segunda-feira, 15 de abril de 2019

A perda das ilusões

Existem décadas intermináveis, em que a história parece se arrastar. Eleições são vencidas e perdidas, leis são adotadas e revogadas, estrelas nascem e pessoas ilustres vão para o túmulo. Mas a despeito do caráter prosaico da passagem do tempo, as estrelas- -guia da cultura, da sociedade e da política seguem as mesmas.

E existem também anos breves em que tudo muda abruptamente. Novas figuras políticas tomam o palco de assalto. Eleitores clamam por políticas públicas que até o dia anterior eram impensáveis. Tensões sociais que por muito tempo fervilharam sob a superfície vêm à tona numa explosão terrível. O sistema de governo que antes parecia inabalável dá sinais de que vai desmoronar.

É o tipo de momento em que vivemos hoje. Até há pouco tempo, a democracia liberal reinava absoluta. A despeito de todas as suas deficiências, a maioria dos cidadãos parecia profundamente comprometida com sua forma de governo. A economia estava em crescimento. Os partidos radicais eram insignificantes. Os cientistas políticos achavam que em lugares como a França ou os Estados Unidos a democracia chegara para ficar fazia um bom tempo e que em anos vindouros pouca coisa mudaria. Politicamente falando, assim parecia, o futuro não seria  muito diferente do passado.

Então o futuro chegou — e se revelou, na verdade, bem diferente. 

A desilusão do cidadão com a política é coisa antiga; hoje em dia, ele está cada vez mais inquieto, raivoso, até desdenhoso. Faz tempo que os sistemas partidários parecem paralisados; hoje, o populismo autoritário cresce no mundo todo, da América à Europa e da Ásia à Austrália. Não é de hoje que os eleitores repudiam esse ou aquele partido, político ou governo; agora, muitos deles parecem estar fartos da democracia liberal em si.

A eleição de Donald Trump para a Casa Branca foi a manifestação mais aparente da crise da democracia. Nunca é demais frisar o que significou a ascensão de Trump. Pela primeira vez em sua história, a democracia mais antiga e poderosa do mundo elegeu um presidente que despreza abertamente normas constitucionais básicas — alguém que deixou seus apoiadores “em suspense”,
ameaçando não aceitar o resultado da eleição; que defendeu a prisão de sua principal opositora política; e que sem exceção preferiu os adversários autoritários do país a seus aliados democráticos.

Mesmo se no fim das contas Trump for cerceado pelos mecanismos institucionais de controle, a disposição do povo americano em eleger um aspirante a déspota para o cargo mais alto do país é um péssimo sinal.

E a eleição de Trump dificilmente pode ser considerada um incidente isolado. Na Rússia e na Turquia, déspotas eleitos conseguiram transformar democracias incipientes em ditaduras eleitorais. Na Polônia e na Hungria, líderes populistas rezam essa mesma cartilha para destruir a liberdade de imprensa, solapar as instituições independentes e calar a oposição. Mais países em breve seguirão o mesmo caminho. Na Áustria, um candidato de extrema direita quase ganhou a presidência.

Na França, o panorama político em rápida transformação está oferecendo novas oportunidades tanto para a extrema esquerda como para a extrema direita. Na Espanha e na Grécia, sistemas partidários estabelecidos estão se desintegrando a uma velocidade alarmante. Mesmo nas democracias supostamente estáveis e tolerantes — Suécia, Alemanha, Holanda —, os extremistas têm celebrado triunfos sem precedentes.

Não resta mais a menor dúvida de que estamos em um momento populista. A questão agora é se esse momento populista vai se tornar uma era populista — e pôr em xeque a própria sobrevivência da democracia liberal.

Yascha Mounk, "O povo contra a democracia"

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