Já é razoável o consenso de que a função da mente é controlar o corpo. E que na vida, sem um mínimo de interdição e autoridade, a vaca vai para o brejo. O sofrimento incompreensível, a alegria inexplicável, as habilidades inadequadas que estimulam, pessoas agitadas buscando satisfação, ritmos e interesses variados, uma autossensualidade que lembra parte de alguma coisa e aparenta desejos impacientes: não há experiência terapêutica que o salve dessa normalidade anormal.
O repertório de estímulos automáticos que o leva a funcionar fora de hora, sem hora para nada, não pode ser conhecido para não amenizar, em quem o observa, o prestígio e o sem sentido das coisas inaceitáveis que motiva.
E o que acontece de mágico, devorador, com quem contribui para ele se manter um mito sempre renovado, se for desconhecido por quem o tem como poder, agrada ao corpo, mas não dá folga ao coração. É bom entender pouco do seu funcionamento; é essencial ter por ele lucidez sem esperança. Se virar um deus, distancia dele.
O agitado personagem que descrevo não é o parlamento, nem qualquer um dos poderes do Estado. É o dinheiro, que adquiriu uma sexualidade tão excitada que misturou pecado e crime, separou família, matou sem prender, vestiu ao avesso o pano e a casaca, manipula a política como a um fantoche.
Minha sugestão é que: (1) como nunca foi claro para todos por que o interesse pelo dinheiro ultrapassa a satisfação saudável das necessidades; (2) como o relacionamento ilícito de muitas autoridades com ele está, como um animal daninho, devorando todas as nossas instituições; (3) como a gíria mais falada por empreiteiros patrióticos tornou-se o suborno, não o concreto armado; (4) como as indulgências voltaram a ser vendidas e (5) como o parlamento não para nunca com medo de tocar no assunto, é hora de discutir a equação entre dinheiro e necessidade como o centro do descomedimento da soberania nacional.
Quando o dinheiro não tiver mais a estonteante e tumultuosa importância que tem para desalentados reformadores sociais, poderá surgir uma camaradagem instantânea entre ele e as necessidades básicas, objetivas, como alimentação, e também com as subjetivas, como a admiração.
O sistema de representação poderá se fundar em outro código moral, pois toda pessoa que tem preço e o dinheiro paga, perceberá que, no fundo, é uma pessoa barata. O sistema judiciário, com seus artifícios destinados a produzir juízes e promotores ricos de salário — e pobres de sabedoria —, poderá se convencer que o amor ao dinheiro destrói todo outro tipo de amor e sabota os melhores desejos e apetites humanos, inclusive a cegueira romântica que enforma a Justiça para juízes honrados.
E no Executivo, carente de amigos, diminuiria a força do baba-ovo e das contas publicitárias geradoras desse caldeirão borbulhante que é o “fato político”, com suas mentiras, dinheiro estrangeiro e jatinhos para pobres de espírito.
Nem toda riqueza está assentada no culto do dinheiro, mas os que baseiam seu prestígio no medo de não ter outra referência de poder, lamento supor que aí falta um pai, não o dinheiro.
Paulo Delgado
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