segunda-feira, 13 de abril de 2015

O imperador

Quando descobri a carta do tarô, apareceu o “imperador”, em seguida uma tenda e um banquete vegetariano, estilo sírio. Entre almofadões, sobre um tapete de fina lã jazia uma imensa bandeja de comida – cores intensas, temperos e em volta um perfume de jasmim e âmbar, exalando de cascas de madeira.
Sentavam-se sete indivíduos vestindo imaculado algodão, amaciado com cinzas de amoreira e flores de lavanda. Aí estavam, além do imperador Napoleão Bonaparte, o filósofo romano Cícero, o gênio Bill Gates, o sábio grego Pitágoras, o Mahatma Gandhi, o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade. Eu, naturalmente, para lavar os pratos.

Uma oportunidade insólita, num lugar pouco comentado.

O imperador pretende avaliar suas proezas que findaram na solidão e morte em Santa Helena. O banquete serve para purgar pecados? Aliviar a consciência? Mais provavelmente, para livrar-se de novos erros em vidas que virão.

Pessoas evoluídas falam saborosamente o essencial, as palavras têm o valor da interrupção do silêncio, momento em que Deus se comunica por Si.

Um adjetivo nessas rodas pesa uma montanha. A essencialidade distingue o sábio do estulto que usa prosa (narcisista) e se vangloria de sua suposta grandeza. Na realidade, o sucesso não precisa ser explicado. A verdadeira compreensão se dá na atemporalidade da intuição, nos flashes que gravam a alma eternamente.

Todos já estão acomodados na tenda árabe quando Napoleão quebra o silêncio: “Um dia senti que era preciso sair em busca de um objetivo que desconhecia...”

Cícero considera: “Homem algum jamais foi bem-sucedido sem um toque de inspiração divina”. Teria faltado Deus (e sobrado o diabo) nas escolhas de Napoleão?

Pitágoras reflete: “A melhor maneira de que o homem dispõe para se aperfeiçoar é aproximar-se de Deus”. O imperador confessa que fez isso tardiamente, no isolamento da derrota, na ilha de Santa Helena, dedicando-se ao estudo da Bíblia.

Bill Gates mostra o rumo que mudou a vida do planeta: “Para eliminar erros e se chegar ao sucesso, é preciso prestar atenção nos mais insatisfeitos, são a maior fonte de aprendizado”.

“Napoleão” – observa o vetusto Pitágoras –, “você quis ser dono do mundo continuando a ser, no fundo, um homem comum, pouco mais que um miserável, que não sabe ver todo o bem que está a sua volta”. Do alto da majestade, se inquieta e reconhece: “A impaciência foi meu grande obstáculo”. “Sim” – ouve em resposta –, “você deixou de eleger por amigos os mais virtuosos que conheceu e se rodeou de espertos insaciáveis...”

Concorda o imperador: “Os sábios são os que mais buscam a sabedoria. Os tolos, dos quais me cerquei, pensam tê-la encontrado”.

Sugere o grego: “Anima-te mais por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê-las”.

“Precisei ser um vendedor de esperança, e nisso o entusiasmo foi a minha maior força...”
Lá de fora alguém sussurrou, não foi suficiente: “Faltou usar a inteligência com amor, a força com compaixão, a justiça com misericórdia... As sementes que você plantou saíram da terra... e se mostraram...”

Gandhi intervém com parcimônia: “A não violência, o jejum e o silêncio, não os exércitos, me levaram à vitória, sem atirar, amei meu povo, com amor e por amor alcancei a meta”. Ainda observa: “Impressiona-me nos fracos que eles perdem tempo e precisam humilhar os outros para se sentirem fortes”. Nisso aceleram a catástrofe.

Depois, a voz mineira de Drummond: “Fácil é fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para dizer a verdade quando for preciso”.

“O sucesso nas batalhas me fez tantos falsos amigos, quantos a derrota espantou”.

Cícero, com o olhar faiscante: “Quando eu descobrir quem realmente eu sou, já não haverá mais tempo”. Lembre-te Napoleão que a compreensão da personagem, e não a pressa, evita falhas cruciais, que obrigarão ao repetir-se de tudo... numa eternidade que não tem pressa alguma.
Fim do encontro, Napoleão agradece os sábios conselhos: “Gênio é quem, para evoluir, sabe aplicar a arte da oportunidade”.

Eu, antes de começar a recolher os pratos, afetuosamente abracei o imperador. Obrigado. Até a próxima.

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