quinta-feira, 28 de maio de 2020

Para bom entendedor, um pingo é letra

Na manhã do último sábado, quando repercutia a incrível e patética reunião do dia 22 de abril, do presidente Bolsonaro com seus ministros – de Estado, esclareça-se –, fui caminhar aos pés da serra do Curral. Éramos um grupo de cinco amigos, três homens e duas mulheres. Um deles me perguntou, antes mesmo do cumprimento, que se dá à distância de um metro e meio ou por meio dos cotovelos: “Qual é sua opinião sobre a reunião do último dia 22 de abril”?

Fui salvo por um dito popular do qual não se lembram as atuais gerações, mas já foi muito usado pela minha geração: “Para bom entendedor, um pingo é letra”.

Na verdade, tentava em vão não dizer nada sobre algo que me deixara, no começo da noite de sexta-feira, quase prostrado. A pandemia que avançou sobre o mundo, a partir da cidade de Wuhan, na China, o pandemônio político no qual se transformou este país faz tempo, como já disse e repito, aliados aos problemas naturais da vida, podem acabar com qualquer ser humano sensível e capaz de imaginar no que se poderá transformar nosso país em futuro próximo.


Para não alongar mais uma conversa sobre episódio que me jogara na mais profunda tristeza, mesmo não o tendo visto por inteiro naquele dia, devolvi-lhe a pergunta: “E você, assistiu, do princípio ao fim, à reunião dita ministerial?”. Após sua confirmação, me limitei a um balbucio, algo mais ou menos assim: “Se viu, não vejo necessidade de qualquer comentário complementar. Você viu, e pronto”.

Doce ilusão – não com meu amigo e companheiro de caminhada, que compartilhava comigo da mesma tristeza, revolta, melancolia, angústia ou qualquer outro nome que se possa dar a isso, mas com os aplausos que ouvi, li e vi, de fontes as mais variadas, ao longo desses dias que vieram depois da liberação do vídeo, pelo ministro do STF, Celso de Mello. Um vídeo que mostrava não uma reunião de ministros, mas uma verdadeira “pajelança”, como disse Gabeira, com vistas a animar o público-alvo ou seus pretensos ministros, digo eu, leitor.

Passaram-se três dias e li, anteontem, quase que sem acreditar, no “Estado de S. Paulo”, esta manchete: “Ministros militares agora negociam cargos com Centrão”. Depois, li em “O Globo” que o presidente Bolsonaro, após declarar em nota “compromisso e respeito com a democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário”, além de pedir o fim do inquérito sobre interferência na Polícia Federal, fez uma visita-surpresa ao procurador geral da República, Augusto Aras, responsável pela investigação. O chefe da PGR ficou feliz com a visita: “Estaremos esperando vossa excelência com a alegria de sempre”.

“O príncipe que pode fazer o que quiser é um louco”, escreveu Maquiavel em 1532, em sua mais conhecida obra, “O Príncipe”. É ainda dele: “Não há poder que dure para sempre”.

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