais remontam a mais de 300, uma enormidade. Isto é insano!


O ministro da Saúde, obediente, não segue os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), empenhando-se em criar audiências públicas inúteis para retardar esse processo. Seu ministério chega a divulgar documento declarando que a vacina não está cientificamente comprovada, enquanto a hidroxicloroquina teria passado por todos os testes, como se fosse comprovadamente eficaz no combate a essa doença. É melhor dizer com todas as letras: trata-se de um crime contra a saúde pública, que deveria ser devidamente julgado. Um ministro médico não honra o seu título. Ciência e saúde não podem ser objeto de politicagem.

A aprovação do Orçamento da União é mais uma amostra do apodrecimento da política. Preliminarmente, em sua elaboração, houve o calote dos precatórios para supostamente haver atendimento de necessidades sociais, sobretudo em tempos de pandemia. O que se viu, no entanto? A abertura de espaço orçamentário para novas emendas parlamentares, o tal do orçamento secreto que, de tão sigiloso, não pode nem ser visto pela sociedade e pelos órgãos de controle. Bilhões faltam para a saúde e a educação, mas os parlamentares amigos têm todos os seus apetites saciados. Chegam a babar de tão satisfeitos, enquanto imensa parte da população vive de migalhas. Claro, nem poderia faltar o atendimento de interesses corporativos caros ao presidente, como os policiais federais, aos quais aumento de salários foi prometido. Condizente com tal postura, novas categorias da elite do funcionalismo pedem isonomicamente o mesmo tratamento, deixando ao léu os estratos inferiores. O País vive no teatro do horror.

A tradução de uma política capenga é sua progressiva judicialização. Ou seja, como o governo e autores e partidos políticos não conseguem negociar entre si, incapazes que são de equacionarem os seus próprios problemas e, ainda pior, os do País, recorrem incessantemente às instâncias jurídicas, em particular ao Supremo. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi politizado pelos próprios políticos. Resultado: os ministros tomaram gosto de ser provocados, passando a se manifestar sobre qualquer assunto, muitos deles agindo nos bastidores, externando suas preferências partidárias e atuando publicamente como se políticos fossem. O círculo tornou-se propriamente vicioso. De última instância constitucional, o STF veio a ser uma espécie de outra instância da luta política. Discute-se quem será um novo ministro, não em virtude de sua competência, de sua probidade, de seu saber, mas em função de a quais interesses estaria disposto a atender. E tudo isto em conivência com o Senado, que se mostra incapaz de atuar conforme a sua missão.

Talvez um dos piores legados do atual governo seja este empobrecimento da política, a sua completa evacuação das noções de bem coletivo, de equacionamento de conflitos, de colocação dos verdadeiros problemas do País. Tudo é motivo de tergiversação, de criação de bolhas digitais, de invenção de falsos problemas. A articulação política tornou-se meramente uma negociação de cargos, emendas e outras coisinhas mais. Se isto ainda se fizesse visando à aprovação de projetos importantes para o País, seria uma contribuição que o vício pagaria à virtude. Mas não! Servem apenas para projetos eleitorais, tendo como único mote a manutenção do status quo, com a garantia de que nada mude. Ministros se honra tivessem já deveriam ter abandonado os seus cargos, como alguns fizeram, dando o exemplo de que as coisas podem ser diferentes, sempre e quando haja vontade de mudar.

Dias piores virão

Depois de três anos sob a presidência de Jair Bolsonaro, há apenas uma certeza: tudo sempre pode piorar. Agora, não apenas ele, que abriu a campanha pela reeleição no dia da posse, mas também seus auxiliares aumentam o tom das imbecilidades. Buscam consolidar candidaturas regionais patrocinando um campeonato de sandices que seria até risível, não fosse nefasto, abominável, acintoso.

Embora não sejam as únicas, as principais estrelas desse show de horrores têm sido os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, que deseja ser candidato na Paraíba, seu estado natal, Ciro Nogueira, o novo dono do cofre, Damares Alves, candidata ao Senado, e o até então bem comportado João Roma, pretendente ao governo da Bahia.

Quase imbatível no capachismo ao chefe e atrás de votos da base radical do presidente, o médico Queiroga há muito rasgou o juramento que fez, tornando-se protagonista de disparates em série.

Da consulta pública sobre vacinação infantil – como se o uso de um imunizante fosse papo de botequim e pudesse ser decidido por leigos -, ao aval à inominável nota técnica pró-hidroxicloroquina e anti-vacina editada por seu Ministério, Queiroga passou a ser comemorado pela turma bolsonarista. É patético vê-lo defender a vacinação e a testagem em massa em entrevistas e, ao mesmo tempo, boicotar ambos.

Parceiro da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos na funesta visita a um hospital de Botucatu, Queiroga também pareceu torcer para que a parada cardíaca de uma menina de 10 anos fosse reação à vacina. Especialmente no estado de São Paulo, terra de João Doria, que tinha recém aprovado o uso emergencial da CoronaVac para o público entre 5 e 11 anos.

O mal não foi causado pela vacina. Mas nem Queiroga nem Damares, que usou o Twitter para alertar sobre os “perigos do imunizante infantil”, se desculparam ao saber que a criança sofria de uma síndrome rara. Muito menos Bolsonaro, que chegou a telefonar para os pais da menina. Uma tremenda mobilização para um governo que se notabilizou pelo desdém diante das centenas de milhares de famílias atingidas pela pandemia.

Ao contrário. Damares, que Bolsonaro gostaria de ver candidata ao Senado por São Paulo, mas que provavelmente vai tentar uma vaga de menor risco no Amapá, intensificou sua cruzada antivax.

Na semana passada, publicou uma portaria em que “instrui” os pais e responsáveis de que a vacina infantil contra a Covid seria facultativa, não inclusa entre os imunizantes obrigatórios para as crianças. A partir desse entendimento, considerou ser uma afronta aos direitos de ir e vir a exigência de comprovante de vacinação. E abriu o canal Disque 100, dedicado às denúncias contra direitos humanos, para os não vacinados que se considerem discriminados.

Isso no momento de explosão da variante Ômicron, no qual os não vacinados respondem por mais de 80% das internações – em alguns casos, 90%, como no Distrito Federal – em um sistema de saúde esgotado, engordando as estatísticas de mortalidade. Pior: deliberadamente atrasando o fim da pandemia que já matou mais de 625 mil brasileiros.

As ofensivas de Ciro e de Roma são mais elaboradas. O ministro-chefe da Casa Civil, que já foi Lula de carteirinha e agora é bolsonarista desde criancinha, tem mandato de senador até 2027. Não é candidato, mas tem deixado claro que é o manda-chuva do governo. Não por outro motivo, se diz para-raio do fragilizado Paulo Guedes, ex-super ministro da Economia. Divide e reparte o bolo e, como diz o ditado, deve ficar com a maior parte. Todos os candidatos governistas estão nas mãos dele.

Roma tem posto as manguinhas de fora com vagar. Sua pasta, a Cidadania, arrebanhou um orçamento invejável e é a responsável pelos programas sociais do governo. Nada mal para quem pretende disputar o cobiçado governo da Bahia.

Discreto e com cara de bom moço, aprendeu os modos com ACM Neto, de quem foi chefe de gabinete na Prefeitura de Salvador. Na sexta-feira, estreou em rede de rádio e TV como bom bolsonarista, mentindo já no primeiro parágrafo de seus quase 6 minutos de fala. Disse que o Auxílio Brasil é o “maior programa permanente de transferência de renda do país”, quando se sabe que o pagamento de R$ 400 ao mês para os elegíveis do Bolsa Família só vale para este ano. Deu-se a partir da PEC do calote nos precatórios, e não tem receita para ser “permanente”. No mínimo, Roma incorreu em propaganda enganosa, com o triplo agravante de ser publicidade eleitoral custeada pelo pagador de impostos, antecipada e falsa.

Neste ano de eleições, tudo tende a piorar. Bolsonaro e os seus vão continuar demolindo o que existe, desafiando as instituições e testando todos os limites para destruir um pouco mais. Trata-se de um método. Só a resistência nos meses que faltam e as urnas podem clarear tempos tão sombrios.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Religiões e políticas criminosas

À meditação dos crentes de todas as religiões, incluindo os crentes de todas as utopias políticas. Como dizia Bertrand Russell, morrer por uma crença é um disparate, porque essa crença pode muito bem não ter fundamento. Se morrer por uma crença é idiota, matar por ela é um crime sem redenção, além de ser também uma refinada idiotice. 

As religiões e as utopias políticas, isto é, o domínio do inverificável, têm cometido, ao longo da história, este crime, em gigantesca escala. E nunca faltam eruditos, muito amantes da humanidade, a justificá-lo. A pior forma do assassinato é o assassinato, de boa consciência. O assassinato promovido por religiões e utopias políticas é um assassinato desta natureza. Quanto menos argumentos existem a favor de uma crença ou utopia, mais violentamente se tenta impô-la. 

À direita e à esquerda, o século XX documentou-o, de maneira singularmente sinistra. A intensidade e sinceridade com que se acredita não é indício de nada a não ser dessa intensidade e dessa sinceridade, nunca da validade daquilo em que se acredita.
Eugénio Lisboa

A conspiração da ignorância




A realidade não nos tem dado sossego. O mundo avança por caminhos imprevistos. Há muito tempo que a energia motriz das nossas sociedades não é o petróleo, o carvão ou, mesmo, a eletricidade. O combustível com que atestamos a cabeça e o ânimo é a informação. É ela que nos põe em movimento. Com inúmeras formas, a informação chega de todos os lados, catalisada pela internet, multiplicada por mil. Talvez essa avalanche de perspetivas e interpretações, ajude a explicar esta situação. Talvez as extremas guinadas da atualidade noticiosa contribuam para a ideia de que tudo é possível.

Uma pandemia mundial, quem poderia imaginar? Para lá da quantidade considerável de epidemiologistas, tanto profissionais, como amadores, duvido que alguém conseguisse prever o que temos atravessado desde o início de 2020. Perante tal surpresa, não admira que haja quem duvide. Os já famosos negacionistas são gente com uma grande confiança nos seus sentidos, na sua experiência pessoal e nas suas fontes informativas.

Com ou sem pontuação, com ou sem maiúsculas, exprimem-se nas redes sociais e, às vezes, na rádio ou na televisão, naqueles programas que recebem telefonemas do público. Manifestam-se de peito feito, desafiantes, destemidos perante nenhuma ameaça percetível. Quando dizem eles referem-se ao mundo inteiro. Quando expõem ideias sobre a pandemia, o principal argumento que apresentam é de que não viram e não conhecem ninguém que tenha visto.

Suponho que não tenham amigos entre a comunidade de trabalhadores das análises clínicas. Para além desse detalhe, aquilo que me parece mais interessante é esta forma extravagante de analisar e avaliar o mundo: apenas existe aquilo que já se viu e experimentou. Consideremos por um instante a imensa quantidade de assuntos que nunca vimos à nossa frente, mas que acreditamos existir, contamos com eles na nossa conceção da existência.

No entanto, não é possível dizer apenas que não. Sempre que se nega alguma coisa, está implicitamente a afirmar-se o contrário ou uma variação daquilo que se nega. Quando avaliados a partir de outro ângulo, os negacionistas são muito mais afirmacionistas do que se poderia julgar numa primeira e apressada leitura.

Por espantosa ironia, os mesmos indivíduos que nos encorajam a desdenhar daquilo que não testemunhámos, pedem-nos para acreditar em conspirações secretas internacionais, em extraterrestres que ocuparam o planeta e se fazem passar por seres humanos, em seitas satânicas que controlam as elites mundiais, que praticam a pedofilia e se alimentam de sangue para rejuvenescer. Nenhum deles testemunhou realmente estes terríveis factos, apenas os encontraram descritos na internet por alguém que viu, foram-lhes enviados numa corrente anónima de mensagens nas redes sociais.

Ou seja, chegámos ao ponto em que, abertamente e sem pudor, se escolhe aquilo em que se acredita. Basta que exista um fluxo contínuo de “informação” a abastecer e a desenvolver essas ideias e, também, que exista uma comunidade disposta a acolher quem chega, a tratá-lo como um dos seus. Dá um certo conforto acreditar em conjunto, independentemente da crença em causa.

Antes, estas pessoas já existiam. Eram o maluco da aldeia, o excêntrico rancoroso. Agora, a tecnologia deu-lhes a oportunidade de comunicarem, de alimentarem em conjunto a sua mania, criaram associações e federações. E há muitas aldeias no mundo, mesmo muitas, cada uma com o seu maluco.

José Luís Peixoto

O trabalho ingrato da imprensa

Uma reportagem do Estadão mostra como o trabalho da imprensa é ingrato no Brasil. O jornal fez um levantamento da ficha criminal de integrantes da cúpula do PL, de propriedade do ínclito Valdemar Costa Neto (foto), legenda na qual Jair Bolsonaro encontrou guarida para tentar uma reeleição cada vez mais distante, aparentemente.

O Estadão publica que, “ao escolher o PL para concorrer à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro se alia, nos estados, a dirigentes partidários que são réus em ações penais. Os processos variam de desvio de verbas em obras de rodovias a sequestro e cárcere privado. Entre os presidentes regionais de siglas que vão organizar o palanque de Bolsonaro Brasil afora há, ainda, um condenado por tortura e um deputado envolvido no mensalão, esquema operado pelo primeiro governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva“. E o jornal continua: “o histórico judicial dos presidentes estaduais do PL mostra que ao menos 18 dos 27 dirigentes foram ou ainda são alvo de algum tipo de investigação. Destes, quatro respondem a processos que se arrastam na Justiça e dois tentam reverter condenações”.


Para que servirá o levantamento do Estadão.? Para nada. As alianças e negociatas seguirão o seu curso, com o presidente da República dizendo-se a pessoa mais honesta do mundo, embora cercado por uma verdadeira camarilha. E não é que o quadro seja muito diferente em outros partidos, vamos ser justos. O trabalho da imprensa é ingrato como o de Sísifo: empurramos a pedra até o cume da montanha, mas ela sempre rola de volta para onde estava, para que os jornalistas recomecem tudo de novo no dia seguinte, numa tarefa sem fim.

Em outro exemplo de como as coisas não funcionam neste infausto país, a Crusoé noticiou que, sem investigar nada, o Ministério Público Federal arquivou a investigação sobre os empréstimos liberados pela Caixa a pedido de Michelle Bolsonaro (leia a reportagem aqui, aberta para não assinantes). Foi a revista a revelar o tráfico de influência, que privilegiou amigos da primeira-dama durante o auge da pandemia, quando micro e pequenos empresários lutavam para sobreviver (ainda lutam) e precisavam de financiamento (ainda precisam). Adiantou algo? Não.

Os casos de impunidade e sem-vergonhice abundam.

A repórteres desanimados, digo que o nosso trabalho é apenas apurar e publicar. O que a sociedade fará com os crimes revelados pela imprensa é problema dela. Temos, portanto, que continuar a exercer a nossa função, sem esmorecer. Mas confesso que está cada vez difícil bancar, no meu papel de editor, o chefe imperturbável. Afinal de contas, pertencemos também a essa sociedade.

No julgamento do mensalão e durante a Lava Jato, o Brasil parecia ter tomado o rumo certo. O desmantelamento de quase tudo pelos tribunais superiores, com a ajuda de boa da imprensa (o que torna o contexto ainda mais frustrante), recolocou-nos no papel de Sísifo. Os que acusavam procuradores e juízes de “criminalizar a política” livraram criminosos para atuar na política. E, hoje, temos como favorito na próxima eleição presidencial o Luiz Inácio Lula da Silva citado lateralmente na reportagem do Estadão.

Vamos adiante, com a rapaziada apurando e publicando. A tarefa é ingrata, mas alguém precisa denunciar quem faz o serviço sujo, mesmo que isso dê em nada.

Pensamento do Dia

 


As eleições armadas após descaso com as medidas de Bolsonaro

O incompreensível descaso com as medidas de Bolsonaro para armar parte da população, sendo tantas as implicações nocivas daí advindas, é tão ameaçador para o futuro próximo quanto a própria ação armadora de Bolsonaro.

Recente descoberta no Rio indica que armas de combate, modernas e caríssimas, estão entrando em alta quantidade e tomando destinos imprecisos. Chegam em importações dadas como legais, amparadas nos atos a respeito, repletos de lacunas, emitidos por Bolsonaro.

Com permissões para colecionadores, atiradores e outros, um casal jovem importava lotes volumosos de armas, dezenas de fuzis modernos e ainda metralhadoras, pistolas, revólveres e projéteis aos muitos milhares. Dispensadas, agora, as autorizações e a vigilância do Exército. O casal associava operações em Goiás e no Rio, onde foi localizada uma casa cheia de armas em bairro residencial.

As alternativas permitidas pelas liberações de Bolsonaro são tantas —registros pessoais e comerciais sem limite, importações sucessivas, inexistência de fiscalização, entre outras— que um só operador pode armar para combate todo um contingente. É o que está acontecendo. Com quantidades ignoradas de importadores, de armas, munições e de financiadores. Certo é não haver motivo, muito ao contrário, para supor exclusividade do casal no fornecimento de armas bélicas.


A quem, é a questão mais importante. Aos bandos conhecidos e à milícia, veio pronta a afirmação na única e precária notícia policial (em O Globo de 26.jan) sobre o arsenal encontrado. Provável final de um lote importante, os 26 fuzis e até metralhadora de chão, além de outras armas e muita munição, indicam custo além do conveniente para aquela freguesia, cliente dos preços no contrabando, solidários e sem impostos.

"Se não tiver voto impresso, não vai ter eleição" pode ser uma frase simbólica dos tantos avisos públicos de um propósito anti-eleitoral. Reforçado no que as atuais sondagens do eleitorado sugerem. E já sonorizado na volta à mentira de fraude nas eleições de 2018. Tal propósito não se consumaria no grito, nem deve contar com a sabotagem eleitoral de outro Sergio Moro e de procuradores bolsonaristas à disposição de Augusto Aras. Armas potentes, porém, se ajustam bem ao propósito.

As medidas de Bolsonaro para o armamento de civis obedeceram a um plano. Mostrou-o a escalada em que se deram. Primeiro, a posse doméstica, depois facilidades para o porte. Então os primeiros incentivos à compra e às munições, com possível importação, e aí a posse ampliada. Até chegar à compra de 60 armas por cabeça e mil projéteis por arma/ano. Sem restrição a várias importações. Para atenuar o comprometimento do silencioso Exército nesse plano sinistro, suas obrigações ligadas à posse de armas foram extintas quase todas.

Essas medidas não vieram do nada para o à toa. São uma denúncia de si mesmas e de suas finalidades criminosas. Fuzis e metralhadoras não se prestam ao alegado "direito do cidadão de se defender", argumento da má-fé de quem, assaltado, entregou sua arma, a moto e a falsa valentia ao jovem assaltante.

As importações de fuzis e metralhadoras não são suspeitas: são, com toda a certeza, armas para o crime. Contra pessoas, grupos, instituições constitucionais e o regime de liberdades democráticas.

Estamos já no ano eleitoral. É preciso identificar e comprovar o destino das armas de uso bélico importadas, em quantidade, por decorrência de medidas programadas e impostas por Bolsonaro, sem resistência institucional, dos meios de comunicação ou dos setores civis influentes. Do contrário, quem puder, e tiver tempo, saia da frente dessas armas.

Tic, tac, tic, tac, bate o relógio da Justiça contra Bolsonaro

De vez em quando, os relógios do governo, Congresso e Supremo Tribunal Federal marcam a mesma hora. Na maioria das vezes, porém, o tempo corre mais devagar no relógio do Supremo, e mais rápido no do Congresso se comparado com o do governo.

Acidentalmente eleito presidente, o ex-capitão Jair Bolsonaro não estava pronto para governar, sequer para entender os pormenores do exercício do poder. Sua formação militar o impedia. Seus quase 30 anos na Câmara como deputado foram desperdiçados.

Por falta de sorte ou castigo, viu-se ameaçado pelo escândalo da rachadinha antes de assumir o cargo. Seu filho Flávio, o Zero Um, não é o único que corre perigo, embora protegido pelo mandato de senador. Carlos, o Zero Dois, e o próprio Bolsonaro correm.

Vem daí a agonia de Bolsonaro que não chegará ao fim nem quando terminar o seu mandato, tomara que em janeiro próximo. Só então ele se dará conta da falta de sincronia entre os relógios dos três Poderes da República, e o mal que isso poderá lhe causar.

Com base em um relatório da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou que Bolsonaro fosse ouvido sobre o vazamento de um inquérito sigiloso. Foi ele que vazou em uma de suas aparições semanais no Facebook.

Configura crime vazar informações mantidas em segredo de Justiça. Eram sobre um ataque de hackers ao sistema de votação eletrônica. Bolsonaro vazou-as para desacreditar a segurança no sistema e em campanha pela volta do voto impresso

Era para defender-se que deveria ter ido depor. Ao recusar-se, com medo de ser filmado pela imprensa, Bolsonaro desrespeita ordem judicial. O mais provável é que nada lhe aconteça por enquanto. Mas o tempo no relógio da Justiça passa lentamente.

Um presidente da República pode, no máximo, desfrutar de impunidade por oito anos consecutivos, a soma de dois mandatos. Ministro do Supremo pode ficar por lá até completar 75 anos de idade. Faltam 22 anos para que Alexandre se aposente.

Em setembro, ele assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral e comandará as eleições do mês seguinte. Não só: por ele passarão todas as ações que questionem mais tarde o comportamento dos candidatos e o resultado das eleições.

Como ministro do Supremo, Alexandre preside dois inquéritos que tiram o sono de Bolsonaro e dos seus filhos: um sobre a produção e distribuição de notícias falsas; o outro, sobre o financiamento de manifestações públicas hostis à democracia.

Hoje, Bolsonaro dispõe do gigantesco aparato jurídico da presidência para sair em seu socorro. Sem mandato, despesas com advogados serão pagas por ele. Por maior que seja sua fortuna construída sabe-se lá como, ela não será suficiente.

Tic, tac, tic, tac, tic, tac, bate o relógio da Justiça.

Memória, História

George Orwell não ficara inteiramente satisfeito ao colocar um ponto final no manuscrito de “1984”. “O tema central é bom”, escreveu a seu agente literário em 1948, “mas a execução teria sido melhor se eu não estivesse às voltas com a tuberculose”. Foi internado num sanatório pouco depois da publicação do clássico, e morreu tísico aos 46 anos, consciente da importância do que escrevera. Na obra distópica, o protagonista Winston Smith aponta para o perigo maior daquele mundo totalitário descrito por Orwell, ultrapassando em horror a tortura e a morte: o Grande Irmão poderia se apossar do passado, da memória, da História. E decretar que este ou aquele evento jamais ocorrera.

No mundo não fictício de hoje não faltam candidatos a Grande Irmão — indivíduos, regimes, negacionistas doentios — tentados a se apossar do nosso passado para adequá-lo às próprias insânias. Só que, para poder reescrever a história dos mortos, esses agentes do esquecimento precisam conseguir cancelar a memória dos vivos. Nossa função é impedi-los. Daí a importância ardente de se homenagear, a cada 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. É preciso relembrar, ano após ano, de geração em geração.


No brutal inverno europeu de janeiro de 1945, faltando poucos meses para a capitulação da Alemanha nazista frente às tropas Aliadas, o Exército Vermelho vindo da União Soviética avançara fundo Polônia adentro. Já haviam libertado Varsóvia e Cracóvia quando olheiros os informaram de que encontrariam algo escabroso a caminho de Oswiecim. Era Auschwitz. Ali encontraram 648 cadáveres, pilhas de cinzas que um dia tiveram formas humanas, e cerca de 7.500 esqueletos ainda com vida. Naquele 27 de janeiro, o Holocausto teve expostas suas primeiras entranhas.

Auschwitz, como se sabe, foi o maior conjunto de campos de concentração e de extermínio nazista. Englobava desde complexos grandes, como Birkenau, ou Auschwitz II, onde Josef Mengele exercitava seus experimentos médicos em crianças e adultos, até várias dúzias de instalações satélites, menores. Das cerca de 1,3 milhão de pessoas deportadas para Auschwitz, 1,1 milhão ali pereceram. Ao final do conflito, 6 milhões de judeus e perto de 5 milhões de outros grupos (portadores de deficiências, homossexuais, ciganos) haviam sido massacrados. Através da erradicação de judeus e outros “indesejáveis”, a “solução final” de Hitler visava a purificar a raça ariana. O mapa do genocídio nazista praticado em Buchenwald, Ebensee, Majdanek, Mauthausen, Wöbbelin, Ravensbrück, Treblinka, Dachau e outros está minuciosamente documentado. É imperioso que seja relembrado como parte da desumanidade de que somos capazes. Como disse a um jornal de Israel Szmul Icek, um dos 15% de sobreviventes judeus de Auschwitz, “nós não ganhamos. Mas pudemos ensinar nossos netos a entender o que aconteceu”.

Três meses depois de os soviéticos se assombrarem com os campos poloneses, foi a vez de as tropas americanas descobrirem que o pior da guerra não estava nos campos de combate. Para os recrutas da 45ª Divisão de Infantaria que entraram em Dachau em 26 de abril de 1945, o primeiro estranhamento foi o cheiro acre a empestear o ar daquela cidade bávara. Pensaram tratar-se de resíduos químicos. Engano. No interior de 40 vagões de trem imobilizados nos trilhos, apodreciam os cadáveres de três quartos dos três mil prisioneiros. Diante do avanço das tropas aliadas, haviam sido despachados pelo comando nazista de Buchenwald para Dachau, para ali serem cremados. Morreram antes, asfixiados e desidratados. À entrada do campo propriamente dito, havia pilhas de corpos nus e pele esticada ao extremo. Dentro do campo restavam perto de 30 mil almas ainda perambulantes.

Segundo narrativas históricas, quando quatro oficiais alemães emergiram das sombras de Dachau empunhando um lenço branco, o tenente William Walsh os obrigou a se debruçarem sobre uma pilha de corpos e os executou com a própria pistola . Dezessete outros alemães foram ali abatidos num descarrego coletivo de metralhadoras que durou 17 segundos. Nenhuma guerra é bela.

Coube ao general americano Dwight Eisenhower, comandante supremo das Forças Aliadas (e posteriormente 34º presidente dos Estados Unidos) a decisão de visitar um campo de concentração antes mesmo do final dos combates. Por via das dúvidas, fez-se acompanhar dos estrelados generais George Patton e Omar Bradley. “A evidência visual e o testemunho verbal de crueldade, inanição e bestialidade foram tão avassaladores que me senti mal...”, declarou depois. “Fiz a visita deliberadamente, para poder prestar testemunho de primeira mão caso algum dia, no futuro, surja uma corrente que queira classificar essas afirmações como mera ‘propaganda’.” A História e a memória agradecem.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Pátria negacionista

É assustador assistir as lideranças do atual governo negando a qualidade das vacinas criadas pela ciência e defendendo a qualidade de remédios sem qualquer comprovação científica. Mais grave, estas não são as únicas manifestações negacionistas do governo, do presidente, seus ministros e muitos de seus seguidores. Eles colocam crenças criadas por instigadores ideológicos como verdade, mesmo que a ciência mostre que são ideias falsas. Acreditam nas fake news, que eles criam. Uma estratégia de enganação que leva as pessoas e seus grupos sociais a negarem a realidade e com isto assustar a população. O Brasil atravessa um momento em que seu presidente e seu governo tomam decisões com base em ilusões que eles próprios criam. Aos poucos vão aumentando mortes e afundam o país.

O que faz este momento ainda mais grave, é que a oposição também aposta nas suas próprias negações da realidade. Uma dessas é negar os riscos à democracia, por causa de divisão das forças democráticas. Não há percepção de que o divisionismo entre mais de dez candidatos pode levar o processo eleitoral na direção de um segundo turno, no qual os opositores a Bolsonaro terão dificuldades em subirem no palanque, para pedir votos para aquele ou aquela que chegar ao segundo turno. Desde o início do processo eleitoral, percebe-se que o divisionismo enfraquece as forças democráticas que se digladiam como inimigas. O negacionismo impede perceber esta realidade e seus riscos. Impede também perceberem que o PT e Lula conservam uma força que deve levá-lo ao segundo turno, porque as lideranças políticas da terceira via foram incapazes de oferecer ao país uma alternativa e atrair apoio eleitoral para ela.

Da mesma forma, o PT vive seus negacionismos uma vez que não percebe que a força que tem dificilmente elege sozinha seu candidato, diante da rejeição que ainda sofre. E que, se vencer sozinho a eleição, dificilmente conseguirá governar.

Esta é uma pátria de políticos negacionistas.

O imbecil privado

Os anticomunistas mais fanáticos e perigosos costumam ser aqueles que já militaram do outro lado, não porque íntimos das entranhas da baleia mas porque raramente se conformam com ter sido “enganados” pelos prosélitos da antiga crença. Passionais e agressivos, apelidei-os, faz tempo, de “cornos ideológicos”, tendo em mente cornudos antológicos como Carlos Lacerda, que foi um inflamado integrante da Juventude Comunista antes de se transformar no mais incendiário anticomunista do País.

Tudo no Brasil se deteriorou tanto nos últimos anos que o Lacerda que nos coube ter neste início de milênio foi o dublê de professor, “filósofo” e astrólogo Olavo de Carvalho. Se acreditasse em bruxarias, juraria que o guru do bolsonarismo acabou vítima de um canjerê coletivo. Sua morte, no início da semana, foi saudada nas redes sociais até por quem considera a empatia um dever de todos para com todos, sem exceção daqueles que a desqualificam e hostilizam.


Só o vi uma vez, de longe, na missa de sétimo dia de Paulo Francis, em fevereiro de 1997, mesmo ano em que, com outros escribas, partilhamos a seção de ensaios da revista Bravo!. Ainda nos tangenciamos como prefaciadores da reedição dos romances de Aldous Huxley.

As duas vezes em que nos falamos, por telefone, foi para colher impressões e lembranças de minha convivência com Otto Maria Carpeaux. Ele preparava uma coletânea de ensaios de Carpeaux para a Topbooks, que resultou, aliás, num belo trabalho editorial. Aí veio o novo século e nunca mais nos cruzamos.

Ainda bem. Pois seria constrangedor ter de lidar com o monstro ressentido que Olavo pôs na praça e foi lapidando. Olavo não era “polêmico”, era picareta. Sua magnum opus O Imbecil Coletivo, é um subproduto do Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, do jornalista Carlos Alberto Montaner, guzano conspirador exilado na Espanha, que por algum tempo teve livre trânsito na imprensa daqui.

Para Gregório Duvivier, o escatológico panfletário da nossa extrema direita “não conseguiu ter razão um dia sequer”. Olavão foi “o catalisador do que de pior já se pensou e projetou para o Brasil”, lascou Paulo Roberto Pires no site da revista 451.

Tabagista militante, negacionista com ascendente em terraplanismo e fixação anal, o embusteiro com pança de caubói e caçador transfigurou-se numa usina de mentiras, insultos e idiotices (a pandemia não existe, vacinas matam, a Pepsi é fabricada com fetos abortados etc), o que explica por que o governo, rompendo seu macabro silêncio sobre milhares de outras mortes por covid, decretou luto oficial em sua homenagem. Prevaleceu a gratidão.

Mapa do Brasil

 


Como dialogar com um terraplanista

Você precisa estar preparado. Em algum momento irá acontecer. Pode ser no almoço de família, no escritório, no ônibus, na sala de espera do dentista. Provavelmente, de imprevisto:

— Só acredito no que vejo. Isso da Terra ser redonda, por exemplo, vai contra todas as evidências…


O truque é baixar um pouco a voz, ao mesmo tempo que se debruça sobre o seu interlocutor. Pouse a mão no ombro dele, e então, revele o terrível segredo:

— Claro que a Terra é plana, amigo. Aliás, planíssima. Vivemos num universo bidimensional…

Pode ocorrer um breve instante de dúvida. O terraplanista hesitará:

— Num universo bidimensional? Como assim?

— Só temos duas dimensões. O nosso cérebro nos engana… Ele nos faz crer que vivemos num universo com três dimensões. Pura ilusão…

— Jura?!…

— Sim! Sim! A prova são as galinhas…

— As galinhas?!

— Precisamente. As galinhas têm consciência de que vivemos num universo bidimensional. Se você desenhar um círculo à volta de uma galinha ela não tentará sair do círculo. Ela sabe que não pode sair, que o salto é uma ilusão. Daí que o símbolo do nosso movimento seja uma galinha…

— Uma galinha?!

— Uma ou duas, tanto faz…

— Isso é verdade? Isso das galinhas ficarem dentro do círculo?!

— Totalmente. Você pode fazer a experiência em sua casa. Compre uma galinha e faça a experiência. Agora, tenha muito cuidado, os reptilianos não querem que ninguém descubra a verdadeira natureza do nosso universo. E, como deve saber, os reptilianos governam o planeta…

— Os reptilianos?!

— Aliens. Extraterrestres, que colonizaram a Terra e ocupam o corpo de governantes. Os reptilianos vêm de um universo paralelo tridimensional…

— Bolsonaro também?!

— Não! Mito é nosso líder! Um sujeito lúcido, um combatente! Sábio, como as galinhas. Mito foi o primeiro a compreender que vivemos num universo bidimensional. Se você desenhar um círculo à volta dele, o homem não sai.

—Incrível!

— Veja agora, a pandemia e as vacinas… Você sabe qual o verdadeiro objetivo das vacinas?

— Qual?!

— Me diga primeiro, o senhor já foi vacinado?

— Eu não! Deus me livre!…

— Perfeito… O objetivo das vacinas é transformar as pessoas, cada homem, cada mulher, em reptilianos…

— Ah! Em jacarés?!…

— Precisamente…

Por esta altura, talvez seja bom fazer uma pausa para que o terraplanista consiga assimilar todas as revelações. A verdade pesa, mas é melhor do que viver na ilusão dourada da Matrix. Chegou a hora de mostrar a pílula vermelha:

— Você quer mesmo combater os reptilianos?

— Com certeza! Podem contar comigo…

— Então vá para casa e desenhe um círculo em torno de si próprio…

— E depois?! Como farei para sair?!…

— Primeiro, você precisará se transformar num ser unidimensional. Basicamente, num ponto…

— Num ponto?!…

— Isso. Num ponto. Ou numa linha. Os reptilianos não têm como ocupar corpos unidimensionais.

— E como faço para me transformar num ponto?

— Você fica dentro do círculo, lendo Olavo de Carvalho. É uma questão de tempo até se transformar num ser unidimensional.

— Genial! Muito obrigado.

De nada, amigo. Sempre ao dispor.

Repartir para crescer

Observando a série de declarações dos economistas vinculados aos candidatos à Presidência, percebe-se, além da escassez de criatividade, a incidência de um erro elementar quando mencionam o problema da desigualdade social.

Todos eles afirmam que a economia precisa primeiro crescer para depois serem implementadas políticas atenuantes da concentração de renda. Ignoram, portanto, que o correto é exatamente o contrário. Isto é: o esmaecimento dos extremos contrastes sociais constitui poderoso promotor do desenvolvimento econômico.


Nos primórdios do ideário desenvolvimentista brasileiro, tanto durante governos democráticos quanto autoritários, era comum ouvir afirmações do gênero “antes o bolo tem que crescer para depois ser distribuído”. Mas hoje, após a frequência de insuficientes e flutuantes momentos de crescimento do PIB, tornou-se evidente que se esperarmos o alcance de elevadas e estáveis taxas de expansão econômica, a melhoria da equidade social jamais acontecerá. Na verdade, essa espera é equivocada e danosa à nação.

Enquanto políticas públicas de caráter redistributivo não forem executadas, a economia continuará na mesma pasmaceira. Isto porque tais políticas expandem o poder de compra de substancial parcela da população, num montante suficiente para impulsionar investimentos e criar empregos.

Quando o Brasil era um país essencialmente rural, a expansão da economia resultava das exportações agrícolas, tipo cana e café. Depois, os períodos mais longos de maior crescimento do PIB foram gerados pela substituição de importações de produtos industrializados, processo já esgotado. Agora, a conquista de prosperidade perene depende do intenso alargamento do consumo interno de bens e serviços.

Além do uso de instrumentos tributários, salariais e previdenciários, um processo democrático e ordenado de amenização das disparidades de renda enfatiza investimentos em setores produtores de bens e serviços que pesam proporcionalmente mais no orçamento das famílias de menor renda, ou que a elas são inacessíveis, apesar de essenciais.

Sim, existem as dificuldades fiscais, monetárias, administrativas, etc. que limitam o ímpeto da busca de maior equidade. Mas o enfrentamento dessas dificuldades não é incompatível com a amenização das disparidades de renda.

Precisamos reconhecer que o grande obstáculo à melhoria da equidade encontra-se no âmago da sociedade brasileira, explicitado pela indiferença ao tema por parte da classe política. É por isso que perdura meu pessimismo em relação ao que um próximo governo realizará.

Pouco podemos almejar de candidatos cujos assessores acreditam que a implementação de políticas atenuantes da concentração de renda devem ser precedidas pelo crescimento da economia. Ou que a ênfase deva ser atribuída a transferências assistenciais similares ao Bolsa Família.

O poder da estupidez

Não é difícil compreender como o poder político, econômico ou burocrático aumenta o potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas temos ainda de explicar e perceber o que torna essencialmente perigosa uma pessoa estúpida, ou seja, em que consiste o poder da estupidez.

Os estúpidos são perigosos e funestos principalmente porque as pessoas razoáveis acham difícil imaginar e entender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode entender a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade. O bandido quer algo “ mais “ na sua conta. Dado que não é suficientemente inteligente para cogitar métodos com os quais obter algo “ mais “ para si, proporcionando ao mesmo tempo algo “ mais “ também os outros, ele obterá o seu algo “mais “ causando algo “ menos “ ao seu próximo. Tudo isto não é justo, mas é racional e se somos racionais podemos prevê-lo. Em suma, podemos prever as ações de um bandido, as suas sujas manobras e as suas deploráveis aspirações e muitas vezes podemos preparar as defesas apropriadas.

Com uma pessoa estúpida tudo isto é absolutamente impossível. Como está implícito na Terceira Lei Fundamental, uma criatura estúpida persegui-lo-á sem razão, sem um plano preciso, nos tempos e nos lugares mais improváveis e mais impensáveis. Não há qualquer maneira racional de prever se, quando, como e porquê, uma criatura estúpida vai desferir o seu ataque. Perante um indivíduo estúpido está-se completamente vulnerável.

Dado que as atitudes de uma pessoa estúpida não são conformes às regras da racionalidade, disso resulta que :

a) geralmente somos apanhados de surpresa pelo ataque;

b) quando temos consciência do ataque não conseguimos organizar uma defesa racional, porque o ataque em si não tem qualquer estrutura racional.

O fato de a atividade e os movimentos de uma criatura estúpida serem absolutamente erráticos e irracionais, não só torna a defesa problemática como torna ainda extremamente difícil qualquer contra-ataque – é como tentar disparar contra um objecto capaz dos mais improváveis e inimagináveis movimentos. Isto é o que Dickens e Schiller tinham em mente quando um deles afirmou que “ com estupidez e boa digestão o homem pode enfrentar muitas coisas “ , e o outro que “contra a estupidez os próprios Deuses combatem em vão “.

Devemos ter ainda em conta uma outra circunstância. A pessoa inteligente sabe que é inteligente. O bandido tem consciência de ser um bandido. O crédulo está penosamente ciente da sua própria credulidade. O estúpido, ao contrário de todos estes personagens, não sabe que é estúpido. Isso contribui decisivamente para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora. O estúpido não é inibido por aquele sentimento a que os anglo-saxônicos chamam self-consciousness. Com um sorriso nos lábios, como se fizesse a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá inopinadamente para lhe dar cabo dos seus planos, destruir a sua paz, complicar-lhe a vida e o trabalho, fazer-lhe perder dinheiro, tempo, bom humor, apetite e produtividade – e tudo isto sem malícia, sem remorsos e sem razão. Estupidamente.
Carlo M. Cipolla

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A ironia que nos salva

Vivemos nessa selva. A imensa maioria está doente de impotência e de ressentimento. E alguns poucos como nós, marginais doentes de nostalgia e presos ainda a um punhado de valores que alguém nos mostrou alguma vez serem universais, sobrevivemos apenas à força da ironia. Neste contexto social individualista, decadente e cada vez mais violento, que para muitos é a inevitável pós-modernidade, é impossível alcançar o equilíbrio. Para os que ainda acreditamos na superioridade da ética, e conservamos um ou dois princípios, e emperdenidamente acreditamos na existência de utopias que valem a pena, o equilíbrio em si se transforma em utopia. Porque, na pós-modernidade, todas as forças se desataram com exagero: há mais gente, mais carências, mais fome, mais injustiças, mais filhos da puta, mais conflitos e cada vez mais graves. O individualismo à antiga é a única coisa que lhes permite sobreviver, só que à custa da loucura e da selvageria
Mempo Giardinelli, "Impossível equilíbrio"

Bolsonaro hipoteca o futuro

O governo Bolsonaro é ruim em muitas áreas, mas é especialmente sofrível na educação. Ao longo desses três anos, o presidente deu mostras seguidas de que desconhece a importância da educação para o presente e o futuro do País, como também não faz ideia do papel que a União deve ter na coordenação e no diálogo com Estados e municípios a respeito das políticas educacionais. Trata-se de um escândalo completo, mas é também a natural decorrência da própria natureza do bolsonarismo. Um grupo que só se dedica a destruir é necessariamente incompetente para lidar com uma área cuja essência é construir.

O governo Bolsonaro destrói até o próprio discurso. Sem nunca ter apresentado nenhuma proposta para a educação, o bolsonarismo optou pelo caminho das ideias simplistas – e equivocadas. Por exemplo, mais de uma vez, o Ministério da Educação de Bolsonaro criticou a ampliação do acesso ao ensino universitário, como se fosse um capricho caro, desnecessário e incapaz de contribuir para a produtividade do País. A prioridade bolsonarista seria a educação básica, que inclui as três etapas iniciais: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

É uma obviedade, diga-se de passagem, priorizar o ensino básico. Ninguém discorda dessa ideia, nem mesmo quem defende ampliar o acesso à universidade. Afinal, a educação básica de qualidade é condição para qualquer avanço na formação das novas gerações.


No entanto, nem mesmo aquilo que seria, em tese, uma prioridade do governo Bolsonaro é levado a sério. Os vetos de Jair Bolsonaro relativos ao orçamento do Ministério da Educação de 2022 atingiram especialmente a educação básica. De um total de R$ 739,9 milhões de cortes na área educacional, R$ 402 milhões referem-se à educação básica, segundo o Todos Pela Educação.

A entidade emitiu um parecer mostrando preocupação com a decisão do governo. “A retomada das aulas presenciais, com todas as implicações decorrentes da pandemia, não suporta o corte no montante previsto e aprovado pelo Congresso na forma de emendas de comissão e de previsão de despesas discricionárias. Foram atingidas pelos vetos ações de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) relacionadas ao desenvolvimento da Educação Básica (R$ 325 milhões), infraestrutura (R$ 55 milhões) e transporte escolar (R$ 22 milhões). Essas ações são utilizadas para apoiar Estados e municípios na educação básica, especialmente em programas estratégicos, como o fomento às escolas de ensino médio em tempo integral”, disse a nota.

Além disso, essas programações de investimento já vinham sendo objeto de baixa execução por parte do Ministério da Educação. Por exemplo, até o segundo quadrimestre de 2021, houve queda de 63% na dotação discricionária de infraestrutura da educação básica. O Todos Pela Educação alerta que a falta de prioridade do governo em relação à educação básica coloca Estados e municípios “à mercê das indicações de emendas impositivas e de relator”.

Esta é a realidade do governo Bolsonaro: incompetência, omissão e confusão. Nunca é demais lembrar que Jair Bolsonaro chegou ao acinte de nomear para a chefia do Ministério da Educação o sr. Abraham Weintraub, aquele que, no cargo, bateu recordes de ineficiência e agressividade e ainda saiu às pressas do País, após ser incluído como investigado no inquérito referente a ameaças contra o Supremo Tribunal Federal. Como se isso não bastasse, o sr. Milton Ribeiro, sucessor de Weintraub, é também especialmente hábil em manifestar sua absoluta falta de afinidade com a administração de políticas públicas educacionais.

Enquanto corta verbas do ensino básico, Bolsonaro se esforça para manter e até mesmo ampliar os recursos requeridos por parlamentares para se promoverem e disputarem eleições. Ou seja, Bolsonaro hipoteca o futuro das crianças – que não votam – para pagar a conta de sua sobrevivência política. Assim, a passagem de Bolsonaro pelo poder deixará sequelas terríveis nas próximas gerações.

Guedes será lembrado como maior inimigo da Previdência, que ainda ampara os brasileiros

O corte de quase R$ 1 bilhão do Orçamento da Previdência Social, para este ano, indica que tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Guedes não têm o menor apreço pelos aposentados e pensionistas. Vai faltar dinheiro para atender as demandas dos brasileiros, especialmente os que precisam do auxílio-doença e de perícias médicas.

Essa dupla sinistra está apostando no caos e no sofrimento dos que precisam do INSS, justamente o povo mais pobre. Que falta de humanidade…

Como pode um governante, após fazer esse corte absurdo, ainda ter audácia para falar em Deus, Família e Pátria? Pura falácia e palavras ao vento. Tentam enganar o povo evangélico, que também sofre na pele os efeitos dessa política antissocial. Não adianta os pastores defenderem o governo nos cultos, pois ninguém muda a realidade com discurso.


O ministro Paulo Guedes sempre sonhou com o fim da Previdência Social. Tentou implantar o modelo de capitalização da Previdência, que seria gerido pelos grandes bancos e fracassou no Chile, onde está sendo reformulada.

Atender aos banqueiros é a especialidade de Guedes, que sempre viveu e enriquecer no mercado financeiro. É a área dele, nada a ver com o social. E o presidente não pode o demite, porque teme perder o apoio do Sistema Financeiro. Guedes é o braço dos Bancos.

No Chile, a equipe dos chicagoboys que Guedes integrava conseguiu destruir a aposentadoria pública, na era do ditador Augusto Pinochet. Aqui no Brasil, na reforma da Previdência, os militares ficaram de fora e o Congresso não embarcou nessa empreitada de Guedes. O ministro ficou possesso, não suporta ser contrariado.

Bem, neste ano Guedes ainda não conseguirá a capitalização da Previdência, pois em época de eleição os parlamentares não fazem maldades. Mas esperem 2023, se Bolsonaro vencer…

Até lá, está sendo preparado o terreno, com esse do corte de quase 1 bilhão no Orçamento do INSS. Vai faltar dinheiro para atender as demandas dos brasileiros.

O objetivo é sucatear o sistema, impedir a contratação de novos funcionários, para substituir os que vão se aposentando, e, com isso, jogar a opinião pública contra o INSS.

Estará assim armado o circo para um novo sistema de aposentadoria, que Guedes vai apregoar como o melhor dos mundos de Voltaire. E mais para a frente, quando os jovens de hoje se tornarem idosos e forem receber os proventos da aposentadoria capitalizada, ficarão frustrados e desesperados, conforme os chilenos estão agora.

Não adiantará poderá culpar nem Guedes nem Bolsonaro, porque daqui a 40 anos esses dois insensíveis estarão na lata do lixo da História.

Outra coisa, os cortes na Educação demonstram que esses governantes também não tem compromisso com os brasileiros que frequentam as escolas públicas. Com isso, condenam a classe trabalhadora a ficar excluída da nova matriz tecnológica baseada na informática, na robótica e na automação.

Não temos computadores individuais para os alunos das escolas públicas. Em outros países, além de tablets, é oferecido o 5 G para todos se conectarem.

E o Brasil vai ficando para trás, de retrocesso em retrocesso. Será que ainda há por aqui brasileiros que concordem com isso? Veremos na eleição.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Pensamento do Dia

 

Pete Kreiner (Austrália)

Memória do Holocausto e pandemia

O ex-chanceler Ernesto Araújo comparou medidas de isolamento social a campos de concentração nazistas. O senador Flávio Bolsonaro e o secretário de Cultura, Mario Frias, divulgaram um vídeo com trechos de “A lista de Schindler” e uma frase ao fim: “Não é a primeira vez que pessoas são classificadas em ‘essenciais’ e ‘não essenciais’”.

O ex-ministro Ricardo Salles disse que um artigo crítico a ele na imprensa alemã parecia “o que a própria Alemanha fez com as crianças judias”. “Omitir o uso da cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”, segundo o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Para Augusto Nunes, da Jovem Pan, ações contra o dono de uma pousada em Fernando de Noronha que recusara a vacina lembravam “o autoritarismo nazista contra judeus”. E a lista continua.

Setenta e sete anos após a libertação de Auschwitz, o mundo observa hoje o Dia da Memória do Holocausto. No Brasil do extremismo político e da pandemia, a data exige uma reflexão especial.

O assassinato em escala industrial de milhões de judeus, além de outras minorias, foi arrastado ao centro do debate político por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo no contexto da pandemia. Um ingrediente nesse caldo nefasto é a relativização do genocídio nazista, usado como arma retórica, “comparável” a supostas vítimas da luta contra a Covid-19.

Outro ingrediente, menos evidente, porém tão pernicioso quanto, é a disseminação da lógica negacionista.

Em sua prática e técnica, os negacionismos histórico e científico são duas faces da mesma moeda. Trata-se, em ambos os casos, de negar fatos bem estabelecidos por evidências, sejam elas resultado de experimentos controlados ou de robusta documentação histórica.

Sofismas contra a vacina se arvoram numa estrutura conhecida. “Não sou antivacina, mas os imunizantes para Covid-19 foram feitos rápido demais, são experimentais, não sabemos seus efeitos de longo prazo, a técnica é muito nova e pode interferir no seu DNA, há interesses da indústria farmacêutica.”

Note a estrutura: pega-se um detalhe que é até verdadeiro, como “foram feitos em tempo recorde”. Remove-se o contexto — a tecnologia básica desenvolvida ao longo de décadas, o esforço, a cooperação e o investimento inéditos trazidos pela pandemia — para encaixá-lo num quadro de conspiração.

Negacionistas do Holocausto argumentavam que a bula do veneno Zyklon-B, usado nas câmaras de gás, mandava ventilar o ambiente por 48 horas após seu uso. Então, como os nazistas poderiam entrar nas câmaras para retirar os corpos sem morrer? Contexto omitido: a bula pressupunha o uso do gás como inseticida, e não (por razões óbvias) para extermínio humano em massa, em galpões vazios e por carrascos com máscaras.

O negacionista, em todas as suas cepas, posa de questionador intrépido ou inocente curioso. Diz o senso comum que quem não tem nada a esconder não teme perguntas. Mas quem questiona querendo conhecer a verdade — e não tentando manipulá-la — ouve as respostas, não insiste na pantomima de que supostos enigmas de soluções bem conhecidas, aceitas pela comunidade de especialistas e reiteradas centenas de vezes, seguem “em aberto”.

Setenta e sete anos depois, há no mainstream brasileiro quem veja equivalência possível entre o judeu na câmara de gás e o dono da pousada. Quem use as ferramentas do negacionismo como arma política contra a promoção da saúde. A eles, repetiremos em uníssono, hoje e sempre: nunca mais.