segunda-feira, 30 de abril de 2018

O drama do Brasil descrito há quatro séculos

Quatrocentos anos é tempo demais. Será? Quatro séculos cingem minha família mais próxima — meus avós nasceram no XIX; meus netos, se houver, chegarão ao XXII. Quatro séculos também nos separam dele. Ou talvez devesse escrever Ele, com maiúscula mesmo, qual divindade suprema. Ele, o maior de todos nós, que um dia já nos debatemos com as palavras na tentativa, sempre vã, de deixar rastros escritos. De nada adianta. Ele já escreveu tudo, pouco mais de quatro séculos atrás, nem faz tanto tempo assim. Ele quem? William Shakespeare, oras.

Que teria Shakespeare, cujo nascimento e cuja morte são lembrados neste final de abril, a dizer ao Brasil de hoje? Meu palpite é que encenaria aqui sua última tragédia, aquela que o crítico Harold Bloom chamou de “sua peça política”, que o poeta T. S. Eliot preferia a Hamlet — e que o próprio Shakespeare não teve tempo de montar em vida: Coriolano, a tragédia do general romano incapaz de se curvar às regras do jogo político para conquistar o poder. “O protagonista é um exército de um homem só, a maior máquina de matar em todo Shakespeare”, diz Bloom. Imbatível no campo de batalha, incorruptível, Caio Márcio derrota o arquirrival Aufídio, general dos volscos, e conquista praticamente sozinho a cidade de Coriolo, de onde empresta o sobrenome. Retorna aclamado como futuro cônsul, líder máximo da incipiente República romana.

Em Roma, não vê sentido em distribuir comida de graça ao povo que passa fome. Não esconde enxergar a plebe como uma multidão de vira-latas fétidos, dependentes das altas castas para sua segurança e prosperidade. Aristocrata, orgulhoso, aceita apenas a contragosto, sob pressão da mãe, Volúmnia, e do senador Menênio, trajar as vestes rituais da humildade para discursar diante da população que despreza. O malogro é completo. Fora criado para a guerra, não para a política. Mentir para agradar a turba era-lhe impossível. “Um papel que jamais farei bem”, diz. Não tarda a emergir uma conspiração urdida por tribunos da plebe, que veem no desdém de Coriolano a semente da tirania. É julgado traidor e expulso da cidade. Como vingança, alia-se a Aufídio e aos volscos para atacar sua Roma natal. Antes do embate final, em que destroçaria seus antigos compatriotas, Menênio e Volúmnia imploram-lhe por clemência. Coriolano cede ao apelo materno. Firma a paz com os romanos, apenas para cair refém de cilada armada por Aufídio.

Shakespeare apresenta os dois princípios em tensão na formação da República romana: a aristocracia, representada por patrícios e generais como o imbatível Coriolano; e a democracia, pelos tribunos que manipulam a plebe como forma de garantir seu quinhão de poder. “Os homens de ambos os lados são apaixonadamente sinceros, porém são guiados pelo extremismo míope”, escreve o crítico David Bevington. “Os tribunos insistem, em nome da multidão, que as vozes das pessoas sejam a lei última de Roma. Coriolano, numa resposta furiosa, vê a multidão e seus tribunos eleitos como inimigos da prerrogativa hierárquica, ameaçando a própria existência do Estado.” As vozes moderadas de Menênio e Volúmnia soam ridículas diante dos dois extremos: o populismo que acredita ser possível distribuir comida de graça a todos e o militarismo que vê no governo aristocrático a única forma de manter a paz e a ordem.

Coriolano já se prestou a leituras antagônicas. O marxista Bertolt Brecht celebrou a revolta da plebe contra o general esnobe. O ator e diretor Ralph Fiennes fez do protagonista, no filme ambientado em Belgrado, um aliado de esquerdistas radicais.

A tragédia de Coriolano é, no fundo, a tragédia daqueles que, reféns de orgulho ou ideologia, são incapazes de compreender a natureza ambivalente da política.

“Se uma conclusão emerge, é que o violento conflito político conduz somente à anulação das instituições civilizadas que as poucas pessoas com moderação, como Menênio, esforçam-se, no meio do fogo cruzado, inutilmente por preservar”, diz Bevington. Eis o recado de Shakespeare ao Brasil do século XXI.

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Granada (Espanha), José Camero Hernandez 

O que nossas metáforas dizem de nós

Para o poeta Robert Frost, a vida era um caminho que passa por encruzilhadas inevitáveis; para Fernando Pessoa, uma sombra que passa sobre um rio. Shakespeare via o mundo como um palco e Scott Fitzgerald percebia os seres humanos como barcos contra a corrente. As metáforas nos rodeiam, mas não só quando seguramos um livro nas mãos. Em nosso uso cotidiano da língua, elas são tão presentes que nem sequer percebemos. “Teto de vidro impede a carreira das mulheres”, “a bolha do aluguel”, “cortar o mal pela raiz”... Considerada a forma por antonomásia da linguagem figurada, a metáfora às vezes é tida como um mero embelezamento do discurso, um alarde intelectual ou inclusive um desvio lúdico do conhecimento lógico.

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Desde 1980, com a publicação do livro Metáforas da Vida Cotidiana (Ed. Mercado de Letras), essa figura retórica recuperou seu protagonismo. É que seus autores, George Lakoff e Mark Johnson, mostraram que as alegorias desenham o mapa conceitual a partir do qual observamos, pensamos e agimos. Com frequência são nossa bússola invisível, que orienta tanto os gestos instintivos que fazemos como as decisões mais importantes que tomamos. É muito provável que aqueles que concebem a vida como uma cruz e os que a entendem como uma viagem não reajam da mesma forma ante um mesmo dilema. As metáforas são ferramentas eficazes e de múltiplas utilidades. Ao partir de elementos já conhecidos, nos ajudam a examinar realidades, conceitos e teorias novas de uma maneira prática. Também nos servem para abordar experiências traumáticas nas quais a linguagem literal se revela impotente. São vigorosos atalhos que a mente usa para assimilar situações complexas em que a literalidade acaba sendo tediosa, limitada e confusa. É mais fácil para nós entender que a depressão é uma sorte de buraco negro, que o DNA é o manual de instruções de cada ser vivo e que um banco contagia o outro.

Essas figurações dão coesão às identidades coletivas, pois circulam e se reutilizam sem cessar até que finalmente se incorporam ao acervo interpretativo: são um espelho fiel de nossa cultura. Mas essa linguagem pode se transformar numa armadilha intelectual. Há alguns anos, os psicólogos Paul Thibodeau y Lera Boroditsky, da Universidade Stanford (EUA), publicaram um trabalho em que analisavam os resultados de propor um debate sobre políticas contra a criminalidade usando duas metáforas. Quando o problema era ilustrado como se fosse um predador devorando a comunidade, a resposta era endurecer a vigilância policial e aplicar leis mais severas. No entanto, quando o problema era exposto como um vírus que infectava a cidade, os entrevistados optavam pela adoção de medidas para erradicar a desigualdade e melhorar a educação. Comparações ruins levam a políticas ruins, escreveu o Nobel de Economia Paul Krugman. Isso porque têm uma incrível versatilidade.

No campo da medicina, tem havido mudanças de paradigma com respeito ao impacto emocional das metáforas. Num recente seminário organizado pela Universidade de Navarra (Espanha), a linguista Elena Semino dissertou sobre os efeitos de abordar o câncer como se fosse uma guerra, e as sensações negativas que o paciente experimenta quando acredita estar “perdendo a batalha”. Mesmo que isso possa ser estimulante para outros. O erro, segundo a especialista, é generalizar certos campos semânticos, como o militar – algo que Galeno já fazia há 19 séculos. Para corrigir essa questão, seu grupo de pesquisa elabora o que chama de “cardápio de metáforas”, para que médicos e pacientes enfrentem a doença de uma forma mais construtiva. As boas metáforas nos trazem outras perspectivas, fronteiras menos rígidas e novas categorizações que substituem as já desgastadas.

A indústria da raiva ainda vai produzir um cadáver

Há um cheiro de enxofre no ar. É a emanação da morte. O odor cresce na proporção direta da diminuição da sensatez. Até outro dia, o ódio vadiava pelas redes sociais. Agora, circula pelas ruas à procura de encrenca. A raiva tornou-se um banal instrumento político. Há no seu caminho um defunto. Ele flutua sobre a conjuntura como um fantasma prestes a existir. A morte do primeiro morto ainda pode ser evitada. Mas é preciso que alguém ajude a sorte.

Concebida como alternativa civilizatória às guerras, a política subverteu-se no Brasil. Em vez de oferecer esperança, dedica-se a industrializar a raiva. Produz choques e enfrentamentos —uma brigalhada entre partidos enlameados, políticos desmoralizados, grupos e grupelhos ensandecidos. É nesse contexto que a notícia sobre a primeira morte bate à porta das redações como um fato que deseja ardorosamente acontecer.



O primeiro morto vagueia como uma suposição irrefreável. Por ora, ele vai escapando por pouco. Livrou-se da fatalidade quando sindicalistas enfurecidos reagirem mal às suas palavras, empurrando-o da calçada defronte do Instituto Lula em direção à rua, até cair e bater a cabeça no para-choque de um caminhão. Desviou dos tiros disparados contra os ônibus da caravana de Lula nos fundões do Paraná. Foi parar no hospital após ser baleado por atiradores filmados nas imediações do acampamento petista de Curitiba.

Construir uma democracia supõe saber distinguir diferenças. Mas os políticos não ajudam. Estão cada vez mais a cara esculpida e escarrada uns dos outros. Todos os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a Lava Jato transformou a política em mais um ramo do crime organizado. Exacerbaram-se os extremos. Assanhou-se sobretudo a extrema insensatez.

Depois de sentar-se à mesa com Renans, Valdemares, Sarneys e outros azares, o PT tenta virar a mesa para fugir da cadeia pela esquerda. Por enquanto, conseguiu apenas transformar Gilmar Mendes em herói da resistência. De resto, o petismo virou cabo eleitoral da direita paleolítica personificada em Bolsonaro.

Esquerdistas, direitistas e seus devotos ainda não notaram. Mas para a maioria dos brasileiros o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é que, em qualquer governo, tem sempre meia dúzia roubando em cima os recursos que fazem falta para milhões condenados a sofrer por baixo com serviços públicos de quinta categoria.

Bons tempos aqueles em que o Faroeste era apenas no cinema. A longo prazo, estaremos todos mortos. Mas o ideal é esquecer que a morte existe. E torcer para que ela também esqueça da nossa existência. Essa mania de provocar a morte, de desejar a morte, de planejar a morte em reuniões de executivas partidárias… Isso é coisa que só existe em países doentes como o Brasil.

A indústria da raiva se equipa para produzir um cadáver. Ainda dá tempo de salvar o primeiro morto. Mas as lideranças políticas brasileiras precisariam abandonar sua vocação para o velório. Dissemina-se como nunca a tese de que os políticos são farinha do mesmo pacote. Porém…

A igualdade absoluta, como se sabe, é uma impossibilidade genética. Deve existir na política alguém capaz de esboçar uma reação. Mas são sobreviventes tão pouco militantes que a plateia tem vontade de enviar-lhes coroas de flores e atirar-lhes na cara a última pá de cal.

Operação Mãos Sujas

Sempre ouvi, incrédulo, que nenhuma organização criminosa com o porte e a extensão adquirida pela que se apoderou do Brasil conseguiria agir sem seus tentáculos alcançarem o Poder Judiciário.

As dúvidas que tinha caíram ante a conduta servil de alguns ministros do STF à advocacia dos criminosos; caíram ante o manifesto rancor que têm pela Lava Jato e seu empenho em fatiá-la; caíram ante tudo que fazem, enfim, para anular seus efeitos enquanto vestem a impunidade com o mais cínico manto dos bens jurídicos inalienáveis.



Nós, cidadãos, passamos a contar votos no STF... Querem nos convencer de que cada placar expressa uma decisão “institucional”, resultado legítimo de uma contenda “democrática”. Ora, senhores! Isso é institucionalidade e democracia de valhacouto, onde só interessa saber quem se salva. Sim, porque – malgré tout (a chicana adora francês) - ainda há quem preserve a dignidade e pense no país. A esses poucos, os nossos respeitos; e a tremeluzente chama da nossa esperança.

Em sua Oração aos Moços, Rui fala do agigantamento do poder nas mãos dos maus e deduz que, diante dele, o homem chega a rir-se da honra e envergonhar-se da honestidade. Rui não fazia idéia do que estava por vir. O que percebo no Brasil, o que sinto na carne, nos ossos e na alma é um desejo de que este tempo passe, de que esses mandatos se extingam, de que esta geração de poderosos desapareça.

O que estou aprendendo, nos meus tantos anos já contados, é a odiar a indignidade, a desonra, e o menosprezo a valores sem os quais nenhuma nação se sustenta. E a amar cada vez mais os bens morais que inspiraram os fundadores da pátria e que aos poucos se foram dispersando sob a tirania dos donos do poder.

Não, não pode ser coincidência que tão desqualificada composição do Supremo esteja em exercício neste tempo, nestes dias. Não, o mal não joga dados! A operação mãos sujas tem a mesma idade da organização criminosa. Nasceram na mesma maternidade e do mesmo ventre - a Constituição de 1988.

Percival Puggina

domingo, 29 de abril de 2018

Gente fora do mapa

O Brasil refém do STF

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

Mary Zaidan

Corte sem classe

Desgraçadamente, o STF vem se transformando em uma corte penal, e corte penal de segunda classe
Carlos Velloso , ex-presidente do STF
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Mais Sêneca e menos ansiolíticos

Cultive o espírito porque obstáculos não faltarão. O conselho de Confúcio poderia ter sido assinado por qualquer um dos filósofos estoicos. Devemos a Woody Allen uma versão moderna dessa máxima: “Se quer fazer Deus rir, conte a ele seus planos”. Um poeta espanhol a finalizou com um verso lapidar sobre o inexorável julgamento do tempo: “A pessoa só compreende depois que a vida era algo sério”.

Esses são, em termos gerais, os três vértices do estoicismo antigo, que parece ressurgir em nossos dias. É uma miragem? As sociedades modernas se encontram dominadas pela rentabilidade tecnocrática da selfie, a autoindulgência (todos nós merecemos, especialmente se pagarmos) e o capricho. Significa fabricar um ego frágil e injustificadamente vaidoso. Uma situação que pode ser supostamente remediada com uma boa dose de estoicismo. Uma vez que não podemos controlar o que nos acontece e vivemos totalmente voltados para fora, atemorizados e estressados, uma vez que somos mais circunstância do que nunca, talvez essa antiga filosofia possa nos ajudar, ela que inspirou Marco Aurélio, imperador de Roma, um homem que, por sua posição, conheceu o estresse melhor do que ninguém.

Mais Séneca e menos ansiolíticos

Mas nesse deslocamento, nessa busca de inspiração no passado greco-latino, corre-se o risco de confundir, e isso de fato ocorre, estoicismo com voluntarismo, tão vigente e puritano. A cultura do esforço e a busca do sucesso dominam as sessões de coaching, que é, segundo seus proponentes, a arte de ajudar outras pessoas a cumprir seus objetivos e a “preencher o vazio entre o que se é e o que se deseja ser”. Não existe maior traição ao legado estoico. O voluntarismo resseca a alma e uma das finalidades do estoicismo é recriá-la. O que chamamos “desafios” e “metas” não são outra coisa a não ser viseiras que não nos permitem ver mais do que um único aspecto da realidade e a pessoa acaba batendo o avião contra a montanha, como aquele piloto da companhia Germanwings. fez nos Alpes da Suíça em 2015.

Essas metas nos trabalham por dentro e parecem projetadas para excluir a contemplação e a observação atenta e desinteressada. Contra a tirania da meta, os estoicos pretendiam se livrar de paixões muito urgentes e monopolizadoras. De fato, um dos sinais distintivos foi considerar a poesia como meio legítimo de conhecimento. A lírica nos mantém em uma atitude aberta e nada sabe de metas e objetivos. A poesia era aos estoicos, especialmente a de Homero, genuína paideia. Entender isso significa ganhar uma liberdade interior, não estar eternamente abduzidos pelo circo e as telas, uma independência moral, não a opinião geral e a gritaria do Twitter e transcender a dependência da pessoa em relação a sua parte animal (a suposição de que o homem é esse ser singular que, como dizia Novalis, vive ao mesmo tempo dentro e fora da natureza). Com esse “cuidado de si”, que Marco Aurélio chamava meditações, era possível conseguir uma autarquia ética que teria uma importância decisiva no pensamento político grego.

Alguns exemplos de estoicismo moderno não estão muito longe. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein conta que quando jovem experimentou essa sensação de que “nada poderia acontecer com ele”. Era uma forma de dizer que, não importa o que acontecesse (uma bala perdida, um câncer), saberia aproveitar a experiência. Uma atitude que lhe permitiu assumir o posto de vigia em meio ao fogo cruzado durante a Primeira Guerra Mundial. Encontramos algo parecido na francesa Simone Weil, sempre se arriscando, seja na fábrica da Renault ou nos hospitais de Londres, com a humildade como valor supremo, que faz com que a chama do divino não se apague.

Curiosamente, a atitude desses dois grandes filósofos, nos quais revivem os velhos ideais greco-latinos, contrasta com algumas obsessões atuais. Do medo ao próprio corpo, que requer um exame contínuo, à obsessão pela segurança (to feel safe, to feel at home). Como se um scanner e um refúgio pudessem outorgar essa tranquilidade, como se fosse preciso se trancar para sentir-se seguro. Enquanto um mandatário recente se perguntava quanto dinheiro precisava para sentir-se seguro e, ao não encontrar o número, passou a acumular capital, Wittgenstein se expunha na trincheira e Weil na coluna de Durruti, o anarquista que combateu na guerra civil da Espanha.

O estoicismo implica, como disse a espanhola María Zambrano, a recapitulação fundamental da filosofia grega. Nesse sentido foi e é tanto um modo de vida como um modo de se estar no mundo. Zenão de Cítio, natural da colônia grega do Chipre, figura como fundador da escola. Tinham algo em comum com os cínicos, especialmente a vida frugal e o desprezo pelos bens mundanos, e refletiram sobre o destino e a relação entre natureza e espírito. Existiu um estoicismo médio (platônico, pitagórico e cético), mas os que deram fama à escola foram seus representantes romanos: um imperador, um senador e um escavo. Todos eles surgiram, como agora, sob a sombra do Império. Aquele império era militar, o de hoje é tecnológico. Imaginem Zuckerberg abraçando o estoicismo; pois bem, foi isso que fez o imperador Marco Aurélio. Sêneca nasceu na periferia do Império, na Hispânia, mas foi uma figura fundamental da política em Roma, senador com Calígula e tutor de Nero. Epíteto chegou à cidade sendo um escravo. Quando foi libertado fundou uma escola e apesar de, seguindo o exemplo de Sócrates, não ter escrito nada, seus discípulos se encarregaram de transmitir seu legado.

Moralistas e contemplativos, todos eles defenderam a vida virtuosa, a imperturbabilidade e o desapaixonamento, sentimentos todos eles bem pouco rentáveis a uma sociedade do entretenimento. O estoicismo conquistou grande parte do mundo político-intelectual romano,se tornou uma regra de ação e sua influência chegaria a grandes filósofos como Plotino e Boécio. Não descreveremos sua lógica refinada, mas vale a pena lembrar que a subordinavam à ética. Ao contrário de hoje, pelo menos no mundo financeiro, onde o algoritmo domina a moral. Nela se destaca sua doutrina dos indemonstráveis, provavelmente de origem indiana.

Concebiam a alma como uma lousa onde as impressões eram gravadas. Delas surgem as certezas (se a alma aceitar a impressão) e os interrogantes (se for incapaz de localizá-la). Para os estoicos, o mundo era, como para nós, substancialmente corporal, mas sua física não nega o imaterial. Concebe a natureza como um contínuo dinâmico, coeso pelo pneuma, um sopro frio e quente, composto de ar e fogo. Herdaram de Heráclito o fogo como princípio ativo e primordial, de onde surgiu o restante dos elementos e para onde retornaram. Como o humor e o pranto, o pneuma não se movimenta e sim se “propaga”, contagiando com alegria e doença.

Hoje não seria exagerado colocar em prática alguns de seus princípios. O imperativo ético de viver conforme a natureza, que nosso planeta agradeceria. O exercício constante da virtude, ou eudemonia, que permite o desprendimento. E, por fim, o que Nietzsche chamou o amor fati, a aceitação e querença do próprio destino, remédio eficaz para tudo aquilo que produz desassossego. Não dá para dizer que esses princípios proliferam em nossos dias. Se um velho estoico pudesse vir ao nosso tempo, veria, nas grandes desigualdades propiciadas pela economia financeira, um descuido de si, um esquecimento dessa autonomia moral que evita que surjam emoções como o medo e a vaidade, que criam a cobiça. Emoções contrárias à razão do mundo que, em nosso caso, é a razão do planeta.

Outro lado

Há quase um ano, a população do Distrito Federal sofre racionamento de água potável. A inauguração de um novo reservatório passa agora a sensação de fornecimento abundante pelos próximos 30 anos. Mas as mudanças climáticas podem deixar o novo açude vazio por falta de chuva; a falta de saneamento pode contaminar a água; e o aumento do consumo per capita, aliado ao aumento da população, pode provocar escassez, mesmo com maior oferta. A perenidade na disponibilidade depende também da educação do consumidor, para que ele entenda a dimensão planetária da crise hídrica e pratique um padrão austero de consumo. O problema da água tem duas pontas: hídrica e educacional.

Todos os demais problemas e desafios do Brasil passam por duas pontas.

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O emprego só será criado se, de um lado, a economia fizer investimentos; mas emprego de qualidade exige educação do candidato. O aumento da riqueza nacional depende da retomada do crescimento econômico, mas, sem educação, a produtividade não aumenta, e a pobreza social continua; e se a educação não for de qualidade para todos, o problema da concentração da renda continuará. Hoje temos o oitavo PIB do mundo, mas, por falta de educação, a produtividade é baixa e estamos no 81º lugar na renda per capita e temos a décima pior concentração de renda. Graças sobretudo à educação, a Coreia do Sul tem o 14º PIB, mas é o 30º em renda per capita e tem a décima melhor distribuição de renda entre 157 países. O desemprego, a pobreza, a concentração de renda são problemas com duas pontas; a educação é uma delas.

A violência precisa ser enfrentada com polícia, Justiça e cadeia, mas isso não resolverá o problema. Há 30 anos Darcy Ribeiro dizia: “Ou fazemos escolas hoje ou teremos de fazer cadeias amanhã”. Só por meio da educação para todos será possível oferecer a mesma oportunidade a cada brasileiro, sem necessidade de artifícios de sobrevivência fora da lei. A corrupção, que é praticada por doutores instruídos, precisa ser combatida com o fim do foro privilegiado e da impunidade para eleitos, mas o mundo mostra que a corrupção cai substancialmente nos países onde todos os eleitores têm acesso à boa educação.

Todo problema tem duas pontas, e uma delas é a educação. Nisso está a dificuldade: porque o problema da educação também tem duas pontas. A ponta dos educadores, como fazer a escola ideal; e a ponta educacionista, como fazer todas as escolas com a mesma qualidade. Para cuidarmos do problema da educação, os eleitores e eleitos precisam antes ser educados. Esse paradoxo — para educar o Brasil, é preciso que o Brasil já esteja educado — só será resolvido quando for eleito um presidente estadista, capaz de ser educador de todo nosso povo, transmitindo de forma convincente a mensagem de que a solução de cada problema passa pela educação; convencendo o povo a aceitar fazer, ao longo de décadas, o esforço nacional necessário para garantir educação de qualidade para todos os brasileiros.

Gente fora do mapa

... en la oscura noche

Cargos e homens

Dia desses lia um jornal lá do distante Irã, do qual sou assinante. Trata-se de um país praticamente "demonizado" no Ocidente, alvo de cotidianas acusações de extremismo político e religioso. Um jornal iraniano seria, assim, o último lugar para buscarmos alguma notícia positiva sobre o Papa - sim, sobre o líder da Igreja Católica.

No entanto, lá estava a matéria - longa, por sinal. Ecoava suas falas e preocupações sobre a humanidade, tão permeada por guerras e injustiças. Destacava sua preocupação para com o sofrimento cruelmente imposto a tantos refugiados pelo mundo afora. Realçava seus pronunciamentos em defesa da preservação do meio-ambiente.

O jornal iraniano, quem diria, falava de Jesus - a ser visto, nas palavras do Papa Francisco, na face de cada criança inocente que padece em função das guerras da Síria, do Iraque e do Yemen.

Li e reli, bem mais de uma vez, a longa matéria. Demoradamente, sobre ela meditei - e dela retirei várias reflexões. Uma delas, aquela relativa ao tratamento dispensado pela imprensa aos ocupantes de cargos e funções públicas.



Vivemos na era do "marketing político", das "assessorias de comunicação" e das "pesquisas de opinião pública" - tudo isso quase sempre custeado com recursos públicos. Se o noticiário é favorável ao homem público, ponto para sua assessoria - e, se desfavorável, parta-se para a desconstrução da imagem do veículo que o publicou.

Em meio a este fenômeno, e talvez por conta dele, agiganta-se a mediocridade do "politicamente correto" e da cultura das "composições a qualquer custo", ao preço da perda da personalidade dos homens públicos.

Pois é: eu não consigo imaginar qual pesquisa de opinião pública realizada no Irã daria ao Papa Francisco respaldo para que suas palavras lá encontrassem eco. Não imagino no mundo uma assessoria de imprensa diligente a ponto de conseguir fosse publicado em um jornal iraniano longa série de elogios às suas atitudes. E no entanto, a desmentir todas as probabilidades, lá estava a matéria, reluzente e cintilante.

Talvez, diante de um povo tão perplexo, sofrido e carente de justiça, devêssemos, enquanto autoridades, à vista deste episódio, prestar menos atenção às assessorias, reclamar menos da imprensa e, principalmente, recordar que um cargo não faz um homem, e sim o inverso.

Pedro Valls Feu Rosa

A arte de roubar

O que se pode esperar de bom de uma eleição para presidente da República em que todos os candidatos, com a exceção de um só, vão fazer as suas campanhas com dinheiro que roubaram diretamente de você? Eis aí uma das mais espetaculares safadezas que estão sendo praticadas neste exato momento pelos políticos brasileiros ─ da extrema direita à extrema esquerda, na cara de todo mundo e em plena luz do dia. Não é pouco: o Tesouro Nacional vai doar aos políticos, para suas “despesas de campanha” deste ano, um presente extra de 1,7 bilhão de reais, já separados no orçamento de 2018. É uma aberração que tem a coragem de chamar-se “Fundo de Defesa da Democracia”, ou algo assim. Vem se somar ao “Fundo Partidário”, vigarice antiga criada para dar aos partidos políticos, a cada ano, quantias desviadas dos impostos e destinadas a ajudar na sua “manutenção”. No ano passado, com um projeto de lei relatado na Câmara pelo deputado Vicente Cândido, do PT, e gerido no Senado por ninguém menos que o senador Romero Jucá, fizeram uma mágica que multiplicou dramaticamente, numa tacada só, os valores que a população deste país será obrigada a entregar aos políticos no decorrer de 2018. É uma conquista notável para os anais da arte de roubar. Quatro anos atrás a mesada anual das gangues que fazem o papel de “partidos” no Congresso Nacional era de 300 milhões de reais. Foi aumentando, aumentando ─ e agora, diante da necessidade de “defender a democracia”, está reforçada por estes novos 1,7 bi. A desculpa é que há eleições este ano e as doações de “caixa 2”, imaginem só, foram proibidas pelos nossos tribunais superiores. É mais ou menos assim: como está teoricamente mais difícil praticar crime eleitoral, chama-se o público para fornecer o dinheiro que os criminosos desembolsavam até agora. Brilhante.


Era para ser pior. Os partidos queriam 3,5 bilhões de reais. O PT, então, exigia até 6 bi, ao fixar o valor do “Fundo” numa porcentagem do orçamento da União. De um jeito ou de outro, é bom para as “orcrims”, bom para os políticos e ruim para você. Este dinheiro, obviamente, não é inventado ─ tem de sair de algum lugar, e este lugar é o seu bolso. Também não pode ser duplicado. Se foi para os partidos é porque não foi para ninguém mais; no caso de 2018, quase 500 milhões de reais foram desviados das áreas de saúde e educação para o cofre dessas figuras que estão se propondo a salvar o Brasil. O fabuloso “Estado” brasileiro, essa entidade sagrada para o pensamento da esquerda nacional, não tem dinheiro para comprar um rolo de esparadrapo. Mas tem, de sobra, para dar a qualquer escroque que consegue o registro de uma candidatura. Claro que tem. O dinheiro não é “do Estado”, ou “do governo”, ou “do Temer”. Isso não existe. Estado nenhum tem dinheiro; quem tem o dinheiro que eles gastam é você. É de você que eles roubam, e são justamente os mais pobres que ficam com o prejuízo pior. Quando se tira dinheiro dos ricos e dos pobres ao mesmo tempo, quem é que sofre mais?

A isso o PT e a esquerda em geral dão nome de conquista democrática popular ─ é o prodigioso “financiamento público das campanhas eleitorais”, que segundo o seu evangelho elimina a influência “das grandes empresas” nas eleições, etc, etc. É um espanto, pois o PT foi o mais voraz de todos os tomadores de dinheiro de empreiteiras de obras e outros magnatas que jamais passou pela política brasileira. Agora, está avançando também em cima dos impostos pagos pela população ─ e faz isso com o apoio apaixonado dos seus piores inimigos na cena política, os famosos “eles” amaldiçoados pelo ex-presidente Lula há mais de 30 anos e acusados de criar todas as desgraças do Brasil. Até o momento só o candidato João Amoedo, do Partido Novo, se recusou a receber essa propina: o partido deixou parados no banco os 2 milhões e pouco de reais que o Fundo depositou em sua conta. Porque nenhum outro fez a mesma coisa? Não perca o seu tempo ouvindo explicações complicadas. Não fizeram porque não quiseram fazer; o que querem mesmo é o dinheiro. É uma atração e tanto. Derruba até figuras com os teores de pureza revolucionária da candidata Manuela D’Ávila, que faz cara de horror diante da hipótese de sujar as mãos com essas sórdidas questões financeiras. Prefere enfiar as mesmas mãos diretamente no seu bolso ─ como se assim o dinheiro roubado ficasse limpo. Da direita velha nem adianta falar; roubar é o seu destino. Mas quando a jovem de esquerda age igual, e nem se dá o trabalho de disfarçar, é que a coisa está realmente preta.
J.R. Guzzo

IR poupa super-ricos e prejudica salários médios e baixos

Na parcela mais rica da população brasileira, para cada R$ 1 de rendimento taxado pelo Imposto de Renda (IR), outros R$ 2 ficam isentos. Já entre quem ganha entre um e dois salários mínimos, o cálculo é inverso – para cada R$ 1 de renda isenta, outros R$ 7,60 são tributáveis pelo Imposto, seja direto na fonte ou posteriormente, através da declaração ao fisco. Os dados são resultado de um levantamento da Agência Pública feito a partir da base de dados da Receita sobre as declarações do IR do ano passado.

O grupo mais rico, segundo as categorias de renda da Receita, é de pessoas que recebem mais de 320 salários mínimos mensais. Em 2016, ano de apuração da última declaração do Imposto de Renda, isso representou um rendimento de ao menos R$ 281 mil por mês (salário mínimo de R$ 880).

Estão nesse grupo cerca de 25 mil pessoas que, juntas, concentraram mais de R$ 28 bilhões de rendimentos em 2016. Cada pessoa nessa faixa recebeu, em média, mais de R$ 11 milhões em rendimentos e possui cerca de R$ 52 milhões em bens e direitos.

Já a média de bens de quem ganha entre um e dois salários mínimos é de R$ 106 mil por pessoa. Esse grupo é 52 vezes mais numeroso que o dos mais ricos: são mais de 1,3 milhão de brasileiros ganhando entre um e dois salários mínimos formalmente. O levantamento desconsiderou quem ganha menos de um salário mínimo, segmento isento do Imposto de Renda.

O Imposto de Renda atinge proporcionalmente menos rendimentos dos mais ricos porque os rendimentos desse grupo vêm de fontes não tributáveis pelo IR, como lucros e dividendos distribuídos aos sócios de empresas.

Do grupo de 25 mil pessoas que declaram rendimentos acima dos 320 salários mínimos, 19 mil acusaram recebimentos de lucros e dividendos. Ao todo, essas pessoas informaram mais de R$ 746 milhões em rendimentos, e a maior parte desse bolo, 64%, foi isenta do IR.

Na avaliação do professor da Faculdade de Economia da USP Rodrigo De Losso, é correto que lucros e dividendos sejam isentos do Imposto de Renda. “A pessoa jurídica, que gerou esses lucros e dividendos, já foi previamente tributada. Depende do regime da empresa, mas, no regime de lucro real, a empresa é tributada em 34%. Ou seja, o imposto já foi pago; se ele pagar de novo, você vai incorrer em retributação”, pondera.

Na visão de De Losso, sócios de empresas, que podem retirar seus rendimentos através de lucros e dividendos, correm riscos que trabalhadores assalariados não correm. “Uma vez que ele se torna sócio, ele provavelmente irá pagar menos impostos [nos rendimentos], mas irá correr em uma série de riscos. O sócio está sujeito às condições de mercado e à faturação da empresa, por exemplo. O fato de ser sócio não traz só benefícios”, avalia.

A análise da professora de direito tributário e finanças públicas da FGV-SP Tathiane Piscitelli é oposta: não é correto isentar lucros e dividendos com a justificativa de que as empresas já são taxadas. “Esse argumento é verdadeiro para aquela pessoa que tem uma pessoa jurídica pequena, como o advogado que tem cinco funcionários e o que ele recebe de distribuição de lucros é realmente o salário. Isso não vale para os grandes acionistas, que recebem através das empresas, mas não necessariamente foram onerados verdadeiramente por isso. É óbvio que o custo da empresa impacta na distribuição do lucro, mas não é uma tributação na pessoa [do acionista]”, avalia.

De acordo com Tathiane, a legislação permite que exista uma tributação da renda de lucros e dividendos, como forma de redistribuir a carga tributária entre a população. “Isso vai desincentivar o empreendedorismo e penalizar pequenas empresas? É muito simples: basta prever um limite de isenção. O que não dá é a pessoa receber de distribuição de lucro R$ 300 mil por mês e ter zero tributado na pessoa física”, questiona.

Para o professor de economia da Unicamp Francisco Lopreato, não faz sentido utilizar a carga tributária das empresas para justificar a isenção no rendimento de acionistas. “Uma coisa é a empresa, o lucro das empresas, outra é o acionista, a pessoa física. O sistema tributário de outros países permite isso [a tributação dos lucros e dividendos], que torna o sistema menos regressivo”.

Segundo o professor, o sistema tributário como um todo precisa ser reformadopara incorrer em menos desigualdades. “A maior parcela da nossa arrecadação tributária é em cima de mercadorias, os impostos indiretos, enquanto os impostos sobre renda e propriedade tornam o sistema brasileiro bastante regressivo. A forma da divisão do IR torna o sistema mais ou menos igualitário até por volta de 40 salários mínimos. Acima dessa faixa, ele privilegia pessoas com altos rendimentos”, conclui.

A isenção da distribuição de lucro e dividendos foi instituída no Brasil em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Como caminhar para a saída

O Brasil precisa suspender as hostilidades. Manter essa briga de faca no escuro é o modo mais eficaz de não permitir que o que quer que seja mude. E não mudar tudo, e logo, vai nos levar reto para uma ditadura da violência organizada violenta o bastante para deter a violência desorganizada que está pondo o país em pânico.

Ditadura de que “lado”?

Daquele que nos manterá impossibilitados de aprender democracia, fora do nosso tempo e condenados a voltar sempre ao ponto de partida como estamos voltando mais uma vez agora…

Lava Jato?

É o que temos pra hoje. Quem ainda resiste ao desespero resiste agarrado a ela porque fora dela nada nos foi oferecido. Mas a esta altura todo mundo já aprendeu a manipulá-la. Ha lava jatos para todos os gostos e finalidades e só a menor e menos poderosa delas é realmente séria. O caminho para dar a cada um o que ficou devendo à justiça seria voltarmos a respeitar os pormenores, o que quer dizer reduzir drasticamente a velocidade. Deus (ou o diabo) está nos detalhes que o Brasil foi levado a deixar de enxergar porque essa era a unica maneira de evitar que os condenados na Ação Penal 470, do Mensalão, diferentes de todo o resto da boa e da má política do Brasil como de fato são, fossem expulsos para sempre do jogo democrático que trabalham para destruir por dentro.

A primeira parte das gravações dos 1829 candidatos de 28 partidos pedindo dinheiro de campanha que Joésley tem guardadas e às quais dá ou não “acesso” a jornais e TVs on demand, é igual para quem parou por aí ou para quem foi além vendendo favores para se locupletar. Apoiar só nessa parte as manchetes é a maneira mais fácil de seguir com o plano de desmoralização do único poder eleito da república excluido o Executivo que nomeia a cúpula do Judiciário. Aquele plano que começou pelo assalto aos fundos de pensão das estatais e pela criação de monopólios artificiais para financiar a compra de votos de congressistas no atacado, primeiro, e a de campanhas a granel mais adiante, para a consecução do projeto de poder antidemocrático com pretensões multinacionais que Lula descreve pessoalmente nas suas perorações ao Foro de São Paulo disponíveis no Youtube.

Diferenciar financiamento de campanha de corrupção e essas duas coisas de conspiração contra a democracia é perfeitamente possível como ficou demonstrado na sentença do Mensalão. Só que leva tempo. O tempo que a Lava Jato séria gasta nos seus processos e as lava jatos bandalhas atropelam nos delas. O tempo que deveria ser obrigatoriamente gasto em apuração independente dos fatos entre o “acesso” dado às gravações dos joésleys e a publicação das manchetes acusatórias. Um tempo, enfim, que este Brasil periclitante já não tem mais.

Eleições?

Ok. Mas quem for eleito terá de governar um país à beira do caos.
Montar um time tecnicamente capaz de deter a explosão da maior bomba fiscal jamais plantada nos alicerces da nação é o de menos. Mas até isso está prejudicado. No meio dessa guerra que fez a presunção de culpa substituir a presunção de inocência na cabeça das pessoas e na nossa (des)ordem judicial televisiva nenhum quadro técnico bem intencionado à altura do desafio terá coragem de vir trabalhar para governos. A chance de acabar incinerado é praticamente certa.

Mas parada dura mesmo é a política. Essa bomba fiscal não poderá ser desarmada sem uma mudança profunda nas regras de apropriação da riqueza nacional vigentes. Como construir maiorias para enfrentar 518 anos de corporativismo constitucionalmente “petrificado” num país conflagrado e com a política fechada à entrada de sangue novo?

Parece uma missão impossível mas a necessidade sempre fez milagres. O estado está a ponto de dissolver-se num país miserabilizado que emasculou a iniciativa privada e confiou tudo ao estado. Ha uma consciência clara até dentro da “privilegiatura” de que se não pusermos ao menos no horizonte visível o fim da desigualdade perante a lei que se traduz no sumidouro da previdência pública e está na base desse desastre ela vai morrer junto com o organismo que parasitou além do limite da sobrevivência. É uma faca de dois gumes pois para quem já não se vexa de abraçar ditaduras assassinas é a explosão que interessa, e para tê-la basta não fazer e não deixar fazer nada.

Mas para quem pensa no bem do Brasil é bom lembrar que para reformar um sistema defeituoso como o nosso é preciso antes de mais nada identifica-lo como tal . Reconhecer que, como comprova o fato de já termos dado a volta completa no circuito das ideologias no comando colhendo sempre o mesmo resultado, é o sistema que entorta todos que toca e não as pessoas que entortam o sistema.

Todas as forças necessárias para empurrar a mudança estão vivas e operantes. Mesmo diante da maior operação de patrulhamento jamais arquitetada na história da televisão brasileira, havia uma maioria no Congresso Nacional, como a que ha no Brasil aqui de fora e também dentro dos setores mais profissionais e pior pagos do serviço público, disposta a devolver privilégios em nome da salvação nacional. Mas ela foi bloqueada pelas defesas que o sistema erigiu contra a alteração de si mesmo, a mais forte das quais é a imprecisão da representação do Brasil Real no Brasil Oficial.

É preciso suspender a validade dessas defesas contra a devolução, em prazo marcado, de um país sob nova direção onde esteja absolutamente claro quem representa quem. Contra a entrega ao povo/eleitor, única fonte de legitimidade como reza a constituição, do direito à ultima palavra em todas as decisões que, ou afundam, ou fazem os países voarem. A receita é conhecida, testada e aprovada: eleições distritais puras, precariedade dos mandatos e empregos públicos retomáveis por iniciativa popular a qualquer momento (recall), direito ao referendo das leis dos legislativos, direito à reconfirmação periódica dos juízes encarregados de faze-las cumprir.

Isso – e só isso – cerca e mata a corrupção.

A eleição de outubro pode e deve ser plebiscitária. Quem propuser entregar ao povo o comando do seu próprio futuro, leva. Deixar rolar como está é suicídio.

Fernão Lara Mesquita

Falta de pressa

Um dos aspectos mais fascinantes da crise política brasileira e do comportamento de elites pensantes é a perda da noção de tempo. Não se detecta sentido de urgência no trato de qualquer questão essencial para arrancar o País do buraco ao qual teríamos chegado de qualquer jeito – à incompetência, irresponsabilidade e voracidade de governos do PT e seus associados devemos “agradecer” por terem apressado nosso encontro com a hora da verdade (a de que estamos ficando velhos sem termos ficado ricos).

Sociedades caem vítimas de seus próprios mitos com mais frequência do que se pensa. Para permanecer em tempos recentes, e como caricatura para ilustrar o argumento, pensem nos nazistas (que se achavam imbatíveis) ou nos soviéticos (que se achavam donos do futuro). No caso brasileiro, o título do clássico de 1941 de Stefan Zweig – Brasil, Um País do Futuro – às vezes parece uma maldição. É óbvio que o livro não tem a menor culpa disso, mas a postura de boa parte de elites aqui sugere terem se tornado adeptas da crença de que o futuro nos pertence e inevitavelmente será risonho. Como se sabe, em História não há o inevitável.

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Em outras palavras, acreditamos que o tempo trabalha a nosso favor, sobretudo quando lidamos com prazos mais dilatados, e optamos por ignorar evidências. A principal chama-se janela demográfica, que está se fechando e foge ao nosso controle. Nos acostumamos a crescer nos últimos 30 anos incorporando ao mercado de trabalho um número grande e aparentemente inesgotável de jovens mal qualificados. Para crescer e enfrentar agora a competição lá fora teremos de melhorar índices de produtividade estagnados há décadas, e com menos jovens à disposição – algo que já se reflete no eleitorado: pela primeira vez a proporção de jovens entre 16 e 24 anos diminuirá em 2018 em relação à última eleição, enquanto cresce o peso relativo dos eleitores acima dos 60.

Para quem comemora o aumento da nossa renda per capita nos últimos, digamos, 15 anos, cumpro aqui o papel chato de lembrar que a diferença para a renda per capita dos países avançados permanece inalterada, ou até um pouco pior para nós. Embora briguem sobre quais fatores afetam diretamente o crescimento de países, economistas não duvidam da forte influência exercida por uma taxa mínima de investimento anual. A nossa é baixíssima e piorou, pois o setor público, do qual tanto dependemos, perdeu essa capacidade de investimento. Em outras palavras, estamos jogando contra o tempo.

Há outros sinais preocupantes, dos mais variados, indicando que nós gostamos de acreditar que as coisas se resolvem por decurso de prazo. Abominamos o sistema político-eleitoral, por exemplo, mas deixamos passar recente oportunidade para reescrever as regras das próximas eleições, que provavelmente asseguram a permanência de boa parte das figuras e dos métodos que detestamos. E, recentemente, ao considerar o habeas corpus para Lula, o Supremo Tribunal Federal forneceu um exemplo acabado da mentalidade dos estamentos burocráticos que mantém o País sob seu firme domínio: a mentalidade que prefere manipular prazos e evita abordar frontalmente problemas difíceis.

Filmes e exposições na Alemanha lembraram no ano passado os 75 anos do suicídio de Stefan Zweig (um dos escritores mais populares na Europa na metade do século 20) e sua mulher, ocorrido em Petrópolis. Ainda em vida seu livro sobre o Brasil como um país do futuro tinha sido criticado como ingênuo. Consigo entender o que Stefan Zweig, transformado em “Kulturpessimist” pela catástrofe europeia daquela era, enxergou como esperança no Brasil. O problema é a nossa falta de pressa.

Qual é a única coisa que une os brasileiros e que o poder prefere esconder?

Será verdade que, como injustamente se divulga no exterior, os brasileiros estão divididos em tudo? Que nada é capaz de unir os cidadãos de um lado e do outro do arco político? Há dois brasis irreconciliáveis em tudo? A julgar pelos resultados da última pesquisa nacional do Datafolha, a resposta é não.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

De acordo com essa pesquisa, quem aposta em um Brasil dividido em tudo deve se sentir frustrado. Existe um tema que vem incendiando a opinião pública nos últimos anos e que se intensificou com a condenação e prisão de Lula: o apoio à Lava Jato, cuja continuidade é defendida por 84% dos brasileiros. Apenas insignificantes 12% acham que deve terminar. O Brasil todo parece unido na luta contra a corrupção e contra as tentativas de “estancar a sangria”, sonho de tantos políticos e poderosos e até mesmo de boa parte do Supremo Tribunal Federal. Entre esses 84% que querem que a Lava Jato continue estão, por exemplo, 77% dos eleitores de Lula, algo que o PT, que acusa a Justiça de ser seletiva com seu partido, deveria explicar, se de fato a grande maioria de seus eleitores também defende essa cruzada contra a corrupção.

Outro dado importante de uma pesquisa anterior do Datafolha confirma que os brasileiros concordam, quase unanimemente, que a Lava Jato deve seguir seu caminho: em 22 anos, é a primeira vez que a corrupção é a maior preocupação do país. Não é a violência? Não. A corrupção já preocupava quatro vezes mais em 2015. E a educação? Também não. Preocupa quatro vezes menos que a corrupção. Não seria economia, ou o desemprego, a maior preocupação dos brasileiros? Não, a corrupção preocupa cinco vezes mais. E a saúde, a angústia das filas nos hospitais? Nem isso. A corrupção interessa duas vezes mais que a saúde.

Será que os pré-candidatos à presidência tomaram consciência de que a sociedade como um todo, pobres e ricos, continua a favor da luta contra a corrupção? E os governadores, senadores e deputados que pretendem ser reeleitos? Terão percebido os excelentíssimos magistrados do Supremo que a única coisa que parece unir os brasileiros é a luta contra a corrupção, e quase 60% defendem a prisão após condenação em segunda instância sem esperar pelos recursos a instâncias superiores? E que a grande maioria é contra o foro privilegiado?

Sabemos que mais de um magistrado disse não entender o que significa a voz das ruas e que lhes interessa mais a letra da lei que no seu espírito, que é o que deve ser levado em conta quando se trata de julgar indivíduos de carne e osso. Não é segredo que, no Brasil, antes da Lava Jato, a Justiça procurava ser humana e respeitosa com os condenados importantes, para quem a presunção de inocência deveria ser sagrada. O condenado sem nome tornava-se, por outro lado, um número frio e sem alma.

Um povo que foi capaz de metabolizar sem dramas nem tumultos a prisão de Lula e dos grandes industriais do país acusados de corrupção talvez seja mais solidamente democrático e socialmente mais saudável do que uma minoria exaltada se esforça para negar. Se for esse o caso, é uma injustiça grave apresentar, no exterior, um Brasil à beira de um descarrilamento democrático, um golpe militar ou uma guerra civil, como vi escrito em jornais sérios. É injusto porque é falso. O que o mundo deve saber é que, no Brasil, até os mais pobres estão mais preocupados com a corrupção dos poderosos do que com a própria economia, algo que só seria concebível em países com velhas raízes democráticas.

Às vezes, chego a pensar que este país pode até dar uma reviravolta na teoria de Murphy, segundo a qual “se algo pode dar errado, dará”. Talvez seja capaz de interpretar essa lei pessimista mudando-a para o lado positivo: “se algo pode dar certo, dará”. E se nas próximas eleições, apesar de todo o pessimismo, acabar, por exemplo, acontecendo o melhor?

Paisagem brasileira

ICAPUI, Ceara, Brasil
Icapui (CE)

A esquerda é o Titanic de 2018

Que a esquerda está em crise em boa parte do mundo não chega a ser uma grande novidade. Novidade é que significativa parcela do mais importante partido da esquerda brasileira, o PT, esteja contribuindo para esse cenário geral de crise com uma forte pitada de ridículo.

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Se a única ideia que os petistas podem oferecer é essa estupidez de acrescentar “Lula” ao nome, é melhor chamar o Tiririca para substituir a Gleisi Hoffmann na presidência do partido. Palhaçada por palhaçada, fiquemos com quem é mais autêntico.

Idiotice à parte, passemos a uma crítica fulminante à esquerda vinda de um acadêmico, Wanderley Guilherme dos Santos, de impecáveis credenciais esquerdistas e um propagandista entusiasmado do governo Lula.

“Esse é um mundo no qual a esquerda do século 20 não tem mais lugar. Por isso toda esquerda no mundo hoje é obsoleta, conservadora e reacionária. Ela se organizou em termos de pensamento e ação no século 19 para concorrer com o liberalismo em termos de imaginário futuro de organização social. O liberalismo oferecia o progresso, a esquerda oferecia a revolução pela ruptura. A queda do muro de Berlim destruiu esse projeto alternativo. A esquerda desde então tem estado na defensiva e não é à toa que sua palavra de ordem seja resistência”, escreveu esse cientista social para o último número de 2017 da trimestral revista Inteligência.

Sou obrigado a concordar com ele, até porque já escrevi inúmeras vezes que a esquerda — não só a brasileira — não conseguiu ainda sair dos escombros do muro de Berlim, mesmo passados quase 30 anos da queda. Foi também o fim do comunismo e é intrigante que mesmo a esquerda que não comungava com o comunismo soviético tenha se ressentido.

Se a obsolescência da esquerda tivesse provocado apenas a ascensão de uma direita civilizada, não haveria grandes problemas. Veja-se o Chile: a esquerdista Michelle Bachelet dá lugar ao direitista Sebastián Piñera, que, quatro anos depois, devolve a cadeira a Bachelet para que ela a entregue, após outros quatro anos, a Piñera. E o Chile vai em frente, tropeçando às vezes, mas sem uma crise tremenda como a que devorou o Brasil e ainda se faz sentir.

O problema é que o vácuo deixado pela esquerda foi preenchido pela extrema-direita, como escreve Dani Rodrik, um heterodoxo professor de economia política internacional na Escola de Governo John F. Kennedy, da mitológica Harvard:

“Tivessem os partidos políticos, particularmente os de centro-esquerda, perseguido uma agenda mais ousada, talvez o crescimento de movimentos de direita, nativistas [nacionalistas], pudesse ter sido evitado”.

O raciocínio parece correto, mas o problema é que nem a direita (civilizada) nem a esquerda puseram de pé até agora uma agenda capaz de contrapor-se “às queixas que autocratas populistas exploraram com sucesso — desigualdade e ansiedade econômica, a percepção de declínio do status social e o abismo entre as elites e os cidadãos comuns”, para citar de novo Rodrik.

A esquerda brasileira acha mesmo que pôr “Lula” no nome é uma agenda suficiente?

Comparsas S.A.

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Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices
Nelson Rodrigues

Dois cremes afanados, um diploma falso: adeus, governadora

Uma mulher loira, bem vestida, de salto alto e bolsa elegante, passa por um constrangimento de feitura própria.

Pega furtando dois potes de creme antirrugas num supermercado, é levada por um segurança para a “salinha”. Recusa-se a reconhecer o flagrante até que um policial é chamado.

Acaba vasculhando a bolsa em busca de notas e moedinhas. O vídeo de 2011, divulgado agora, acabou com a carreira política de Cristina Cifuentes. Teve que renunciar ao cargo de presidente da Comunidade de Madri, equivalente a um governo estadual no Brasil.

Foi um castigo merecido. Que político, num país decente, pode resistir a um “engano”, como ela tentou disfarçar, no valor de “pouco mais de 40 euros”? Ao mais vergonhoso dos vídeos íntimos?

Como no caso do furto, ela vinha se recusando a reconhecer as evidências de outra trambicagem: um mestrado fake em Direito Público.

Cristina Cifuentes é de direita, do partido do austero primeiro-ministro Mariano Rajoy. Ganhou a antipatia redobrada da esquerda quando comandou a segurança de Madri durante o período de grandes manifestações de protesto na época em que, na prática, a Espanha faliu.

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Com a mão dura de Rajoy e sacrifícios de todo o país, a Espanha se recuperou. Como os Borbons, a casa real da monarquia parlamentarista, a esquerda não esquece e não perdoa nada.

Ninguém deveria saber melhor disso do que Cristina Cifuentes, boa de briga e de fazer listas de inimigos.

Uma das virtudes da democracia, este sistema tão imperfeito, é justamente a ideia de que um partido vigia o outro – em vez de ambos se associarem para a formação de quadrilha contra o dinheiro do povo.

Incorrer na mesa estranha obsessão de políticos por diplomas falsos e teses plagiadas demonstra o gosto pelo risco da governadora caída.

Em 2012, o presidente da Hungria, Pal Schmitt, foi obrigado a renunciar ao cargo, mais cerimonial do que importante, por plágio em tese de doutorado sobre Olimpíadas na era moderna. Nada menos que 180 páginas haviam sido copiadas de um autor búlgaro.

O mesmo desvio de caráter havia levado à queda, um ano anos, de Karl-Theodor Friherr von und zu Guttenberg como ministro da Defesa da Alemanha. A tese de doutorado plagiada era sobre direito constitucional. Como indica o sobrenome cheio de preposições, ele é de uma família nobre.

Gente com menos pedigree já teve currículo com inexistentes mestrado e doutorado em economia. Corrigiu-se com uma declaração antológica, entre tantas. Antologia tal como concebida por Stanislaw Ponte Preta.

“Lá, tem um equívoco, sim: a parte relativa ao mestrado está errada. A relativa ao doutorado não está errada no que se refere a ser doutoranda. Mas está errada no que se refere ao curso que eles me botaram.”

Lembraram-se?

Cristina Cifuentes ainda tentou se segurar, renunciando ao mestrado que nunca fez. Pediu desculpas por “aceitar as facilidades” oferecidas pela Universidade Rei Juan Carlos, numa prova adicional de cinismo autodestrutivo.

Já estava com o filme queimado quando apareceu o vídeo do furto. Não renunciou de moto próprio, como ficou evidente com a declaração seca de Rajoy: “Podia ter nos poupado disso”.

Pelo menos, não disse que foi golpe.

América Latina é a região mais violenta do mundo

A América Latina é a região mais violenta do mundo, segundo estudo feito pelo Instituto Igarapé e publicado, nesta quinta-feira (26/04), pelo diário americano Washington Post. O think tank brasileiro com sede no Rio de Janeiro compilou as estatísticas num relatório em forma de aplicativo interativo, no qual o internauta pode obter informações sobre homicídios mundo afora.

Ao menos 437 mil pessoas são assassinadas no mundo a cada ano – uma média de 6,2 assassinatos por 100 mil habitantes. A América Latina e o Caribe abrigam 8% da população mundial, mas concentram 33% dos homicídios globais. Dezessete dos 20 países com as maiores taxas de homicídios estão localizados na América Latina e no Caribe. Quatro países da região – Brasil, Colômbia, México e Venezuela – são responsáveis por um quarto (25%) dos assassinatos globais.

Mais de 130 grandes cidades latino-americanas (com mais de 250 mil habitantes) podem ser consideradas altamente perigosas, pois têm taxas de homicídios superiores a 25 para cada 100 mil habitantes.

Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, 43 estão localizadas na América Latina e no Caribe. As quatro primeiras são San Salvador, em El Salvador, Acapulco, no México, San Pedro Sula, em Honduras, e Soyapango, em El Salvador. O Top 10 tem três cidades brasileiras: Marabá, São Luís do Maranhão e Ananindeua.

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Dos aproximadamente 437 mil assassinatos anuais pelo mundo, quase metade são cometidos com armas de fogo – na América Latina e no Caribe este número sobe para 66%. Mundialmente, 74% das vítimas são homens, enquanto na América Latina e no Caribe a cifra sobe para 81%. Além disso, mais da metade das vítimas latino-americanas e caribenhas têm idade entre 15 e 29 anos. A região tem as maiores taxas mundiais de feminicídio: encabeçam a lista Haiti (57%), Suriname (46%) e Granada (36%).

Existem 36 países com taxas de homicídios abaixo de um por 100 mil habitantes. Vinte estão na Europa, 11 na Ásia, três na Oceania e dois na África. Os países com as menores taxas de homicídio no mundo são Andorra, o principado de Mônaco e a Grécia. Na América Latina, o Chile apresenta a menor taxa de homicídio: 2,7 assassinatos para cada 100 mil habitantes.

Os autores do relatório do Instituto Igarapé tentaram dar uma explicação para o problema endêmico de homicídios na América Latina e no Caribe. Eles fizeram questão de esclarecer que não é que toda a América Latina seja violenta, mas que há áreas determinadas nas quais ocorre uma quantidade desproporcional de homicídios.

A América Latina é particularmente suscetível a condensações de crimes por causa de sua urbanização desenfreada. As cidades latino-americanas cresceram mais rápido do que na maioria das outras partes do mundo durante os últimos 50 anos. Em 2000, por exemplo, três quartos da população vivam em cidades – praticamente o dobro da proporção na Ásia e na África.

Segundo a publicação britânica The Economist, "a mudança do campo para a cidade concentrou os fatores de risco para violência letal – desigualdade, jovens desempregados, famílias deslocadas, serviços governamentais deficientes, fácil acesso a armas de fogo".

Além disso, os autores do relatório do Instituto Igarapé afirmaram que, em muitos casos, não há forças de segurança suficientes, particularmente em áreas de alta criminalidade. E, em diversos casos, os policiais estão envolvidos com o crime organizado. Além disso, a maioria dos assassinatos não é resolvida. Em algumas partes da América Latina, apenas um em cada 20 homicídios reportados é solucionado.

Deutsche Welle

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Boulos: o florescimento da 'ideia' à sombra silenciosa das autoridades

Então atire a primeira cobrança quem nunca deixou de cumprir uma promessa. Volto a falar de Lula tendo prometido a mim mesma que não mais o faria depois de comentar a prisão dele. Não previ isso, mas, como diz Genoveva, quando prometi era verdade. Pertence à fase madura de Machado de Assis o famoso conto Noite de Almirante (publicado pela primeira vez em 1884, no Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro) que me traz Genoveva para minha defesa e refúgio. Nesta fase, praticamente extinguiu-se o verniz sutil de sofisticada ironia que nosso magnífico autor derramava sobre a superfície das coisas e que, num prazer adicional da leitura, o leitor mais lapidado o penetra e descobre, como num palimpsesto ─ e a cada nova leitura, novas camadas interpretativas se revelam ─, o profundo das coisas na fundura da galhofa apenas residual e da melancolia predominante. Exemplo máximo disso entre os contos, acho eu, é o duro “Pai Contra Mãe” em que a linguagem exata e a sintaxe enxuta agudizam a crueza de uma realidade sem concessões e em que os personagens fazem escolhas como a pedra que, lançada, decidisse onde cair, segundo a imagem com a qual Espinoza define o livre-arbítrio.

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Assisti ao vídeo em que Guilherme Boulos destampa um trololó aparentemente delirante sobre a invasão do prédio do triplex do Lula comandada pelo sem-teto de boutique, aterrorizando moradores. Aí, sabe como é: uma coisa desagradável leva à outra coisa desagradável, então acabei revendo o último discurso de Lula em liberdade para averiguar nexos no palavrório de Boulos. Naquele discurso, o caudilho dialogou com os próprios afetos e desordens (essencialmente, a horrenda “ideia” Lula), ainda que numa fala racional, coesa e coerente para determinada essência política ─ e, nesse sentido, dirigiu-se à militância, que é o que os consubstancia externamente. Inertes, MPF e demais autoridades deixam um bando autoritário colonizar o espaço no noticiário sem lhe fazer um contraponto nesta que é também uma guerra de valores. E a militância chafurda na sua libido deformada. É para a sustentação do moral dela que Boulos e seus bandidos amestrados continuam delinquindo já que a pátria dos petistas não é o Brasil, mas o petismo. Seus habitantes, alheios à realidade exterior, não são apenas aquelas poucas centenas que se entrincheiraram no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo (aliás, a legislação proíbe atividade político-partidária de sindicatos, não é, Ministério Púbico?) ou os acampados em Curitiba emporcalhando tudo em volta e infernizando o cotidiano dos moradores.

Eles são também “a ideia” no palimpsesto de certa imprensa escrita e falada que ainda escolta o triplex de Lula com um “suposto”, mantendo a mentira, substância última dessa porcaria toda, na crônica dos fatos. São a “ideia” que aparelhou o MPF (que, muitas vezes, me lembra um PSOL concursado) e porções do Judiciário, desde antes de o PT assumir a presidência, que silenciam diante da carreira criminosa de Boulos. À sombra desse frondoso silêncio, o PT sustenta seu enredo embusteiro também pela omissão de agentes da lei que decidiram participar politicamente do debate público ─ sobretudo procuradores do MPF ─, desrespeitando os limites de suas funções institucionais, atacando todos-os-políticos, mas, nominalmente, quase sempre apenas contra aqueles opostos ao campo ideológico da “ideia”. A choldra deita e rola.

O Brasil ordeiro merece um gesto das autoridades repudiando o terrorismo de Boulos, não pode mais ficar à disposição das patologias ideológicas da súcia terrorista nem das “patologias de consciência” dos representantes da lei que se calam. Integrantes do Judiciário/MPF não são todos lulopetistas, claro, mas predominam entre eles teses caras ao PT dos anos 1980, de um PT limpinho que, grosso modo, reencarna no PSOL. É a “ideia” lavada a jato. Imunda, ela ainda lidera as pesquisas eleitorais de dentro da cadeia (o Brasil vai me intrigar para sempre), seguida pelas versões higienizadas: Marina Silva (que sugere a PMDB, PSDB e PT que se aposentem para que ela governe com a Rede e o PSOL), Joaquim Barbosa (o candidato da agenda policial) e Jair Bolsonaro (o autoproclamado liberal que aplaude agressões ao estado de direito quando elas não o atingem, conduta que nega a essência do liberalismo). Três figuras autoritárias revigoradas no lixo tóxico produzido pela criminalização da política como via institucional para encaminhar as demandas da sociedade, criminalização esta promovida pelos mesmos agentes que, em nome do combate aos políticos corruptos, aproveita para combater também os políticos de que não gosta inspirando na população o desejo de eleger alguém-que-ponha-ordem-em-tudo-isso-que-está-aí. Enquanto isso, Boulos não é incomodado e nem sequer agradece, ele quer é mais, pois essa gente não deseja participar democraticamente da disputa legítima pelo poder, mas se impor pela truculência e pela mentira, chegando ao limite do grotesco e dando mais um passo sem ativar o ativismo blogueiro do MPF. Autoritários do bem e os do mal debocham do Brasil ordeiro.

O marujo Deolindo partiria numa viagem de 10 meses e trocou promessas de fidelidade com a mulata Genoveva. Quando os amantes se reencontraram, Genoveva se apaixonara por outro. Deolindo, do fundo de seu desencanto, ainda balbuciou uma cobrança que era menos isso e mais uma verbalização de seu choque: “mas você prometeu, Genoveva”. “Ah, Deolindo, deixe disso, quando eu prometi era verdade”. Depois de ouvir Lula, me sinto suja da voz roufenha excretando senhas para a barbárie e, para lidar com essa realidade incessante, faço um tipo de profilaxia com algum humor ou ironia, alguma literatura, música ou poesia porque a beleza ─ em qualquer forma ─ é, para mim, revestimento pessoal para sobreviver às mazelas do mundo. Por isso afirmei que o conto é um refúgio, essa encantadora narrativa de um desencanto amoroso com toda a breguice de uma ilusão amorosa ─ claro, não é todo amor que é brega, só os verdadeiros, ou você nunca ouviu Roberto Carlos ou Billie Holiday (cuja morte completa 50 anos em 2019) se acabando em “I’m a fool to want you”? ─ tratada com a genialidade de Machado para falar da volubilidade do coração humano, de fidelidade, inconstâncias e a imprevisibilidade da vida, que a faz menos perigosa. Já pensou que perigo uma vida sem imprevistos? A vida acontece à nossa revelia. Uma “ideia”, não. Portanto, senhores e senhoras agentes da lei, ajam.

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Supremo vira ioiô e perde a própria supremacia

Marcado por suas idas e vindas, o Supremo tornou-se o epicentro de um fenômeno que corrói o prestígio da Justiça brasileira: a insegurança jurídica. A Suprema Corte virou um ioiô. Ora joga a delação da Odebrecht sobre Lula para Sergio Moro, ora manda o material para São Paulo. Num instante, aprova a prisão na segunda instância. Noutro, ameaça rever a novidade. Afasta Eduardo Cunha do mandato e delega ao Senado a palavra final sobre o afastamento de Aécio Neves. Cede poder aos senadores e, depois, ressuscita Demóstenes Torres, devolvendo-lhe direitos políticos que o Senado havia cassado. Nesse vaivém, o Supremo-ioiô perde a própria supremacia.

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Há no Brasil uma sólida e inquestionável certeza: o Judiciário é lento, concordam todos, do advogado de porta de cadeia até a presidente do próprio Supremo. Pois na decisão sobre a delação da Odebrecht, três ministros da Segunda Turma —Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes— transferiram provas contra Lula da azeitada engrenagem de Curitiba para a São Paulo, onde a Lava Jato caminha na velocidade de uma lesma tetraplégica. Ofereceram matéria-prima para a defesa de Lula enfileirar recursos, embargos e todo tipo de petições contra decisões de Sergio Moro.

Poucas vezes o Brasil teve um Supremo tão desatento com suas responsabilidades institucionais. Há de tudo na Suprema Corte —de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado que mantém negócio privado. Decisões colegiadas são solenemente desrespeitadas. Há na prática não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte. O Brasil perdeu as esperanças de ter no topo do sistema judicial um tribunal que seja Supremo. Mas merece ter pelo menos um Supremo que tenha lógica.

Justi$$a?

No Brasil, juízo de exceção é quando a Justiça funciona contra poderosos delinquentes
O Antagonista 

Um MP para os ratos

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Não sei o nome pelo qual atende entre os seus, os da sua praia ou tribo, mas o que sei é que, embora não saiba o seu nome, já estamos na terceira rodada e agora estou sem saber se eu o venci ou se ele me venceu.

Os médicos deram para receitar banana porque descobriram, enfim, que os macacos nunca se deprimem. Estão sempre alegres, bem dispostos e salientes. A razão de tanta exuberância é o potássio que na banana está em maior quantidade.

Manhã bem cedo quando vou à bacia de frutas pegar minha banana noto que uma delas está comida até a metade. Separo-a das outras e me detenho examinando. Por duas ou três manhãs, a mesma coisa.

Se não foi dente de gente nem de macaco, dente de que bicho seria? A Iraci, que sabe tudo desses meandros, lança a suspeita – isso é coisa de rato.

Ora, se rato gosta tanto assim de banana então ele se aparenta dos macacos, por conseguinte também dos homens, todos necessitados de doses e mais doses de potássio.

Daí, fico a imaginar querendo encontrar razões para o fato de ter homem tão parecido com rato e também com macaco e de ter homem com atitude de rato ou com atitude de macaco.

Se tu reparas bem, o macaco não é larápio. Ele te surrupia a banana em gestos engraçados, não espera tu dares as costas para o objeto do desejo dele, não age nas caladas da noite. O macaco é transparente.

O rato, não. O rato que nem algumas categorias de homens sem categoria não age às claras, prefere sempre as caladas da noite para suas práticas deletérias.

Então, a banana que amanhece mordiscada até quase pela metade na bacia de frutas na cozinha é coisa de rato. Mas que calhorda!

Se eu continuar leniente ele vai espalhar out-dor pelas esquinas da ilha, num rasgo de bom mocismo, me agradecendo as quase vinte bananas que ele comeu pelas beiradas nas madrugadas lá em casa, enquanto todos dormiam.

Estou sabendo sobre uma senhora Karen Robbins que mantém uma ONG nos Estados Unidos voltada para a proteção dos ratos, os quais são tratados com estima e carinho.

Aqui também nesta quase França Equinocial, incluindo a do Amor, tem pessoas com seus ratinhos de estimação, tratados como leais companheiros, gordinhos, rechonchudos, alguns até lembrando gorgulho, aquele bicho que ataca sacas de feijão.

Os ratos, aliás, ajudaram os romanos num sentido inverso a conquistarem muitos territórios.

Muitos lugares tinham ratos demais, os povos em meio a tantas doenças não sabiam o que fazer. Àquelas alturas, os romanos já haviam descoberto o gato como invencível devorador de ratos.

E levavam centenas de milhares de gatos famintos em suas expedições. Muitas vezes nem precisavam fazer guerra. Era soltar os gatos atrás dos ratos e os povos, aliviados, se entregavam logo aos romanos.

Voltando ao rato devorador de bananas aqui de casa, já estou na terceira rodada e não sei quem venceu a parada.

Na primeira, misturei bifinho da Miúcha com chumbinho. O danado comeu tudo. Na noite seguinte peguei apara de pizza e fiz sanduíche de chumbinho. Não amanheceu nada. Sinal de que comeu tudo. Na terceira eu deixei só caroços de chumbinho espalhados no roteiro dele. Amanheceu tudo do mesmo jeito. Mas a banana sempre mordiscada.

No reino animal deve ter um ministério publico para ratos. Não é possível. Deve ter.

Edson Vidigal

É simplesmente ridículo

Estamos perdendo a noção do ridículo. Só pode ser isso. Estamos tratando como normais certas situações - na política, na economia, no judiciário - que são simplesmente ridículas.

Querem começar pelo judiciário? Serve. Observem esta ementa do Superior Tribunal de Justiça, emitida em 20 de junho de 2012. Depois de repetir que se tratava da análise de embargos de declaração, um sobre o outro, conclui negando o último deles, "embargo de declaração no agravo regimental no recurso especial". Não é gozação.

Tratava-se de um caso simples. Um servidor aposentado do governo de Goiás que pretendia voltar ao trabalho na mesma administração estadual. O primeiro recurso chegou ao STJ em abril de 2008, negando a volta ao emprego. Seguiram-se oito embargos de declaração e três recursos e agravos, todos negados por unanimidade nas turmas. Mas a coisa só terminou em agosto de 2012.

Ocupou tempo de magistrados, a burocracia dos tribunais, para repetir a mesma decisão 11 vezes.

Esqueçam os termos jurídicos, o formalismo. É simplesmente ridículo.

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Vamos para a política? É até difícil escolher, mas considerem o presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira. Na terça, a Polícia Federal deu uma batida no gabinete, na casa e nos escritórios do parlamentar. Entre outras coisas, encontrou 200 mil reais em dinheiro vivo. O senador tem três inquéritos no âmbito da Lava Jato e é acusado de ter ameaçado uma testemunha, um ex-assessor.

O partido, o antigo PP, é o principal freguês da Lava Jato. Lembram-se do Paulo Roberto Costa, o primeiro diretor da Petrobras a ser apanhado no petrolão? Pois então, era indicação do PP.

Joesley Batista diz ter a gravação de uma conversa em que combina entregar uma mala de 500 mil para o senador.

E sabem o que aconteceu com o PP nesse tempo todo? Mudou o nome para Progressistas e, no troca-troca partidário, recebeu o maior número de deputados federais. Chegou a 50.

Ocorre que o partido controla três ministérios, mais a Caixa Econômica. Ou seja, vagas e verbas. O senador Ciro Nogueira ainda distribuirá o dinheiro do fundo partidário que vai financiar as campanhas eleitorais.

Progressistas? Ridículo, não é mesmo?

Pode um partido assim e um senador assim continuar no controle de boa parte do governo? Dizem: qual o problema?

No dia das batidas, o senador, acompanhado da esposa, estava em "missão oficial" no exterior, o que significa pago com o seu dinheiro, caro leitor. E sabe o que ele mandou dizer ao advogado? Fica tranquilo.

Aí já não é mais ridículo, é gozação com a gente.

Mas certamente foi ridícula a decisão de três ministros da Suprema Corte - Suprema! - ao determinar que as delações da Odebrecht a respeito da compra do prédio do Instituto Lula e da reforma do sítio de Atibaia sejam retiradas dos processos que correm em Curitiba sobre o que? O prédio e o sítio.

Dizem os ministros Gilmar Mendes, Lewandowski e Dias Toffoli que essas delações não têm nada a ver com a corrupção na Petrobras, caso que está na corte do juiz Moro. Logo, as delações devem ir para a Justiça Federal de São Paulo, onde não corre nenhum processo a respeito.

Reparem: na delação, o pessoal da Odebrecht afirma ter participado do petrolão e que os recursos ilícitos ali gerados eram distribuídos, entre outras pessoas, a Lula, propina materializada no prédio e no sítio. Os dois casos foram apurados pela Lava Jato de Curitiba, processados na Justiça Federal de lá, depoimentos tomados, provas colhidas - e aí vêm os três magistrados dizer que os processos ficam lá, mas não as delações que tratam exatamente daquela corrupção.

Tentam recuperar um formalismo jurídico cuja função é simplesmente anular processos. Assim: a prova existe, todo mundo sabe, mas a justiça não pode considerar.

Na delação, Emílio Odebrecht diz que preparou o sítio para Lula, que estava na conta da propina. Nada a ver, decidem os três juízes.

Esqueçam o Direito. É simplesmente ridículo.

Querem uma na economia? Temos. O cadastro positivo, a relação dos bons pagadores, cuja função, provada em outros países, é aumentar as garantias na concessão de crédito. E, pois, reduzir os juros ao tomador final.

Tem um projeto tramitando no Congresso, há anos. Opositores dizem que o cadastro é contra os pobres, as pessoas mais simples, que ficarão excluídas.

De onde tiram que "gente simples" é caloteira? O cadastro, onde existe, exclui, principalmente, os ricos caloteiros, os que dão grandes calotes.

Mas estão dizendo que o cadastro positivo é coisa da direita neoliberal. O Congresso está nisso há anos. E ainda esgoelam contra os juros altos. Ridículo.