sexta-feira, 31 de julho de 2015
Viúvas, pescadores e desempregados
O chamado ajuste fiscal foi um ajuste no cinto das viúvas, dos desempregados e dos pescadores. O governo reduziu brutalmente seu alcance, sob o argumento de que a realidade é pior do que imaginava. Ou o governo não tinha uma ideia precisa da realidade ou contou mais uma mentirinha para embalar o País. A tática de Dilma é esta. Ela não muda jamais. Apenas conta uma nova mentirinha para ganhar tempo. Foi assim nas eleições, foi assim com o ajuste fiscal.
Sempre que as coisas complicam, Dilma chama o marqueteiro João Santana para buscar uma saída. A próxima tese a ser desenvolvida no programa do PT, certamente ao som das caçarolas, é a de que o Brasil foi pior no passado. Essa brecha é excelente como orientação aos ministros. No caso do crescimento da dengue, poderiam fazer um programa mostrando que a gripe espanhola foi muito pior, ou a peste bubônica, por exemplo.
Uma das razões que condenam o ajuste fiscal de Dilma é o seu isolamento político. Quanto mais isolada, mais gastará para sair da marca do pênalti. Um exemplo: as emendas parlamentares. Em épocas normais, o governo as libera a conta-gotas. No auge da crise, está liberando geral, para evitar novas derrotas no Congresso. E vai empregar em massa quadros de segundo e de terceiro escalões.
O destino de Dilma, que precisa gastar para sobreviver e morre um pouco mais quando gasta, é parecido com o de um personagem de Balzac no livro que se chamou aqui A Pele de Onagro. A cada desejo que um talismã mágico realiza, a pele se contrai e a morte do dono do talismã se aproxima.
Isso é uma interpretação pessoal de um dos elos entre política e economia. Num cenário de triunfo do populismo, sobraria algum caminho demagógico para trilhar. Mas o Brasil iria para o espaço, não necessariamente para Plutão ou o Kepler-452b, mas para a Grécia em ruína.
Não é golpismo pensar no Brasil sem Dilma. Na verdade, é uma das tarefas dos que procuram uma saída no horizonte. Uma saída que só pode ser constitucional. O que há de golpismo em pedir impeachment de um presidente? Está previsto em lei.
A democracia é tão elástica que absorve até projetos que mudem a lei, como, por exemplo, a legalização da maconha e a união gay. Se não é proibido tentar, democraticamente, alterar uma lei, por que o seria utilizar uma lei que já existe?
Toda essa gritaria sobre golpismo é um mecanismo para intimidar. Agora decidiram, além de intimidar, comover a plateia. Lula disse que os petistas são perseguidos como os judeus no nazismo, os cristãos em Roma, os italianos no fascismo.
Curitiba não é Dachau ou Auschwitz. E em Roma os cristãos eram entregues ao leão na arena. Num único momento eu me lembrei do leão, um cara de bigode da Receita Federal que disse que havia arrecadado parte do imposto que as empreiteiras devem no petrolão e esperava arrecadar mais. Cristãos estão sendo trucidados no Oriente Médio. E um dos seus algozes é o Estado Islâmico, com quem Dilma queria dialogar.
Ao recusar um encontro com Dilma, a oposição mostrou que não gosta mais de apanhar. Já é um passo. Muito pequeno, entretanto, para o árduo período de transição até 2018, quando esperamos, simultaneamente, um abrandamento da crise e novas eleições.
Essa transição não se fará excluindo partidos políticos. Mas é preciso encontrar uma fórmula em que tenham peso também forças sociais não diretamente envolvidas com o processo eleitoral.
A transição é dura. Possivelmente, os líderes da oposição temem consertar todos os estragos feitos pelo PT, que usaria este período para propor de novo o paraíso. Eles temem, creio, um cenário perverso: o PT desorganiza a máquina econômica, se afasta durante o conserto e volta, triunfalmente, para arrasá-la de novo.
É um cenário que ignora o aprendizado do povo brasileiro e supõe que ele vá se comportar sempre da mesma maneira, independentemente de sua experiência histórica.
São essas dificuldades do Brasil pós-Dilma Rousseff que inibem a oposição e outros atores democráticos. A opção de deixá-la sangrando, fazer com que pague por seus erros, tem a força da inércia.
O fiasco do ajuste fiscal indica o horizonte de crise que se estende até, pelo menos, 2017. Para quem está desempregado, a crise adia suas esperanças; para quem teme o desemprego, aprofunda sua angústia; para quem tem sonhos de progredir no próprio emprego, a saída é se conformar.
São dois caminhos claros para a escolha nacional: com ou sem Dilma.
Naturalmente, há os que ainda acham o governo bom e gostariam de vê-lo continuar. São poucos, segundo as pesquisas. Mas, ainda assim, é muito grande o número de pessoas que acham que o governo deve prosseguir, apesar de tudo. Ou por um discutível respeito à lei ou pelo prazer de ver o PT se queimando nos incêndios que o próprio partido provocou.
Existem frentes, relativamente autônomas, impulsionando uma saída. Uma dessas frentes é o Tribunal de Contas da União (TCU), que julgará as pedaladas fiscais. Outra é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julgará as denúncias sobre a campanha de Dilma.
As anotações de Marcelo Odebrecht falam em avisar ao Edinho, tesoureiro de Dilma, que as contas na Suíça poderiam chegar à campanha dela. As contas na Suíça foram, parcialmente, reveladas.
Tudo isso já não depende tanto de interferência, apenas de atenção. O problema é pensar um caminho até 2018 com um enfoque na economia.
A tendência, além do aumento do desemprego e das tensões sociais, é também da multiplicação de ruínas, por falta de investimento. O projeto de Dilma, assim como o de Lula, era o de um crescimento impulsionado pelo poderoso Estado brasileiro, hoje falido.
No fundo, aquelas pontes fantasmas do Tocantins que ligam o nada a lugar nenhum são a antevisão de alguns esqueletos com os quais vamos conviver nos próximos anos.
Fernando Gabeira
A Justiça terá coragem de mandar prendder Eduardo Cunha?
Com frequência, pessoas são presas sob o entendimento da Justiça de que poderiam destruir ou adulterar provas que as incriminem.
Se existirem provas ou indícios veementes de que Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, pediu ou recebeu propinas, o mais aconselhável seria prendê-lo.
Para evitar o risco de que provas ou indícios contra eles sejam destruídos. E testemunhas intimidadas.
A advogada Beatriz Catta Preta, que negociou a delação premiada de nove de 25 presos da Operação Lava Jato, anunciou que desistiu da profissão diante de ameaças que recebeu.
O foco das ameaças: a CPI da Petrobras, controlada por Eduardo. Por mais que negue ele controla, sim a CPI. Ou pelo menos a maioria dos seus membros.
O empresário Júlio Camargo, ex-cliente da advogada, acusou o presidente da Câmara de ter recebido US$ 5 milhões de propina no escândalo da Petrobras.
Por que Camargo mentiria? Por que um delator mentiria? Para perder o direito de pegar uma pena mínima? Não faz sentido.
Antes, Eduardo fora acusado pelo doleiro Alberto Youssef de usar uma deputada sua aliada para constranger empresas que se recusaram a dar dinheiro para o PMDB. A aliada, de fato, tentou constranger.
Youssef disse também que estava sendo ameaçado por um deputado “pau-mandado” de Eduardo e membro da CPI da Petrobras.
O deputado Celso Pansera, do PMDB do Rio, pediu à CPI a quebra de sigilos da mulher e das filhas de Youssef. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou.
A defesa do empresário Camargo afirma que Eduardo está “agindo com a lógica da gangue”.
Terá o STF coragem para mandar prender Eduardo se for o caso?
A conferir.
Ricardo Noblat
Se existirem provas ou indícios veementes de que Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, pediu ou recebeu propinas, o mais aconselhável seria prendê-lo.
Para evitar o risco de que provas ou indícios contra eles sejam destruídos. E testemunhas intimidadas.
A advogada Beatriz Catta Preta, que negociou a delação premiada de nove de 25 presos da Operação Lava Jato, anunciou que desistiu da profissão diante de ameaças que recebeu.
O foco das ameaças: a CPI da Petrobras, controlada por Eduardo. Por mais que negue ele controla, sim a CPI. Ou pelo menos a maioria dos seus membros.
O empresário Júlio Camargo, ex-cliente da advogada, acusou o presidente da Câmara de ter recebido US$ 5 milhões de propina no escândalo da Petrobras.
Por que Camargo mentiria? Por que um delator mentiria? Para perder o direito de pegar uma pena mínima? Não faz sentido.
Antes, Eduardo fora acusado pelo doleiro Alberto Youssef de usar uma deputada sua aliada para constranger empresas que se recusaram a dar dinheiro para o PMDB. A aliada, de fato, tentou constranger.
Youssef disse também que estava sendo ameaçado por um deputado “pau-mandado” de Eduardo e membro da CPI da Petrobras.
O deputado Celso Pansera, do PMDB do Rio, pediu à CPI a quebra de sigilos da mulher e das filhas de Youssef. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou.
A defesa do empresário Camargo afirma que Eduardo está “agindo com a lógica da gangue”.
Terá o STF coragem para mandar prender Eduardo se for o caso?
A conferir.
Ricardo Noblat
Lição de Maquiavel
Aqueles que, só pela mão da fortuna, de vulgares cidadãos se tornam príncipes alcançam o mando com pouca fadiga, mas só com muito esforço o conseguem manter. Não experimentam dificuldades na caminhada para o poder, parecendo que para lá vão voando. As dificuldades surgem depois de serem entronizados. É o que sucede com aqueles a quem é dado um estado a troco de dinheiro ou por graça de quem o concede (...) Os que assim sobem à condição de príncipe ficam dependentes da vontade e da fortuna de quem lhes proporcionou o trono, que são duas coisas assaz volúveis e instáveis, não sabendo nem podendo garantir a sua conservação. Não sabem - porque, a menos que seja um homem de grande habilidade e virtude, não é razoável que, tendo sempre vivido como vulgar cidadão, saiba comandar; não podem - porque não dispõem de forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disto, os estados que surgem de repente, como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem rapidamente, não desenvolvem as raízes, o tronco e os ramos, sendo destruídos pelo primeiro temporal. Isto, a menos que aqueles que, como eu disse, de repente se tornaram príncipes possuam tanta virtude como a fortuna que tiveram quando o estado lhes caiu no regaço e saibam, rapidamente, preparar-se para o conservar. E aqueles pressupostos que outros preencheram antes de se tornarem príncipes sejam por eles reunidos posteriormente.
Nicolau Maquiavel (1469 - 1527)
Itaboraí definha junto com o caos da Petrobras
A aparência desértica do estacionamento e dos corredores do único shopping center de Itaboraí é uma perfeita metáfora do colapso sofrido por essa localidade a 50 quilômetros do Rio de Janeiro. Apenas meia centena de automóveis se distribuem em um estacionamento com capacidade para 1.000 veículos, enquanto um hotel, uma faculdade, 160 espaços comerciais, 10 salas de cinema e uma praça de alimentação que pode abrigar mil pessoas completam uma área praticamente vazia.
“Mal chegamos a 60% da cifra planejada do negócio”, explica Sharline Oliveira, dona de um salão de manicure situado no shopping. Durante a meia hora de duração da entrevista, suas seis funcionárias aguardam sentadas a chegada de clientes que, prevê João, empregado de uma franquia de fast-food, dificilmente aparecerão. “Como as pessoas vão vir consumir se toda Itaboraí perdeu o emprego?”, argumenta.
Para um centro urbano de apenas 200.000 pessoas, que não passava de mais uma cidade-dormitório do Rio, o investimento de 265 milhões de reais destinado a erguer o shopping center foi notável. Mas, até que tudo desmoronasse, os ambiciosos planos petroleiros que o Governo brasileiro e sua empresa de ponta de lança, a estatal Petrobras, tinham para a localidade convidavam a ser otimistas. Muitos pensaram que a história de Itaboraí daria um giro em 2006, quando em decorrência do descobrimento das maiores reservas petrolíferas da história do Brasil (o chamado pré-sal, mar adentro), o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou no município “o maior investimento feito no país”: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, conhecido em geral pelos brasileiros por sua sigla, Comperj.
O projeto era extraordinariamente ambicioso em seu impacto socioeconômico. Uma unidade de tratamento de gás natural, duas refinarias e uma zona de processamento petroquímico deveriam ser erguidas em uma área de 45 quilômetros quadrados, e os empregos gerados direta ou indiretamente superariam os 200.000. “Não conheço na América Latina um investimento da magnitude do que estamos lançando aqui”, disse Lula em 2010, ao inaugurar as obras com um discurso marcadamente nacionalista. “O século XXI é o século do Brasil. Já perdemos algumas oportunidades, mas não perderemos esta”, concluiu o ex-sindicalista, ao lado de sua mão direita à época, Dilma Rousseff, que liderou o Conselho de Administração da Petrobras entre 2003 e 2010, antes de se tornar presidenta do país.
Ao evocar esse episódio, Helil Cardozo, prefeito de Itaboraí, sente uma irrefreável indignação. “Riram da população e dos investidores que acreditaram nessas palavras. Disseram que iríamos ser a segunda renda mais alta do Estado do Rio de Janeiro. Foi uma piada de mau gosto”, recorda esse prefeito pelo PMDB, paradoxalmente o maior aliado do Governo.
Quase uma década depois de seu anúncio, o Comperj é talvez a melhor ilustração da corrupção, das ineficiências e do intervencionismo político que gangrenam a Petrobras, a maior empresa do Brasil, guardiã das reservas de petróleo e até pouco tempo motivo de orgulho nacional. Como ponto forte de um longo decálogo de más práticas sobressai a redução drástica e súbita do Comperj original – inicialmente, a ideia era criar um polo petroquímico, mas agora tudo se resumirá a uma refinaria com capacidade diária para 165.000 barris –, sem que essa degradação tenha evitado, porém, que o custo orçamentário triplicasse, até os atuais 70 bilhões de reais. Uma cifra colossal à qual terão de ser adicionados alguns milhões mais para concluir as obras, hoje paradas, com 85% terminado.
Leia mais
“Mal chegamos a 60% da cifra planejada do negócio”, explica Sharline Oliveira, dona de um salão de manicure situado no shopping. Durante a meia hora de duração da entrevista, suas seis funcionárias aguardam sentadas a chegada de clientes que, prevê João, empregado de uma franquia de fast-food, dificilmente aparecerão. “Como as pessoas vão vir consumir se toda Itaboraí perdeu o emprego?”, argumenta.
Para um centro urbano de apenas 200.000 pessoas, que não passava de mais uma cidade-dormitório do Rio, o investimento de 265 milhões de reais destinado a erguer o shopping center foi notável. Mas, até que tudo desmoronasse, os ambiciosos planos petroleiros que o Governo brasileiro e sua empresa de ponta de lança, a estatal Petrobras, tinham para a localidade convidavam a ser otimistas. Muitos pensaram que a história de Itaboraí daria um giro em 2006, quando em decorrência do descobrimento das maiores reservas petrolíferas da história do Brasil (o chamado pré-sal, mar adentro), o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou no município “o maior investimento feito no país”: o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, conhecido em geral pelos brasileiros por sua sigla, Comperj.
O projeto era extraordinariamente ambicioso em seu impacto socioeconômico. Uma unidade de tratamento de gás natural, duas refinarias e uma zona de processamento petroquímico deveriam ser erguidas em uma área de 45 quilômetros quadrados, e os empregos gerados direta ou indiretamente superariam os 200.000. “Não conheço na América Latina um investimento da magnitude do que estamos lançando aqui”, disse Lula em 2010, ao inaugurar as obras com um discurso marcadamente nacionalista. “O século XXI é o século do Brasil. Já perdemos algumas oportunidades, mas não perderemos esta”, concluiu o ex-sindicalista, ao lado de sua mão direita à época, Dilma Rousseff, que liderou o Conselho de Administração da Petrobras entre 2003 e 2010, antes de se tornar presidenta do país.
Ao evocar esse episódio, Helil Cardozo, prefeito de Itaboraí, sente uma irrefreável indignação. “Riram da população e dos investidores que acreditaram nessas palavras. Disseram que iríamos ser a segunda renda mais alta do Estado do Rio de Janeiro. Foi uma piada de mau gosto”, recorda esse prefeito pelo PMDB, paradoxalmente o maior aliado do Governo.
Quase uma década depois de seu anúncio, o Comperj é talvez a melhor ilustração da corrupção, das ineficiências e do intervencionismo político que gangrenam a Petrobras, a maior empresa do Brasil, guardiã das reservas de petróleo e até pouco tempo motivo de orgulho nacional. Como ponto forte de um longo decálogo de más práticas sobressai a redução drástica e súbita do Comperj original – inicialmente, a ideia era criar um polo petroquímico, mas agora tudo se resumirá a uma refinaria com capacidade diária para 165.000 barris –, sem que essa degradação tenha evitado, porém, que o custo orçamentário triplicasse, até os atuais 70 bilhões de reais. Uma cifra colossal à qual terão de ser adicionados alguns milhões mais para concluir as obras, hoje paradas, com 85% terminado.
Longe de se transformar no novo eldorado do Brasil moderno, o fracasso do projeto provocou “uma situação de caos no município”, explica o prefeito. Um cenário que é consequência da chegada de mais de 30.000 trabalhadores, com suas famílias, em busca de oportunidades, e que motivou um aumento da demanda de serviços e fez disparar os gastos públicos, hoje insustentáveis.A corrupção na Petrobras, unida à queda do preço do petróleo e ao custo ambiental, dinamitaram o sonho de prosperidade de milhões de brasileiros
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Hay gobierno?
No dia seguinte à definição (???) das urnas, ainda hoje meio cabulosa, o país deveria ter presidente. A mesma presidente. Mas não foi tudo como antes no quartel de Abrantes.
Os dias, as mentiras e a corrupção começaram a desbotar a imagem presidencial. A própria foi se desfazendo em areia.
O país atônito se vê diante de algo inusitado como nunca antes. A presidente vai desaparecendo. Primeiro, de cena, um zumbi vagando pelos corredores sombrios do Planalto. Depois a Presidência se esfumaça.
E o governo, que assim deveria ser referido, é um aglomerado de gente falando em governabilidade, que se precisa de pacto ficou pelo caminho. Ouve-se apenas a voz sombria de um fantasma de presidente a clamar apoios para que ressuscite, não para que o país tenha realmente um governante de verdade. É apenas um zumbido vindo de um poço sem fim que só almeja terminar um mandato custe o que custar ao povo, pois novamente fará um acerto endiabrado.
O governo escoa pela ampulheta. É apenas a faixa levada pelo chão, aos ventos de momento, para onde também se arrasta o Brasil.
Entre Dr. Jekylkl e Mr. Hyde
Pode até dar certo, se o plenário da Câmara rejeitar a abertura dos doze pedidos de abertura de processo de impeachment contra Madame, que passaram das gavetas da escrivaninha de Cunha para o conjunto de papéis a despachar.
O problema é que enquanto pratica a estratégia de dialogar com seus supostos aliados, a presidente continua a maltratar a população. Acaba de vetar o projeto de lei que dá aos aposentados e pensionistas da Previdência Social o reajuste salarial nos moldes do aumento do salário mínimo.Traduzindo: penaliza dezenas de milhões de cidadãos cada vez mais impossibilitados de sobreviver com a merreca recebida todo fim de mês. Vai vetar, também, o fim do fator previdenciário criado por Fernando Henrique com o intuito de gradativamente diminuir o valor das pensões e aposentadorias. Daqui a alguns anos todo aposentado ou pensionista estará nivelado por baixo, recebendo apenas o salário mínimo.
Fica estabelecido o conflito: como Dilma imagina recuperar a popularidade e restabelecer a confiança da nação no governo, se continua a sacrificar os menos favorecidos? Não haverá bolsa-família que dê jeito.
Quanto aos governadores, que tipo de ajuda poderão oferecer à União, se vêm sendo por ela tosquiados rotineiramente? Não há um chefe de executivo estadual que não se sinta à beira de um colapso nervoso. Caminham todos para atropelar a Lei da Responsabilidade Fiscal ou, como alternativa, a ingovernabilidade. Sem falar na impossibilidade de cumprir suas promessas de campanha.
O desemprego avança a passos largos, a alta do custo de vida também, enquanto o governo não para de aumentar os juros, favorecendo o lucro dos bancos e os interesses dos nossos credores. A impressão que se tem, com todo o respeito, é que vivemos sob a égide do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde, instalados ora no palácio da Alvorada, ora no palácio do Planalto.A verdadeira base que a presidente deveria solidificar é a sindical, mas como conseguir se os próprios representantes dos trabalhadores começam a engrossar as fileiras de suas bases indignadas? Ainda esta semana a CUT promoveu manifestação em frente ao ministério da Fazenda, protestando contra o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy.
Carlos Chagas
quinta-feira, 30 de julho de 2015
Investigação contra Lula pode ser 'exemplo ao mundo'
A
abertura de uma investigação no Ministério Público Federal do Distrito
Federal para apurar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
praticou tráfico de influência após ter deixado o governo quase não
encontra paralelo em outros países, o que demonstra como o
relacionamento entre ex-líderes e grandes empresas se situa numa zona
legal cinzenta, dizem especialistas em corrupção ouvidos pela BBC
Brasil.
A investigação refere-se à suposta atuação de Lula em favor da construtora Odebrecht em contratos internacionais financiados pelo BNDES. O Instituto Lula, do ex-presidente, nega haver irregularidades em suas atividades.
Alejandro Salas, diretor de Américas da Transparência Internacional, disse que o fato de o Brasil ser uma das maiores economias mundiais, ter destaque na comunidade internacional e de Lula ser personalidade importante podem fazer com que a investigação sirva de modelo.
"Seria um enorme exemplo para o mundo. Pode realmente ser o começo de novas regulações e controles", disse ele à BBC Brasil.
"Há sempre um problema no fato de um ex-presidente usar seus contatos, seu poder, para ajudar determinados interesses, isso em si já traz implicações éticas."
Segundo o cientista político Michael Johnston, professor da Colgate University, em Nova York, a investigação é "incomum", mas pode servir de modelo.
"O Brasil é observado muito atentamente, e estamos falando de um personagem muito poderoso e de uma investigação que ocorre em um momento crucial no desenvolvimento do país", diz.
Leia mais a reportagem
Dois métodos: a Lava-Jato e o chinês
O governo chinês informou ontem: de 2012 até aqui, recuperou US$ 6,2 bilhões que haviam sido roubados por “centenas de milhares” de funcionários e membros do Partido Comunista. Isso dá pouco mais de R$ 19 bilhões, valor desviado apenas da Petrobras, segundo estimativas dos procuradores da Lava-Jato.
A campanha anticorrupção na China é uma iniciativa do presidente Xi Jinping, aplicada pela temida Comissão Central para Inspeção Disciplinar. Trata-se de uma ditadura, de modo que eles frequentemente passam por cima do que chamam lá de formalidades judiciais — isso de não poder prender sem uma consistente acusação formal ou de precisar de processo para recuperar o dinheiro roubado.
Claro que isso permite ao governo escolher seus alvos, transformando o combate à corrupção em ação política para apanhar adversários. Por aqui, a Lava-Jato segue nos termos da lei e da democracia. Não foi politizada nem instrumentalizada por grupos ou partidos. Ainda bem.
O método chinês vai mais rápido. Sabe aquela situação na qual todo mundo sabe que fulano está roubando, mas ainda não deu para dar o flagrante? Pois é, lá na China a Comissão Disciplinar pode prender e, então, sabe-se lá com quais pressões, procura as provas.
Aqui, muita gente ainda diz que a Lava-Jato frequentemente avança o sinal. É que não sabem como se faz nas ditaduras. A Lava-Jato vai muito depressa em comparação com os velhos padrões brasileiros — quando as “formalidades judiciais” garantiam a impunidade.
Era assim: o sujeito trabalha numa estatal ou no governo ou no partido do governo e está associado a uma consultoria privada; a empresa tal ganha um contrato com a estatal e faz um pagamento à consultoria privada. Diziam os envolvidos e pegava: são contratos separados, coisas diferentes, com coincidência fortuita de pagamentos. Qual é?
Vai um advogado dizer isso hoje para o juiz Moro.
Por outro lado, há uma novidade histórica que devemos ao governo americano. Na busca do dinheiro do terrorismo e do tráfico, as autoridades dos Estados Unidos simplesmente acabaram com o sigilo fiscal e bancário lá e no mundo.
Quer dizer, não acabaram propriamente. Mas se criou uma legislação, hoje universalizada, que torna mais simples e rápido quebrar sigilos quando há fundadas suspeitas, descobertas nos termos da lei.
Era praticamente impossível achar uma conta de um banco suíço. Hoje é até fácil. Os banqueiros têm pavor de serem acusados de acobertar fortunas roubadas ou do tráfico.
A mudança brasileira foi a introdução da delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta em que recebeu e o banco dá a sequência do dinheiro.
Tudo considerado, duas observações: primeira, o método chinês vai mais rápido, mas o método Lava-Jato é mais seguro para as pessoas e as instituições; segunda, e terrível para nós, a roubalheira aqui foi maior que na
China, cuja economia é quatro vezes maior.
Reparem de novo: depois de três anos de dura campanha, os chineses recuperaram o equivalente a R$ 19 bilhões. Dado o sistema deles, é provável que já tenham apanhado a maior parte da corrupção. Ora, só na Petrobras, os procuradores acreditam ter havido roubo de R$ 19 bilhões, dos quais R$ 6 bi já admitidos formalmente pela estatal, em balanço. E está começando só agora a fase do setor elétrico, o segundo da lista.
Conclusão: estamos apanhando aqui os maiores escândalos corporativos do mundo. No sistema formal, demora mais para recuperar a propina distribuída, mas a coisa está andando nessa direção.
Finalmente, há outro ponto em comum. Aqui e na China, a corrupção começa no governo e suas estatais, nas tenebrosas relações com empresas privadas.
A presidente Dilma andou dizendo que a Lava-Jato subtraiu um ponto percentual do PIB. Nada disso. A corrupção estatal/privado subtraiu muitos pontos ao gerar desperdício, perdas e ineficiências. Ou seja, o combate à corrupção precisa de um complemento: uma ampla privatização e um bom ambiente de negócios para quem quer ganhar dinheiro honestamente — um sistema impessoal que privilegie a eficiência, a competitividade, a produtividade.
Enquanto conseguir uma vantagem qualquer em Brasília for mais barato e mais fácil do que investir no negócio para ganhar produtividade, o país não vai crescer. Nem será justo.
Carlos Alberto Sardenberg
A campanha anticorrupção na China é uma iniciativa do presidente Xi Jinping, aplicada pela temida Comissão Central para Inspeção Disciplinar. Trata-se de uma ditadura, de modo que eles frequentemente passam por cima do que chamam lá de formalidades judiciais — isso de não poder prender sem uma consistente acusação formal ou de precisar de processo para recuperar o dinheiro roubado.
Claro que isso permite ao governo escolher seus alvos, transformando o combate à corrupção em ação política para apanhar adversários. Por aqui, a Lava-Jato segue nos termos da lei e da democracia. Não foi politizada nem instrumentalizada por grupos ou partidos. Ainda bem.
O método chinês vai mais rápido. Sabe aquela situação na qual todo mundo sabe que fulano está roubando, mas ainda não deu para dar o flagrante? Pois é, lá na China a Comissão Disciplinar pode prender e, então, sabe-se lá com quais pressões, procura as provas.
Aqui, muita gente ainda diz que a Lava-Jato frequentemente avança o sinal. É que não sabem como se faz nas ditaduras. A Lava-Jato vai muito depressa em comparação com os velhos padrões brasileiros — quando as “formalidades judiciais” garantiam a impunidade.
Era assim: o sujeito trabalha numa estatal ou no governo ou no partido do governo e está associado a uma consultoria privada; a empresa tal ganha um contrato com a estatal e faz um pagamento à consultoria privada. Diziam os envolvidos e pegava: são contratos separados, coisas diferentes, com coincidência fortuita de pagamentos. Qual é?
Vai um advogado dizer isso hoje para o juiz Moro.
Por outro lado, há uma novidade histórica que devemos ao governo americano. Na busca do dinheiro do terrorismo e do tráfico, as autoridades dos Estados Unidos simplesmente acabaram com o sigilo fiscal e bancário lá e no mundo.
Quer dizer, não acabaram propriamente. Mas se criou uma legislação, hoje universalizada, que torna mais simples e rápido quebrar sigilos quando há fundadas suspeitas, descobertas nos termos da lei.
Era praticamente impossível achar uma conta de um banco suíço. Hoje é até fácil. Os banqueiros têm pavor de serem acusados de acobertar fortunas roubadas ou do tráfico.
A mudança brasileira foi a introdução da delação premiada. O sujeito confessa, indica a conta em que recebeu e o banco dá a sequência do dinheiro.
Tudo considerado, duas observações: primeira, o método chinês vai mais rápido, mas o método Lava-Jato é mais seguro para as pessoas e as instituições; segunda, e terrível para nós, a roubalheira aqui foi maior que na
China, cuja economia é quatro vezes maior.
Reparem de novo: depois de três anos de dura campanha, os chineses recuperaram o equivalente a R$ 19 bilhões. Dado o sistema deles, é provável que já tenham apanhado a maior parte da corrupção. Ora, só na Petrobras, os procuradores acreditam ter havido roubo de R$ 19 bilhões, dos quais R$ 6 bi já admitidos formalmente pela estatal, em balanço. E está começando só agora a fase do setor elétrico, o segundo da lista.
Conclusão: estamos apanhando aqui os maiores escândalos corporativos do mundo. No sistema formal, demora mais para recuperar a propina distribuída, mas a coisa está andando nessa direção.
Finalmente, há outro ponto em comum. Aqui e na China, a corrupção começa no governo e suas estatais, nas tenebrosas relações com empresas privadas.
A presidente Dilma andou dizendo que a Lava-Jato subtraiu um ponto percentual do PIB. Nada disso. A corrupção estatal/privado subtraiu muitos pontos ao gerar desperdício, perdas e ineficiências. Ou seja, o combate à corrupção precisa de um complemento: uma ampla privatização e um bom ambiente de negócios para quem quer ganhar dinheiro honestamente — um sistema impessoal que privilegie a eficiência, a competitividade, a produtividade.
Enquanto conseguir uma vantagem qualquer em Brasília for mais barato e mais fácil do que investir no negócio para ganhar produtividade, o país não vai crescer. Nem será justo.
Carlos Alberto Sardenberg
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