domingo, 19 de junho de 2016

Um país sem líderes e sem heróis

O Brasil está à procura de um herói. O herói que se procura não é quem opera milagres, um São Jorge de espadas determinado a matar os dragões da maldade. Conhecemos um deles no passado, aquele que foi à arena para enfrentar “os marajás” e acabou sendo tragado pela maré da corrupção. Um impeachment ceifou sua trajetória como presidente da República. Que Deus nos livre de guerreiros que se vestem com o manto de Salvadores da Pátria.

Nessa Nação sem novos líderes, os heróis do cotidiano mais se aproximam dos jovens quadros que militam no Judiciário e no Ministério Público, a partir do perfil do juiz Sérgio Moro. Na frente política, os entes partidários, com pouquíssimas exceções, são todos japoneses, ou seja, assemelhados. Aqueles que parecem se banhar com gotas de águas éticas acabam, mais cedo ou mais tarde, mostrando que suas roupas também se sujaram na lama que respinga sobre os vãos da politicagem. Até Marina Silva, que respirava puros ares amazônicos, é flagrada nos cofres do Caixa 2 de uma empreiteira.


Está difícil achar alguém com traje de vestal. No máximo, o que se pode dizer dos atores políticos é que uns levaram mais grana que outros, a comprovar diferenças entre lotes de recursos, gordos para os grandes partidos, magros para as siglas de pequeno porte. Daí a conclusão de não haver inocentes no paiol da política. Não adianta distinguir as culpas pelo tamanho de fatias maiores ou menores. O saudoso Ulysses Guimarães já dizia: “uma pessoa 99% honesta é 100% desonesta, porque não existe honestidade relativa”. Ou se é honesto ou não. É como a gravidez. Inexiste mulher mais ou menos grávida. Portanto, os participantes do banquete político provam o mesmo cardápio.

Faltam heróis em todas as paredes. Na política, na administração, nos negócios e até nos esportes. Eike Batista, o mega empreendedor, foi defenestrado dos seus mega negócios; Dilma, que assumiu o primeiro mandato envergando a roupa de excelente gerente, deixou o Brasil quebrado; a seleção brasileira acaba de ser despedida da Copa América, fazendo papel decepcionante na era Dunga, o volante que acaba de ser expelido pela CBF. Os esportes estão todos carimbados de cifrões. Neymar desfila sua riqueza nos palcos da Europa, soltando palavras ácidas contra aqueles que criticam a seleção. As disputas são movidas pela força do metal. O glamour se esvai dos estádios, sufocando nossas emoções. O mundo se materializa.

O que sobra de bom e onde? Seriam os jovens procuradores que cercam Rodrigo Janot, ou, ainda, os membros da República de Curitiba? Talvez, mas estes mesmos parecem encantados com a pirotecnia do Estado-Espetáculo. Dão muitas entrevistas, polemizam, atiram verbos contundentes para cima e para os lados, enquanto sua postura deveria ser a de agentes silenciosos em defesa da sociedade. O juiz Moro, mesmo cumprindo sua função (muito bem) parece deslumbrado com a fosforescência midiática. No Congresso Nacional, alguns perfis sobressaem pelo teor crítico de sua locução. Mas os posicionamentos mais firmes de uns acabam ofuscados pelas fogueiras que se acendem ao redor. Vejam a deputada Jandira Feghali. Considerada baluarte da esquerda, guerreira que luta na defesa da presidente Dilma, é alvo de tiroteio de Sérgio Machado, ex-senador, hoje o grande delator.

“Ninguém pode desfrutar das coisas sagradas enquanto não estiver a limpo de corpo e de espírito”. A lição do Levítico, da Bíblia, cai bem no nosso momento. Ninguém pode almejar o paraíso se não for puro. Os impuros e os pecadores hão de pagar seus pecados no purgatório, se não forem condenados diretamente ao fogo do inferno. Pois bem, importantes habitantes do planeta político aguardam no purgatório o desfecho para seu destino e alguns já estão queimando nas chamas do inferno. Está em jogo não apenas a imagem devastada dos representantes sociais. Está em jogo a própria credibilidade da instituição parlamentar, atingida por impactantes eventos dos porões da corrupção. A cada dia, aumenta a lista de políticos pendurados nas planilhas das empreiteiras. A pergunta procede: quem não recebeu nada de empresas? Quem está imune às críticas?

Daqui a pouco a comunidade nacional entrará no clima das eleições municipais. Veremos nas telas de TV um desfile de caras e bocas. No palanque eletrônico ouviremos compromissos e promessas. Infelizmente, a demagogia vai continuar nas expressões mirabolantes, na recitação artificial de qualidades inventadas, na exposição de cenários e propostas irreais. O pleito nivelará os competidores. Vai juntar, lado a lado, pessoas de boa e má fé, bem intencionados, interesseiros e oportunistas. Siglas de aluguel se misturando a grandes partidos, que, por sua vez, desfigurados de doutrina, vão aparecer como massas amorfas. Quantos serão movidos pelo espírito de civismo? Os prefeitos que estão se re-candidatando fizeram ou não uma boa administração? Os novos representam efetivamente a inovação ou são apenas velhos perfis embalados no celofane do marketing?

Mas nem tudo estará perdido. Do lado dos eleitores, há um senso crítico em efervescente evolução. Na esteira da crise moral, a sociedade se torna mais racional e crítica. Passou a acompanhar de perto o desempenho dos atores. Até espera pelo cardápio indigesto que os telejornais oferecerão à noite. Nos recantos mais distantes, a vacina ética se diz presente. Há um eleitorado maciço que ainda vive sob os braços assistencialistas do Estado. Mas este próprio grupo se indigna contra o estado de descalabro em que se encontra o país. O voto de consciência se expande na esteira de um movimento concêntrico, que faz marolas por todas as partes, saindo do centro da sociedade para as margens. Um sopro de oxigênio invade os pulmões sociais.

Se ainda há canalhas desejando parecer santos, heróis ou salvadores da Pátria, acabarão sendo identificados pela lupa social. Que sabe muito bem que nomes guardar no santuário de seus corações
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário