Um protesto a favor do governo com palavras de ordem contra a política econômica desse mesmo governo deve ser um cupuaçu. Ou uma mangaba.
Ideia infeliz colocar na rua, cinco dias depois das manifestações nacionais contra o governo, pequenos grupos uniformizados de protestadores oficiais, envergando uniformes de centrais sindicais, movimentos sociais atrelados a partidos, indignados chapa branca, transportados por ônibus fretados, gritando palavras de ordem incoerentes, entre o fica Dilma e vai embora Levy.
Sim, pode-se alegar que nas manifestações de domingo, incomparavelmente maiores, havia aqui e ali alguns lunáticos pedindo “intervenção militar”, provavelmente por absoluta ignorância da ruina que isso significa para um processo democrático.
As manifestações de domingo, nas quais timidamente o PSDB pegou carona pela primeira vez, são o reflexo de um sentimento nacional de desagrado contra a corrupção e os erros do governo. Nessa carroça, embarca quem quer- e a falta de uma direção politicamente unificada e orgânica priva o movimento de uma linha reivindicatória que represente um objetivo político claro. A linha condutora é a rejeição ao governo do PT, ao partido em si, às suas lideranças e às consequências de suas políticas e seus atos.
Pode-se dizer que o PT está colhendo as tempestades dos ventos que plantou.
As pessoas empenhadas em desconstruir e desqualificar as manifestações de domingo, deram-se ao trabalho de pescar no meio da multidão indistinta algumas aberrações políticas, comportamentais ou humanas para tentar transformá-las numa espécie de tipologia comum a todos os que protestavam.
Essa tentativa, por mais malucos que tenha conseguido tipificar, não apagou o fato de que apenas 7,7% dos brasileiros aprovam o governo Dilma- como lembrou o jornalista Ancelmo Gois.
Alguns cartazes dos manifestantes davam apoio ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que na quinta-feira viria a ser denunciado pelo procurador geral Rodrigo Janot por corrupção e que perderia, em consequência, grande parte de sua influência como articulador dos projetos-bomba contra o governo dentro do Legislativo.
Enquanto não renunciar, ou não for obrigado a afastar-se da presidência da Câmara em função da denúncia, Eduardo Cunha ainda guardará o poder até de acolher e um eventual pedido de impeachment, ainda que com muito menos balas na agulha.
Ao mesmo tempo em que Cunha enfraquece, o governo se ampara em Renan Calheiros, também citado na Lava Jato, mas ainda não denunciado ,o que levou à suspeita de que haveria um “acordão" entre governo, procurador e aliados para aliviar a barra de Dilma no Congresso.
A batalha política de parlamento e as maquinações de bastidores parecem encaminhar-se ao estabelecimento de uma trégua informal que pode dar mais tranquilidade e mais tempo para a presidente Dilma. Os mais céticos perguntam: sim, mas mais tempo para que? Não há nenhum sinal de que a presidente pretenda definir um rumo para seu governo.
Enquanto isso, a última batalha das ruas terminou com uma goleada alemã dos descontentes sobre os quase-contentes.
Ricardo Noblat
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