Os indignados seletivos são uma espécie recém-descoberta. Ninguém sabe se eles sempre existiram. Mas, nos últimos meses, eles podem ser vistos em profusão.
O indignado seletivo é aquele capaz de se inflamar durante uma discussão sobre o Bolsa Família. Sua revolta vem do fato de achar que o programa do governo “sustenta vagabundos”. Ele acha uma indignação o Bolsa Família pagar R$ 35 mensais a brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais. Acha absurdo quando uma família pobre ou extremamente pobre, que tenha em sua composição gestantes, mães que amamentam, crianças e adolescentes de 0 a 16 anos incompletos, acumula até 5 benefícios, o que daria a quantia de R$ 175. Para o indignado seletivo, porém, não há problema algum em todos os juízes e promotores do país receberem auxílio-moradia no valor mensal de R$ 4.377,73, independentemente de o magistrado morar ou não em imóvel próprio e/ou suas despesas com aluguel ou hotel serem inferiores a esse valor. Afinal, o salário de um juiz nunca é menos que R$ 25 mil, e R$ 4.3777,73 é uma ajudinha justa.
O indignado seletivo foi capaz de sair na rua com nariz de palhaço para protestar contra a vinda de médicos cubanos para trabalhar no país, num acordo similar ao que fazem 58 nações pelo mundo. Os cubanos vieram para atuar em municípios que não atraíram o interesse de nenhum médico brasileiro, a despeito da bolsa de R$ 10 mil oferecida pelo governo. O indignado seletivo, porém, comemora a chegada de empregadas domésticas filipinas ao Brasil. Mesmo que a vinda dessas profissionais não seja regularizada pelo governo, mas sim feita por uma agência particular. Afinal, “o povo filipino gosta de servir”, não se importa de dormir no serviço e “não fica de má vontade” como as empregadas brasileiras. E ainda, vejam só, fazem as crianças treinarem o inglês: “Good morning, Liza, milk, please”.
O indignado seletivo sai às ruas para protestar contra a corrupção do governo e vai pra cima de qualquer pessoa que esteja usando vermelho, a cor que sintetiza todo o Mal… Mas veste a camisa da CBF, porque “uma coisa não tem nada a ver com a outra”.
O indignado seletivo também é seletivo quando o assunto é “a ética, a moral e os bons costumes”. Ele boicota a novela das nove porque acha uma pouca vergonha sua filhinha ver o selinho de duas senhoras lésbicas. Mas a filhinha assiste numa boa uma trama que mostra assassinato, corrupção, traição, tráfico de drogas e cenas quentes entre pessoas de sexo oposto.
Não espere, portanto, que o indignado seletivo se choque com a sanguinolenta repressão a professores do Paraná, com o deputado que bate na colega no Congresso, com o racismo praticado pelo atleta que representa o Brasil mundo afora, com a homofobia que mata um a cada 28 horas no país, com o assassinato de 82 jovens por dia no Brasil, com a prostituição infantil, que vitimiza cerca de 500 mil crianças.
O indignado seletivo gosta de protestar contra coisas bastante específicas em domingos ensolarados, acompanhado da família, dos amigos e de seus celulares… O indignado seletivo adora bater panelas, dentro de suas casas. Ele já até baixou um aplicativo para isso, porque bater panela dói a mão.
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