sábado, 21 de março de 2020

Pare, resista e aproveite para pensar

Esta ameaça, dura, inesperada e global, dá-nos uma oportunidade que não podemos desperdiçar: já que somos obrigados a parar as nossas rotinas habituais, temos o dever de saber resistir ao medo e de aproveitar este momento ímpar para pensar naquilo que devem ser as nossas vidas, as nossas prioridades, o nosso papel, tanto ao nível individual como de sociedade.

Se há lição que podemos tirar, desde já, quando ainda estamos no início de uma longa e dura batalha contra a pandemia Covid-19, é a de que todos nós – do cidadão mais anónimo à personalidade mais poderosa – somos, em igual medida, vulneráveis à Natureza (algo de que nem sempre todos se lembram quando se trata das alterações climáticas). Como temos visto, quase em direto e sem interrupções, o vírus não distingue fronteiras nem classes sociais. Também, na sua progressão, não diferencia latitudes nem climas quentes, temperados ou frios. É tão global quanto a globalização que fomos construindo ao longo dos anos – não usa os ventos e marés para se mover, mas sim os nossos aviões, barcos e os meios de transporte com que fomos construindo a aldeia global em que habitamos.

Somos nós que propagamos o vírus. Todos podemos contagiar alguém, embora só alguns fiquem doentes e possam morrer. Mas todos – mesmo todos – temos um papel importante a desempenhar neste combate para evitar mais vítimas. A realidade é esta: por aquilo que fazemos e conforme nos comportamos, no dia a dia, nós podemos mudar vidas – para o bem e para o mal.


É essa uma das lições que podemos retirar destes tempos, e que tem sido esquecida tantas vezes no processo recente de globalização, em que se tornou fácil deslocalizar indústrias e serviços, como se o mundo fosse composto por uma maioria de pessoas irrelevantes, que podem ser usadas e depressa substituídas. Afinal, o que esta epidemia nos lembra é que cada um de nós – ricos ou pobres, anónimos ou famosos, poderosos ou indigentes – tem, individualmente, um impacto na vida de todos. É também nestes momentos que percebemos que, mais importante do que aquilo que pensamos, dizemos, vestimos ou mostramos, são os nossos comportamentos que realmente interessam e têm impacto em quem nos rodeia. E todas as ações têm consequências.

Estamos numa guerra. A guerra mundial das nossas gerações. Sabemos, pela História, que foi no “pós” das anteriores guerras mundiais que se tomaram as melhores e as piores decisões, com influência direta nas nossas vidas. Foi depois das grandes guerras que se definiram algumas das fronteiras que arrastaram o mundo para a loucura. Mas foi também depois dos horrores dessas guerras que floresceram algumas das melhores utopias de sempre e se criaram, por exemplo, documentos ambiciosos e inspiradores, de que o melhor exemplo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Apesar de, atualmente, o poder de muitos países estar entregue a demasiadas pessoas de vistas curtas e até, em alguns casos, muito pouco recomendáveis, não devem existir dúvidas de que a Humanidade vai conseguir ganhar esta guerra. O conhecimento existente, a cooperação científica sem fronteiras e a generosidade espontânea de milhões de pessoas dão-nos essa garantia.

Por isso, por sabermos que a guerra será ganha, mais tarde ou mais cedo, é que se revela tão importante não desperdiçar a oportunidade única que ela nos deu: parar para pensar. Agora, mesmo que não o quiséssemos, temos tempo para o que costumamos dizer não ter tempo: refletir sobre as nossas vidas, perceber o que podemos melhorar. Tanto ao nível individual como coletivo. Será dessa reflexão que encontraremos a solução para evitar – ou não – as próximas guerras.

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