quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
Presidente meia bomba
Poucas horas depois, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão Filho, confirmou o que Guedes dissera – com um detalhe que pode fazer diferença. Segundo Mourão a reforma para os civis será por meio de uma emenda à Constituição. A dos militares, via projeto de lei.
Tarde da noite, o secretário da Previdência, Rogério Marinho, anunciou que “por determinação do presidente Jair Bolsonaro” todos os segmentos da sociedade serão atingidos pela reforma. Os militares “vão entrar no processo”, fez questão de destacar o secretário.
No caso, não se pode falar em bate-cabeça entre integrantes coroados do governo. Eles disseram a mesma coisa. Mas pode-se falar em uma luta surda por protagonismo. Guedes fez o que lhe cabia. Mourão, o que gosta de fazer – comentar. Bolsonaro, o que dê a impressão de que é ele quem manda.
O incômodo de Bolsonaro com Mourão, mas não só com ele, foi o que o levou a pelo menos formalmente reassumir a presidência da República apenas 48 horas depois de ter sido operado pela terceira vez desde que um louco o esfaqueou em Juiz de Fora, em setembro do ano passado.
Primeiro foi dito que ele, a partir de ontem, despacharia com ministros no hospital Alberto Einstein, em São Paulo, de onde só deverá sair daqui a 10 dias. Depois se informou que, a princípio, ele não pode falar e que, por isso, os despachos seriam por vídeo, e-mail e recursos semelhantes.
Que mal haveria para o país e para o próprio Bolsonaro se Mourão ficasse durante mais alguns dias no exercício da presidência da República? Para a recuperação plena de Bolsonaro, talvez fosse o mais indicado. Para o ego dele, talvez não. Teremos um presidente meia bomba até a próxima semana.
Privilégio na prisão
Por decisão corroborada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o sr. Lula da Silva cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba. Apesar disso - em si um favorecimento -, repetem-se as tentativas de dar ao ex-presidente mais tratamentos especiais, aos quais nenhum outro presidiário no País tem direito. Essas manobras para conceder privilégios inéditos ao líder petista são uma afronta ao princípio da igualdade de todos perante a lei.
O ex-presidente Lula da Silva requereu à Justiça autorização para comparecer ao velório do seu irmão Genival Inácio da Silva. Seu pedido foi negado tendo por fundamento o relatório da Polícia Federal que atestou a impossibilidade de levar, com segurança e a tempo, o presidiário até o local do velório, em São Bernardo do Campo (SP).
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) estabelece que “os condenados que cumprem pena em regime fechado (...) poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”. A lei não concede um direito irrestrito e automático. Em caso de falecimento de familiares próximos, os presos “poderão obter” a permissão de saída, a ser autorizada pelo diretor de estabelecimento penal.
Não satisfeito com a impossibilidade reconhecida pela PF, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu uma criativa ordem de habeas corpus de ofício, arbitrando que o preso Lula da Silva teria direito de se encontrar com os seus familiares em uma unidade militar, “inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos ser levado à referida unidade militar, a critério da família”.
Trata-se de tratamento privilegiado. Nenhum preso tem à sua disposição unidade militar para se encontrar com familiares por ocasião do falecimento de um ente querido. Qual é a razão, portanto, para oferecer tal mimo ao líder petista?
A condição de ex-presidente da República exige das autoridades policiais alguns cuidados em relação ao preso Lula da Silva. Em seu caso, a simples visita a um velório poderia gerar transtornos e riscos para a ordem pública, além da possibilidade de transformar o que deveria ser um ato de solidariedade familiar, íntimo, em comício político - o que não apresenta nenhuma correspondência com as situações previstas na Lei de Execução Penal.
O fato de Lula da Silva ter-se recusado a ir a São Bernardo do Campo nas condições concedidas pelo presidente do STF não elimina o arbítrio da concessão do privilégio, ao qual nem ele nem outro preso teria direito. Não cabe à Justiça criar direitos exclusivos para um presidiário. É preciso habituar-se à ideia de que o ex-presidente tem de cumprir sua pena como todos os outros presos.
O ex-presidente Lula da Silva requereu à Justiça autorização para comparecer ao velório do seu irmão Genival Inácio da Silva. Seu pedido foi negado tendo por fundamento o relatório da Polícia Federal que atestou a impossibilidade de levar, com segurança e a tempo, o presidiário até o local do velório, em São Bernardo do Campo (SP).
O deslocamento do ex-presidente exigiria “um transporte de helicóptero da sede da Superintendência da PF em Curitiba até o primeiro aeroporto, uma aeronave da PF - com a devida segurança e piloto próprio - para o transporte entre Curitiba e São Paulo e outro helicóptero até o cemitério”, afirmou a PF. No entanto, não havia helicópteros disponíveis, já que “estão sendo utilizados para apoio aos resgates das vítimas de Brumadinho”. E, não fosse isso, a aeronave seria cedida ao réu condenado?
A análise de risco da PF concluiu ainda que levar Lula da Silva até São Bernardo do Campo poderia ocasionar situações graves, como a “fuga ou resgate do ex-presidente Lula; atentado contra a vida do ex-presidente Lula; atentados contra agentes públicos; comprometimento da ordem pública; protestos de simpatizantes e apoiadores do ex-presidente Lula; protestos de grupos de pressão contrários ao ex-presidente Lula”. Não havia, pois, razoabilidade em autorizar a ida de Lula da Silva ao velório do irmão. Esqueceu-se de argumentar que lugar de preso é na cadeia, onde deveria estar justamente porque cometeu, por vontade própria, atos que o colocaram à margem da sociedade, aí incluídos aqueles referentes à sua família. Há exceções.
A análise de risco da PF concluiu ainda que levar Lula da Silva até São Bernardo do Campo poderia ocasionar situações graves, como a “fuga ou resgate do ex-presidente Lula; atentado contra a vida do ex-presidente Lula; atentados contra agentes públicos; comprometimento da ordem pública; protestos de simpatizantes e apoiadores do ex-presidente Lula; protestos de grupos de pressão contrários ao ex-presidente Lula”. Não havia, pois, razoabilidade em autorizar a ida de Lula da Silva ao velório do irmão. Esqueceu-se de argumentar que lugar de preso é na cadeia, onde deveria estar justamente porque cometeu, por vontade própria, atos que o colocaram à margem da sociedade, aí incluídos aqueles referentes à sua família. Há exceções.
A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) estabelece que “os condenados que cumprem pena em regime fechado (...) poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”. A lei não concede um direito irrestrito e automático. Em caso de falecimento de familiares próximos, os presos “poderão obter” a permissão de saída, a ser autorizada pelo diretor de estabelecimento penal.
Não satisfeito com a impossibilidade reconhecida pela PF, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu uma criativa ordem de habeas corpus de ofício, arbitrando que o preso Lula da Silva teria direito de se encontrar com os seus familiares em uma unidade militar, “inclusive com a possibilidade do corpo do de cujos ser levado à referida unidade militar, a critério da família”.
Trata-se de tratamento privilegiado. Nenhum preso tem à sua disposição unidade militar para se encontrar com familiares por ocasião do falecimento de um ente querido. Qual é a razão, portanto, para oferecer tal mimo ao líder petista?
A condição de ex-presidente da República exige das autoridades policiais alguns cuidados em relação ao preso Lula da Silva. Em seu caso, a simples visita a um velório poderia gerar transtornos e riscos para a ordem pública, além da possibilidade de transformar o que deveria ser um ato de solidariedade familiar, íntimo, em comício político - o que não apresenta nenhuma correspondência com as situações previstas na Lei de Execução Penal.
O fato de Lula da Silva ter-se recusado a ir a São Bernardo do Campo nas condições concedidas pelo presidente do STF não elimina o arbítrio da concessão do privilégio, ao qual nem ele nem outro preso teria direito. Não cabe à Justiça criar direitos exclusivos para um presidiário. É preciso habituar-se à ideia de que o ex-presidente tem de cumprir sua pena como todos os outros presos.
Marco Aurélio vai melar a festa
Flávio ganhou uma recepção típica de políticos envolvidos em grandes escândalos. Assim que pisou no prédio, foi rodeado por um batalhão de repórteres. Ele apressou o passo, mas não conseguiu escapar do cerco.
Ao ouvira primeira pergunta, sacou uma desculpa surrada: “Está todo mundo vendo que eu sou vítima de perseguição ”. Em seguida, tentou desconversar :“Já falei o que tem [sic] que falar. Não tem novidade nenhuma”.
Não é bem assim. A primeira novidade virá amanhã mesmo. O ministro Marco Aurélio Mello deve cassar a liminar do colega Luiz Fux que blindou o senador. “A decisão sai na sexta-feira. As investigações estão paradas, não podem continuar assim”, disse à coluna.
Depois do dia 1º, a situação de Flávio tende a se complicar. Sem a proteção do foro privilegiado, seu caso deverá ser devolvido à primeira instância. Os promotores vão receber novas informações do Coaf. Se quiserem, também poderão avançar na apuração sobre os elos da família presidencial com as milícias.
Apesar dos 4,3 milhões de votos, o senador chega a Brasília enfraquecido. Isso explica sua mudança de tom ao falar de Renan Calheiros. Até outro dia, os Bolsonaro prometiam escantear o emedebista na disputa pelo comando do Senado. Agora podem ser obrigados a beijar sua mão para salvar o mandato do zero-um.
Ao opinar contra o pedido de Lula para acompanhar o velório do irmão, um direito assegurado em lei, os procuradores de Curitiba escreveram que o ex-presidente “não é um preso comum”. Já tinha dado para perceber.
Ministro da Educação diz que 'universidade é somente para algumas pessoas'
A universidade "não é para todos", disse o ministro Ricardo Vélez Rodriguez (Educação) em vídeo veiculado no Twitter. Ele avalia que o ensino superior é "somente para algumas pessoas"; que têm desejo e capacitação. Numa crítica velada ao sistema de cotas, Vélez declarou que a melhor forma de democratizar as universidade é o "ensino básico de qualidade". Não disse o que pretende fazer para qualificar o ensino.
Vélez levou o vídeo ao ar dois dias depois da publicação de uma entrevista que concedera ao jornal Valor. Nela, o ministro defendeu a valorização do ensino técnico como porta de acesso rápido dos jovens ao mercado de trabalho. E acrescentou: "A ideia de universidade para todos não existe."
O ministro insinuou na entrevista que, para muitos, o banco de universidade pode ser uma perda de tempo, pois não faz sentido o sujeito estudar durante anos para ser advogado e depois virar motorista de Uber. "Nada contra o Uber, mas esse cidadão poderia ter evitado perder seis anos estudando legislação", afirmou.
Vélez esmiuçou seu raciocínio com um comentário que ateou polêmica nas redes sociais: "As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica." Foi a péssima repercussão do comentário que levou o ministro a retornar ao tema. Em vez de convocar os jornalistas, Vélez recorreu às redes sociais, tal como costuma fazer o chefe Jair Bolsonaro.
"Digo que universidade, do ponto de vista da capacidade, não é para todos. Somente algumas pessoas que têm desejo de estudos superiores e que se habilitam para isso entram na universidade", declarou Vélez, expressando-se num em português "espanholado"; "O que não significa que eu não defenda a democracia na universidade. A universidade tem que ser democrática."
Ou seja, todos aqueles que quiserem entrar estarem em pé de igualdade para poder competir pelo ingresso na universidade ", prosseguiu o ministro. "Então, a coisa melhor para democratizar a universidade, sabe qual é? Ensino básico de qualidade, onde todo mundo se forma, todo mundo se habilita e todo mundo pode competir em pé de igualdade. Universidade para todos, nesse sentido, vale."
É improvável que as novas declarações do ministro da Educação apaguem a polêmica que ele próprio acendeu.
Explicação complicada
O conservador e o atrasado
Foi a gente atrasada que levou o Brasil a ser um dos últimos países a abolir a escravidão e a adotar o sistema de milhagem para os passageiros de aviões, deixando a rota Rio-São Paulo de fora.
É a gente atrasada quem trava os projetos de segurança das barragens que tramitam no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas Gerais.
Essa gente atrasada estagnou a economia durante o século 19 e, no 20, faliu as grandes companhias de aviação brasileiras. No 21, produziu os desastres de Mariana e Brumadinho.
Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República com uma plataforma conservadora, amparado pelo atraso. Sua campanha contra os organismos defensores do meio ambiente foi a prova disso. Não falava em nome do empresariado moderno do agronegócio, mas da banda troglodita que se confunde com ele. Felizmente, preservou o Ministério do Meio Ambiente.
Outra bandeira de sua ascensão foi a defesa da lei e da ordem. A conexão dos "rolos" de Fabrício Queiroz com as milícias do Rio de Janeiro ilustrou quanto havia de atraso na sua retórica. (O Esquadrão da Morte do Rio surgiu em 1958 e anos depois alguns de seus "homens de ouro" tinham um pé no crime.)
Nos anos 70, o presidente de Scuderie Le Cocq era contrabandista, e o delegado Sérgio Fleury, grão-mestre do esquadrão paulista, ilustre janízaro da repressão política, protegia traficantes de drogas.
Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram conservadores, já os patronos dos esquadrões foram e são simplesmente atrasados. Por isso, Nova York e Londres são cidades seguras, enquanto o Rio é o que é. O detento Sérgio Cabral dizia que favelas eram fábricas de marginais.
As mineradoras nacionais moveram-se nos escurinhos do poder, e mesmo depois do desastre de Mariana bloquearam as iniciativas que aumentariam a segurança das barragens. Deu Brumadinho. As perdas da Vale nas Bolsas e com as faturas dos advogados superarão de muito o que custaria a proteção de Brumadinho. Será a conta do atraso.
Com menos de um mês de governo, Jair Bolsonaro foi confrontado pela diferença entre conservadorismo e atraso. Seu mandato popular ampara-se numa plataforma conservadora com propostas atrasadas. Muita gente que votou nele pode detestar o Ibama e as ONGs do meio ambiente. Também pode achar que bandido bom é bandido morto.
Quando acontecem desgraças como Brumadinho ou quando são expostas as vísceras das milícias e seus mensalinhos, essas mesmas pessoas mudam de assunto e o presidente fica só, como ficou o general João Figueiredo depois do atentado do Riocentro.
O atraso é camaleônico. Escravocratas do Império tornaram-se presidentes na República Velha. A Federação das Indústrias de São Paulo financiou o DOI, aderiu à Nova República e varreu os crimes da ditadura para a porta dos quartéis.
Trogloditas do agronegócio e espertalhões das mineradoras sabem o que querem. Conviveram com o comissariado petista esperando por um Messias. Tiveram-no. Quando a Vale caiu na frigideira, fizeram o que deviam e, num só dia, venderam suas ações derrubando em R$ 71 bilhões o seu valor de mercado.
Durante a campanha eleitoral, quando confrontado com os problemas que encontraria na Presidência, Bolsonaro repetia um versículo do Evangelho de João:
"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
Brumadinho e suas relações com Fabrício Queiroz mostraram a Jair Bolsonaro o verdadeiro rosto do atraso.
Elio Gaspari
Estatizem o Estado
Vamos falar francamente: no mundo real da política, o governo federal exerce – ou pode exercer – muita influência sobre a Vale, assim como a Vale exerce influência sobre governos federal e estaduais.
Não que o presidente Bolsonaro possa mandar demitir Fabio Schvartsman. Mas pode complicar muita a vida do executivo da Vale, até conseguir sua saída.
Já aconteceu antes, nos dois sentidos. Lula e Dilma forçaram a demissão de Roger Agnelli, em 2011, porque este queria dirigir a mineradora como se fosse uma empresa privada, independente do governo. Depois, Dilma e Lula controlaram a escolha do sucessor, Murilo Ferreira, assim como Temer coordenou a indicação de Schvartsman, com a participação de Aécio Neves, já que a Vale sempre foi considerada um “patrimônio” mineiro.
Duas circunstâncias permitem esses arranjos, um econômico, outro político. No econômico: o governo é o maior acionista da Vale.
Somando as participações dos fundos de pensão de estatais, Previ, Petros e Funcef, mais as ações do BNDES, o governo tem 27,7% do capital da mineradora. A segunda maior participação é do Bradesco, com 5,80%.
No momento, a Vale passa uma complexa mudança estrutural, cujo objetivo é tornar a empresa totalmente aberta. Mas até aqui, há um grupo de acionistas controladores , formado justamente pelos fundos de estatais, BNDES, Bradesco e a japonesa Mitsui. Como nem o Bradesco nem os japoneses querem brigar com o governo, dá para entender quem exerce a maior influência. Esse é o fator político.
Esqueçam, portanto, a tal “Golden share”, de propriedade do governo. Ela só serve para o Planalto impedir, por exemplo, a transferência da companhia para o exterior, o que não passa pela cabeça de ninguém.
Dirão: mas os fundos de pensão de estatais são entidades independentes.
Deveriam ser. Na prática, sempre foram, digamos, coordenados pelo governo. Nos tempos do PT, então, o aparelhamento foi total, levando-se os fundos a negócios e investimentos, digamos, duvidosos.
Portanto, a providência mais importante a ser tomada é a completa privatização da Vale e sua transformação numa companhia pública, no sentido americano da palavra. Uma empresa aberta de capital pulverizado em bolsas, administrada profissionalmente. Esse processo já está em curso e precisa ser mantido.
E já que estamos no assunto, é preciso introduzir regras mais firmes que garantam a autonomia dos fundos de pensão.
A segunda grande providência é no sentido inverso: a estatização do Estado, ou seja, das agências reguladores e fiscalizadoras.
A trama política nas relações Vale/governo/Congresso/assembleias legislativas inclui um controle sobre agências que deveriam regular a mineração. São inúmeros os casos de atuação de políticos lobistas em favor das mineradoras, quer facilitando licenciamentos, por exemplo, quer derrubando normas mais rigorosas para o controle da atividade.
Mas a arma mais poderosa é quase silenciosa: o aparelhamento político agências reguladoras e o seu “desaparelhamento” prático. Exemplo: a recente Agência Nacional de Mineração, criada para colocar moral nessa história, tem 35 agentes para fiscalizar 790 barragens de rejeitos mais o funcionamento de minas e a situação da pesquisa mineral. E vem o governo atual dizer que vai fiscalizar nada menos que 3.386 de barragens de algum risco. (Notaram a precisão do número?)
Nesse ambiente, não é de estranhar que surjam propostas tão equivocadas, como a de intervenção federal na Vale, tão ilegal quanto inútil. Assim como um suposto endurecimento da legislação, inútil se não há instrumentos de aplicação.
Além disso, essa situação prejudica o debate sobre o licenciamento ambiental. Uns querem afrouxar, outros, apertar. Mas o problema não está aí, está na “privatização” e no aparelhamento das agências.
Do jeito que está o debate, corremos o risco de ou liberar geral ou proibir tudo.
Como resolver, então? Simples, copiem do Canadá.
Não que o presidente Bolsonaro possa mandar demitir Fabio Schvartsman. Mas pode complicar muita a vida do executivo da Vale, até conseguir sua saída.
Já aconteceu antes, nos dois sentidos. Lula e Dilma forçaram a demissão de Roger Agnelli, em 2011, porque este queria dirigir a mineradora como se fosse uma empresa privada, independente do governo. Depois, Dilma e Lula controlaram a escolha do sucessor, Murilo Ferreira, assim como Temer coordenou a indicação de Schvartsman, com a participação de Aécio Neves, já que a Vale sempre foi considerada um “patrimônio” mineiro.
Duas circunstâncias permitem esses arranjos, um econômico, outro político. No econômico: o governo é o maior acionista da Vale.
Somando as participações dos fundos de pensão de estatais, Previ, Petros e Funcef, mais as ações do BNDES, o governo tem 27,7% do capital da mineradora. A segunda maior participação é do Bradesco, com 5,80%.
No momento, a Vale passa uma complexa mudança estrutural, cujo objetivo é tornar a empresa totalmente aberta. Mas até aqui, há um grupo de acionistas controladores , formado justamente pelos fundos de estatais, BNDES, Bradesco e a japonesa Mitsui. Como nem o Bradesco nem os japoneses querem brigar com o governo, dá para entender quem exerce a maior influência. Esse é o fator político.
Esqueçam, portanto, a tal “Golden share”, de propriedade do governo. Ela só serve para o Planalto impedir, por exemplo, a transferência da companhia para o exterior, o que não passa pela cabeça de ninguém.
Dirão: mas os fundos de pensão de estatais são entidades independentes.
Deveriam ser. Na prática, sempre foram, digamos, coordenados pelo governo. Nos tempos do PT, então, o aparelhamento foi total, levando-se os fundos a negócios e investimentos, digamos, duvidosos.
Portanto, a providência mais importante a ser tomada é a completa privatização da Vale e sua transformação numa companhia pública, no sentido americano da palavra. Uma empresa aberta de capital pulverizado em bolsas, administrada profissionalmente. Esse processo já está em curso e precisa ser mantido.
E já que estamos no assunto, é preciso introduzir regras mais firmes que garantam a autonomia dos fundos de pensão.
A segunda grande providência é no sentido inverso: a estatização do Estado, ou seja, das agências reguladores e fiscalizadoras.
A trama política nas relações Vale/governo/Congresso/assembleias legislativas inclui um controle sobre agências que deveriam regular a mineração. São inúmeros os casos de atuação de políticos lobistas em favor das mineradoras, quer facilitando licenciamentos, por exemplo, quer derrubando normas mais rigorosas para o controle da atividade.
Mas a arma mais poderosa é quase silenciosa: o aparelhamento político agências reguladoras e o seu “desaparelhamento” prático. Exemplo: a recente Agência Nacional de Mineração, criada para colocar moral nessa história, tem 35 agentes para fiscalizar 790 barragens de rejeitos mais o funcionamento de minas e a situação da pesquisa mineral. E vem o governo atual dizer que vai fiscalizar nada menos que 3.386 de barragens de algum risco. (Notaram a precisão do número?)
Nesse ambiente, não é de estranhar que surjam propostas tão equivocadas, como a de intervenção federal na Vale, tão ilegal quanto inútil. Assim como um suposto endurecimento da legislação, inútil se não há instrumentos de aplicação.
Além disso, essa situação prejudica o debate sobre o licenciamento ambiental. Uns querem afrouxar, outros, apertar. Mas o problema não está aí, está na “privatização” e no aparelhamento das agências.
Do jeito que está o debate, corremos o risco de ou liberar geral ou proibir tudo.
Como resolver, então? Simples, copiem do Canadá.
Afinal, o que Bolsonaro tem contra Mourão que o fez reassumir tão açodadamente?
Na manhã desta quarta-feira, o Planalto confirmou que o presidente já reassumira integralmente suas funções e o Hospital Albert Einstein preparara uma sala especial para que o chefe do governo possa despachar com seus assessores e ministros, tudo pago pelo Hospital Central do Exército, que está custeando as despesas, apesar de a Presidência contar com orçamento próprio, vejam que a bagunça ainda reina.
Mas a realidade era bem diferente. Bolsonaro não tinha a menor condição de reassumir. Na tarde desta quarta-feira, ao dar entrevista sobre a questão de Brumadinho, o vice-presidente Hamilton Mourão informou que Bolsonaro, operado há dois dias, ainda não estava podendo receber visitas nem conversar, por prescrição médica.
Mesmo assim, nesta quinta-feira os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, devem visitar o presidente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para trocar meia dúzia de palavras com ele, porque o presidente continua proibido de conversar, para evitar formação de gases no aparelho gastrointestinal. Ora, isso não é governar, é apenas fingir que governa.
É inaceitável que o Planalto imponha essa pantomima. O país nada ganha com isso e a inusitada situação apenas contribui para a formação de teorias conspiratórias de que – por alguma razão recôndita – o presidente Bolsonaro está temendo ser substituído por seu vice, o general Hamilton Mourão.
Todos sabem que Mourão é do tipo boquirroto, que não pode ver um microfone e logo começa a dar declarações. Mas acontece que Bolsonaro também é assim, tendo se tornado um verdadeiro colecionador de afirmações impróprias, algumas até lhe causaram problemas e processos judiciais. Comparado a Bolsonaro, o vice Mourão é apenas um iniciante em matéria de deslizes oratórios.
Com toda certeza, o Planalto deveria deixar o chefe recuperar plenamente a saúde, ao invés de expô-lo a uma situação estranha e até ridícula. Fica parecendo que há um boicote ao vice, que claramente está sendo escanteado. E la nave va, cada vez mais fellinianamente.
A mesma espada
Somos todos irmãos, não porque dividamos o mesmo teto e a mesma mesa: divisamos a mesma espada, sobre nossa cabeçaFerreira Gullar
Nossa vida, mais amores
Quando o poeta o escreveu, em 1843, o Brasil, ainda com 90% de território a desbravar, tinha de si próprio uma visão romântica e idealizada. Hoje sabemos muito mais sobre o país —e tanto que, se Gonçalves Dias fosse reescrever seu poema, teria outras imagens a escolher. Eis algumas.
Nossas barragens são criminosas e inseguras —rompem-se e levam à morte o que encontram pela frente. Nossos viadutos / pontes vão abaixo ou racham, pela ação do tempo ou por serem feitos com material de quinta. Nossos museus /se incendeiam e destroem patrimônios que não nos pertencem, mas à humanidade.
Nossos mares, baías e rios recebem nossos abjetos dejetos naturais e industriais e só têm o odor como protesto antes de morrer. Nosso céu é, às vezes, uma hipótese —algo que deve existir acima da camada de poluição. E nossos sistemas de fiscalização, obedientes a interesses maiores, não fiscalizam.
Nossos hospitais, escolas e transportes públicos são carentes, insuficientes ou inexistentes. Nossas estradas, ruas e calçadas são crateras, impróprias para humanos e carros. Nossas cidades têm vastos territórios vedados aos cidadãos e outros em que, pela miséria, seus habitantes podem praticar tudo, menos a cidadania. E nossos administradores são inoperantes, incompetentes ou corruptos.
Falando neles, nossos corruptos são, estes, sim, dignos de poemas e rapsódias. Penetraram por todas as brechas conhecidas da vida pública — e, como não paramos de descobrir, também pelas desconhecidas.
Mourão, o moderado
Por um lado, um país que viveu 21 anos de ditadura militar, no qual centenas foram sequestrados, torturados e mortos, deveria ter resistência à volta de um general no comando da nação. Até então, os defensores do retorno da ditadura militar formavam um grupo minoritário, meio amalucado e sempre apontado nos movimentos da “nova direita”, na Avenida Paulista, epicentro das manifestações de rua no Brasil. Por outro lado, o vice estaria sintonizado com os quartéis para garantir a presidência, muito mais do que um capitão que chegou a ser preso por indisciplina e que, nas últimas três décadas, tornou-se político profissional. O vice “faca na caveira” seria um seguro anti-impeachment para Bolsonaro.
Hoje, ao final de um primeiro mês de governo com mais crises do que qualquer um dos anteriores, o “mito” começa a ser desmitificado por parte dos mitômanos que o elegeram, já recebe críticas pesadas dentro do seu partido e os descontentamentos no núcleo duro do governo são perceptíveis. Mourão, que até então era conhecido como uma língua solta e truculenta acima das quatro estrelas do peito, tornou-se, por comparação, um exemplo de sensatez, diplomacia e bons modos. Com o bode na sala, outros espécimes tornam-se subitamente aceitáveis.
O “faca na caveira” é elogiado por diplomatas como o embaixador da Alemanha, que diz ter tido uma conversa “excelente” com Mourão, e manda afagos à imprensa pelo Twitter, a mesma rede social em que a família Bolsonaro ataca os jornalistas, algo que funcionou na campanha mas está dando sinais de esgotamento. Mourão, o gentleman, tuitou em 23 de janeiro: “Quero agradecer a atenção e cumprimentar pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional a todos os jornalistas que me recebem na minha chegada e de mim se despedem quando deixo o anexo da vice-presidência. Boas matérias a todos!”.
Tudo é uma questão de referência. E, quando a referência é Bolsonaro, é fácil um Mourão soar moderado. Em caso de naufrágio, qualquer tábua de pinho vira navio.
Mourão melhorou? Não. Bolsonaro piorou? Não. O que acontece é que agora Bolsonaro é o presidente. Era melhor ele "Jair se acostumando", mas Jair não se acostuma. Segue acreditando que ainda está fazendo campanha e que continuará ganhando no grito das redes sociais.
A série de tuítes que publicou após a divulgação de que o deputado federal eleito Jean Wyllys (PSOL) deixaria o país por ter medo de ser morto é a expressão do comportamento de Bolsonaro. Wyllys, o primeiro deputado declaradamente gay a assumir uma cadeira no Congresso, iniciaria em fevereiro o terceiro mandato. Recebendo ameaças de morte semanais, andava com escolta policial desde março de 2018, quando sua colega de partido, a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, teve a cabeça arrebentada a tiros, um crime até hoje não apurado e impune.
Entre as ameaças que o parlamentar recebeu, estavam as seguintes, conforme divulgou o jornal O Globo: “Vou te matar com explosivos", "já pensou em ver seus familiares estuprados e sem cabeça?", "vou quebrar seu pescoço", "aquelas câmeras de segurança que você colocou não fazem diferença". E esta: “Vamos sequestrar a sua mãe, estuprá-la, e vamos desmembrá-la em vários pedaços que vamos te enviar pelo Correio pelos próximos meses. Matar você seria um presente, pois aliviaria a sua existência tão medíocre. Por isso vamos pegar sua mãe, aí você vai sofrer”.
Duas horas depois da notícia de que deixava o Brasil, uma mensagem foi enviada a Jean Wyllys: "Nossa dívida está paga. Não vamos mais atrás de você e sua família, como prometido. Mesmo após quase dois anos, estamos aqui atrás de você e a polícia não pôde fazer nada para nos parar".
O que deveria fazer o presidente de um país em que um parlamentar é obrigado a abdicar do mandato para salvar a vida? Certamente não mandar uma série de tuítes, começando por “Grande dia!”, seguido por um sinal de positivo. Depois, claro, Bolsonaro disse que se referia ao cumprimento de sua “missão” no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.
Também no nível escolar (ruim) foi o seu discurso em Davos. Tinha 45 minutos disponíveis para falar sobre seu projeto para o Brasil para uma plateia internacional altamente qualificada e influente. Só ocupou seis minutos e meio. Aparentemente não tinha o que dizer. Diante do público de Davos, sua apresentação foi um “big fail” (grande fracasso), como definiu o jornal americano Washington Post. No púlpito, o presidente do Brasil soava como um estudante medíocre de colégio, apresentando um trabalho copiado de um colega, porque nem convicção havia. As frases não se conectavam umas com as outras.
“Fiasco” foi a palavra usada por uma colunista do jornal francês Le Monde, no Twitter, para definir a participação do presidente do Brasil. Para ampliar o vexame, Bolsonaro, o superministro da economia, Paulo Guedes, o superministro da Justiça, Sergio Moro, e o superdelirante chanceler, Ernesto Araújo, não apareceram para a entrevista coletiva à imprensa. Foram três explicações diferentes, nenhuma convenceu sobre o porquê do desrespeito que chocou jornalistas e os organizadores do fórum. Desconfia-se, porém, que Bolsonaro temia perguntas difíceis sobre o escândalo que ronda o primeiro filho e alcança a conta bancária de sua mulher. Afinal, os jornalistas que cobriam Davos não eram repórteres de estimação.
Bolsonaro, como presidente, é o que sempre foi, aquele tio que constrange as pessoas na festa, porque tosco e sem noção. De esconder sua natureza, ninguém pode acusá-lo. Ele sempre foi isso aí. Dava para fingir que era “mito” enquanto tudo ficava no nível de torcida de futebol. Na presidência da República, porém, sua figura se desloca para outro lugar.
Não é mais Bolsonaro, “o mito”; também não é Bolsonaro, “o coiso”. É a presidência da República, lugar com mística própria, ocupada pela mediocridade. E a mediocridade é perigosa. Os olhos de parte do mundo, como em Davos, percebem e se horrorizam. "Ele me dá medo”, disse Robert Shiller, prêmio Nobel de Economia e professor na Universidade de Yale, depois de ouvi-lo. “O Brasil é um grande país. Merece alguém melhor."
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
Direito à segurança e a sensação de segurança
O decreto que facilita a posse de armas (e a pretensão de expandir para porte de armas) adota narrativa que combina três fundamentos: direito à legítima defesa; direito à segurança; diminuição da violência. Três objetivos louváveis num país tão inseguro e desigual (e que distribui a insegurança desigualmente). Mas o que dizem os números do mundo real? Que a cada 1% a mais de armas nas mãos da população há 2% a mais de mortes; que 70% das pessoas assaltadas quando estão armadas tomam tiro; que a posse de armas aumenta em 500% a chance de ser morto, além de aumentar o número de homicídios, suicídios, feminicídios e acidentes com crianças; que o policial corre mais perigo; que o mercado ilegal ganha empurrão no armamento do crime. A medida agrada à classe média, mas ignora os mais pobres, sem dinheiro para comprar arma legal.
A violência é fenômeno multicausal. A interação de um conjunto de fatores pode explicar sua ocorrência em cada contexto: corrupção moral, preconceito, ódio, intolerência, pobreza, desigualdade, crime organizado, tráfico de armas, legalização de armas etc. É possível imaginar sociedade em que, apesar da proibição de armas, homicídios aumentem. Ou vice-versa. Resultados que desafiam a intuição se explicam pela combinação de outros fatores causais. Como saber, então, que diferença faz um estoque maior ou menor de armas? A metodologia estatística, diante da profusão de dados já coletados sobre o tema, tornou-se potente o suficiente para isolar o peso específico exercido pelas armas. E chegou às conclusões acima.
Ministros do governo não hesitaram em desfilar erudição a respeito. Para Moro, “essa questão de estatística, de causa de violência, sempre é um tema bastante controvertido”. Se a política de desarmamento fosse exitosa, o Brasil não continuaria a “bater recorde em número de homicídios.” Lorenzoni não só equiparou armas e liquidificadores na análise do risco que crianças correm, como nos ensinou que a Suíça é segura porque autoriza cidadãos a ter armas. Bebbiano não entende “como um ser humano normal pode exercer plenamente seu direito à legítima defesa sem o uso de uma arma de fogo”. Só Mourão admitiu que o decreto não é “medida de combate à violência”, apenas “atendimento a promessas de campanha”.
O direito à segurança está previsto na Constituição e em tratados de direitos humanos. É o direito de estar seguro, não de sentir-se seguro. A sensação de segurança, ao contrário, é um estado de espírito, uma condição subjetiva aberta a formas sutis de manipulação e distorção. Nem sempre é coerente com os dados objetivos da violência. A ênfase seletiva da mídia, por exemplo, pode levar a essas distorções. A política pública não deve ignorar esse indicador de bem-estar nem deixar de promovê-lo. Contudo, não pode ser critério para liberar arma de fogo. A sensação de segurança de Joice, lembremos, não equivale à minha ou à sua. Mas Joice armada, dizem os números, afeta nossa condição objetiva de segurança (e a dela também). Restringir arma é um modo de prover segurança, não o contrário.
Não há como universalizar a sensação de segurança (condição subjetiva de cada um), mas há como universalizar, de modo igualitário, o direito à segurança (entendido como proteção contra violência, mensurável em dados objetivos). Uma política de segurança orientada por informações do mundo real precisa adotar técnicas de inteligência, policiamento, protocolos de engajamento e, entre outras coisas, controle de armas de fogo.
O governo escolheu outro caminho. Como piorar a calamitosa situação da segurança pública brasileira? Consulte o fígado e fuja do conhecimento produzido sobre o assunto. Inocule doses cotidianas de medo e dissemine o mito do herói armado que faz o bem vencer o mal. Aproveite e dê carta branca para políticos financiados pela indústria da arma. Deixe os mercadores de bala de prata praticarem suas melhores ideias. Se o número de mortes aumentar, lembre-se, é sinal de que deu certo. Efeitos colaterais são o preço a pagar por esse fim maior. Importa dormir tranquilo. Qualquer barulho na sala, tem uma arma no cofre.
Fantasma da impunidade ronda o Brasil após nova tragédia
A repetição do mesmo tipo de calamidade em tão pouco tempo coloca o país num lugar de destaque na impunidade de crimes ambientais, aponta Antonio Nobre, cientista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “Em 2015 tivemos no Brasil o maior acidente da história da mineração, que destruiu um rio inteiro, matou pessoas, afetou o oceano. Nenhuma multa ambiental foi paga. Ninguém foi preso", exemplifica Nobre.
Três anos após rompimento da barragem em Mariana, a mineradora Samarco , que tem a Vale como uma de suas acionistas, ainda não pagou a multa ambiental imposta pelo Ibama. A quantia supera 350,7 milhões de reais. O processo envolvendo executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton ainda não tem data para julgamento.
Até agora, três funcionários da Vale e dois engenheiros terceirizados foram presos para apurar a responsabilidade pelo rompimento da barragem em Brumadinho.
Desastres envolvendo mineração fazem parte da história do Brasil, pontua o pesquisador Nobre. Um dos mais antigos vem do Amapá: a exploração de manganês na Serra do Navio, iniciada em parceria com americanos nos anos 1940, foi interrompida deixando crateras de rejeitos que impactam a população até hoje.
"Ficamos com toda a poluição, e o estado do Amapá não se desenvolveu", diz Nobre. “Não somos o país que mais se preocupa em proteger o meio ambiente."
Pouco dias antes da tragédia em Brumadinho, o presidente Jair Bolsonaro, em sua primeira aparição internacional, disse o contrário no Fórum Econômico Mundial: "O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente".
Para o Observatório do Clima, o discurso não combina com a realidade. "Mesmo diante de uma tragédia dessa em Brumadinho, a gente ainda vê o ministro de Meio Ambiente discutindo a flexibilização do licenciamento ambiental, a facilitação do acesso às licenças", critica Carlos Rittl o posicionamento de Ricardo Salles. "Não foi a própria Vale que afirmou, há poucos meses, que a barragem estava segura? E veja o que aconteceu. Esse é um exemplo claro de que a autorregulação não funciona."
Longe das primeiras colocações, o Brasil aparece em 69° lugar entre os 180 países analisados no Índice de Desempenho Ambiental (EPI, na sigla em inglês). Publicado anualmente há 20 anos por pesquisadores das universidades de Yale e Columbia, dos Estados Unidos, em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, o ranking internacional analisa indicadores em 24 áreas diferentes.
“Eu soube o que o presidente Bolsonaro disse sobre o Brasil ser o país que mais preserva. Mas o que isso não é exatamente preciso", rebate Zachary Wendling, coordenador do EPI. "Nós também temos um presidente que costuma contar vantagem e costumamos checar com fatos e evidências tudo o que ele fala", comenta, sobre as similaridades com Donald Trump.
Na categoria "florestas" do EPI, o Brasil tem uma das notas mais baixas: 12,43. "A posição do Brasil no ranking da categoria ‘proteção de florestas’ é a de número 96. Na verdade, o Brasil está bem atrás neste quesito, muito abaixo da média", pontua Wendling.
Na avaliação feita em 2018, Suíça, França e Dinamarca aparecem como os países que mais protegem o meio ambiente. Na América Latina, os primeiros colocados são Costa Rica, Colômbia e Uruguai - o Brasil aparece em sétimo no ranking regional.
Um estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) mostra que o Brasil é campeão em perda florestal, segundo dados coletados entre 2010 e 2015. China, Austrália e Chile, por outro lado, são os que mais ganham em cobertura de mata.
Anssi Pekkarinen, um dos responsáveis pelo tema na FAO, informou à DW Brasil que as análises são feitas com base em informações disponibilizadas pelos países e que um novo estudo deve ser publicado em 2020.
Para José Eli da Veiga, agrônomo de formação e professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo), a reformulação do Código Florestal está entre as evidências mais recentes de impunidade.
Votado em 2012 durante o governo Dilma Rousseff, a lei, entre outros, diz o que deve ser preservado de mata nativa dentro de propriedades privadas.
“A legislação perdoou toda a devastação feita no Cerrado e na Amazônia. Os desmatadores ficaram impunes”, menciona Veiga a anistia que a nova versão da lei garantiu a donos de terra que desmataram além do permitido até 22 de julho de 2008.
Veiga aponta ainda outras falhas brasileiras na preservação: descaso com gerenciamento hídrico, com saneamento básico e energias renováveis. “É um crime não estimular a expansão das fontes eólicas e solar para privilegiar a exploração do pré-sal”, comenta sobre o incentivo fiscal dado ao petróleo.
Dos cerca de R$ 3 bilhões em multas anuais aplicadas pelo Ibama por crimes ambientais, apenas cerca de 5% do valor é pago. A multa de R$ 10 mil dada a Bolsonaro em 2012 por pesca ilegal em área protegida foi anulada depois das eleições presidenciais. Segundo levantamento do Observatório do Clima, o órgão tem cerca de 100 mil processos de autos de infração acumulados.
Para Antonio Nobre, a preocupação ambiental de um país se mostra também no rigor com que os que causam destruição são punidos. “Se em Mariana o presidente da Samarco tivesse sido preso e a empresa tivesse quitado as multas milionárias, hoje seria diferente”, avalia.
“Em vez de assumir uma responsabilidade ambiental, parece ser mais barato para empresas corromperem o sistema. E quem assume o custo da tragédia é a sociedade brasileira: com as mortes, destruição permanente de rios, com uma perda incalculável”, finaliza.
Deutsche Welle
É hora de redescobrir... os mortos
Em outubro do ano passado, o Brasil fez uma opção política explícita (em governos anteriores, velada) por se inserir na cadeia produtiva mundial como economia periférica, lastreada na mineração predatória e na agropecuária robustecida por agrotóxicos nocivos ao homem e à natureza. Por isso os que, na prática, mais se opõem a isso, os povos indígenas, precisam ser aculturados, como quer Jair Bolsonaro. Por isso o Ibama, essa “indústria de multas”, precisa ser aniquilado. Por isso é preciso aceitar o “autolicenciamento ambiental”. Esse é o Brasil que o presidente da República foi vender em Davos, com o vibrante apoio do CEO da Vale na plateia. Insisto: não nos queixemos. Democraticamente, optamos pela barbárie.
Há pouco óleo de peroba no mercado para tanta cara de pau. Como assim? Dizer que um governo de menos de um mês não pode ser responsabilizado pelo que aconteceu? Mas, em menos de um mês, esse mesmo governo foi ágil o bastante para nomear o maior parceiro das mineradoras junto ao Congresso Nacional como coordenador político da Presidência da República no Senado Federal! O que poderia justificar um ex-deputado ser articulador político de senadores? Só vejo uma explicação plausível: suas parcerias. E o governo do Estado segue na mesma toada. Quem não se recorda do mantra do governador, durante as eleições, acerca da necessidade de simplificar o licenciamento ambiental?
Meu marido, cujo pai, engenheiro, no final dos anos 60 do século passado, levava para casa, toda semana, surubins apanhados no Paraopeba, enquanto construía os pilares de uma ponte sobre o rio, na BR–262, na divisa de Betim com Juatuba, anda a cantarolar, desolado: “Pra lá deste quintal, era uma noite que não tem mais fim”. Infelizmente, começamos a ter a sensação de que este governo, com menos de um mês, é uma “noite que não tem mais fim...”.
Isso só poderá ser revertido se nós formos para as ruas externar indignação e dizer que queremos um desenvolvimento econômico saudável, compatível com a preservação da natureza e da vida humana, com dignidade. Vimos há poucos dias populações de municípios da região do Rio Doce (que emprestou seu nome, originalmente, a essa indigitada empresa) interromperem a circulação do trem de passageiros da Vitória-Minas para protestar contra a inércia da Vale e da Fundação Renova na reparação dos danos causados pelo desastre de Mariana. É o caminho: protestar. Só assim esse governo de tendências autocráticas com verniz democrático poderá recuar de tanta insensatez.
Não sei se a origem é procedente. Atribuídos ao padre Fábio de Melo recebi, por uma rede social, os seguintes dizeres: “Vale, o teu vale é de lucros. O do povo é de lágrimas”. De toda maneira, faz sentido. Dias a fio, centenas de famílias brasileiras velarão seus mortos.Sandra Starling
Plano para fiscalizar barragens é uma enganação
O Brasileiro é um crédulo. Costuma conceder voto de confiança aos governos em início de mandato. Mas o ministro Gustavo Canuto, do Desenvolvimento Regional, abusou da credulidade alheia ao expor o plano da gestão de Jair Bolsonaro para fiscalizar as barragens brasileiras. Quem ouviu a entrevista saiu da experiência com uma pulga saltitando no dorso da orelha.
Primeiro, o ministro mastigou os números. Há no Brasil mais de 20 mil barragens, ele informou. Desse total, 3.386 são consideradas de alto risco. Todas receberão a visita de fiscais, declarou o ministro. Entre as barragens que ameaçam a sociedade, 205 guardam rejeitos de mineração. Irão para o início da fila das fiscalizações.
Na sequência, o ministro passou a impressão de que o governo fiscalizará as barragens como quem brinca de cabra-cega, com os olhos vendados. Canuto não soube dizer quantos fiscais serão mobilizados. Não deu a menor pista de quanto dinheiro será necessário. Não estipulou nenhum prazo para a conclusão do serviço. "Não é da noite pro dia", avisou.
O governo federal pintou-se para a guerra depois do estouro da barragem da Vale em Brumadinho. Poderia ter reconhecido que o setor de fiscalização de barragens é uma ficção. Mas preferiu dançar uma coreografia da enganação, no pressuposto de que a plateia é feita de bobos. Conseguiu a proeza de transformar a inépcia de gestões anteriores num processo de desmoralização, de envelhecimento precoce da nova administração. O novo governo tornou-se sócio de um velho descalabro.
terça-feira, 29 de janeiro de 2019
Produtores de tragédia
Não havendo no Brasil acidentes naturais por decisão divina, o Estado e a elite brasileiros produzem desastresJosé Nêumanne
A hora do safanão
Brumadinho, “rachid”, privilégios. Qualquer tapete levantado revela um monte de sujeira; qualquer arranhão olhado com lente confirma extensa infecção. Quem quiser focar nas diferenças entre a “esquerda” e a “direita” brasileira desta boca de 3º Milênio, que as há, tem todo o direito. Mas o país só apontará para o fim do tunel quando focar no que ha nelas de idêntico e partir para a reforma democrática (a política) que porá o povo no poder.
Por enquanto vamos de previdência sem o rearranjo da qual não sobrará nada para ser reconstruido adiante.
O “governo de transição” é uma avalanche de números que faz qualquer sonhador despencar até do céu que protege Brasilia para uma aterrissagem de emergência na calamidade geral que governadores e prefeitos estão encontrando. A verdade foi aos poucos contaminando o governo e, por meio dele, extravasando para a imprensa e dela para o país. A fase de alienação teve um ponto final quando Paulo Guedes encerrou “o baile” que a parcela Brasilia do governo Bolsonaro ameaçou dar-lhe em público. Ali o presidente teve a primeira oportunidade de provar o quanto se comove com fatos, coisa a que o país das “narrativas” ha muito tempo se desacostumara. E confirmou: a melhor qualidade de Jair Bolsonaro é sua capacidade de voltar atras e corrigir o rumo. A ficha caiu com tanta clareza que os militares, sempre os primeiros a incluírem-se fora de toda e qualquer tentativa de reforma anterior, espicaçados nos brios diretamente pelo comandante-em-chefe, declararam sua disposição de contribuir com um sacrifício para o esforço de salvação nacional.
É a primeira vez nos 519 anos de Brasil que alguma corporação da privilegiatura se dispõe a dar um passo atras, gesto que pode ter consequências telúricas. Mas o problema para desencadear o terremoto ainda é a conclusão do despertar do presidente. Bolsonaro saiu do Congresso mas o Congresso ainda não saiu de Bolsonaro. Ele continua dirigindo-se tão somente ao país oficial para tudo quanto extrapola as picuinhas da turma do excesso de salivação com escassez de raciocínio das redes sociais. Apesar da firmeza com que corroborou a ordem para o realinhamento do governo à Prioridade Zero da previdência, ele ainda subestima a capacidade de discernimento do povo. Segue dimensionando sua reforma pela expectativa da sua receptividade pelo Congresso e não pela real necessidade do país ou interesse do povo.
O Congresso não tem de ser o primeiro, deve ser o último a ser consultado. Ele pode tudo, até derrubar governos “inderrubáveis”, mas só faz isso quando o impulso vem da rua. Para levar os políticos a atos como esse, que não são de coragem são de sobrevivência, é preciso que a população passe antes pelo mesmo banho de informação que fez o próprio governo mudar de atitude. Dar à privilegiatura uma negociação anônima, de bastidor para, no final, apresentar como sua uma reforma que dê conforto a ela seria uma grossa traição aos 58 milhões de votos recebidos. É o contrário. Os mais altos representantes da privilegiatura têm de ser convocados todos à boca do palco, com o resto da nação, colocados de frente para os números pelos quais cada corporação é responsável – Judiciário, Ministério Publico, Legislativo e o resto – e então serem instados a se manifestar encarando o público como os militares já se manifestaram. Tem de ser um ônus para quem quiser assumi-lo recusar contribuir ou impedir a aprovação de alguma coisa que o país inteiro estará perfeitamente consciente de que se não for feita nos mata.
O congresso, assim como toda instituição encarnada em seres humanos, age sempre em função dos imperativos de sobrevivência dos congressistas. Por isso mesmo é que a democracia, depois de alguns ensaios românticos fracassados, foi redesenhada para por diretamente nas mãos do povo a condição de sobrevivência dos congressistas. Mas como aqui falta entregar o cetro ao povo é ao presidente que, por exclusão, cabe essa função.
Esse roteiro não precisa ser encenado em tom de confronto. Convocar a Nação para apresentar-lhe a verdade dos fatos, medir as consequências de cada alternativa e pedir humildemente que ela indique a direção a seguir é a função por excelência do governante democrático. E cabe firmeza nisso. O general DeGaulle, que mais de uma vez ergueu do chão o orgulho nacional francês em frangalhos, disse numa dessas ocasiões o seguinte: “A democracia exige que a gente convença as pessoas. Quando as circunstâncias permitem, essa é a forma preferencial de agir. Então deve-se trabalhar para fazer evoluir as consciências. Mas ha circunstâncias em que não é possível dar-se esse luxo e então é preciso comandar. É como na educação das crianças. Se a gente tem tempo o melhor é argumentar. Mas se não tem, para o bem delas, a gente vai lá e dá um safanão“.
A reforma da previdência – que vai definir o que será do governo Bolsonaro, do Brasil e dos brasileiros nos próximos 30 anos – está, obviamente, precisando desse “safanão”.
Post scriptum:
Cansado de ouvir a baboseira em torno do desarmamento nos jornais e nas televisões, peço licença ao leitor para enfiar aqui este lembrete:
Bolsonaro e seus opositores não têm tocado no essencial da questão do desarmamento. A discussão NÃO É em torno de saber se armar a população “resolve” ou não (e é claro que não resolve, nem para melhor, nem para pior) o problema da segurança pública. É o princípio que é inegociável pois, se o estado pode proibir o cidadão de defender sua vida sob pena de prisão, como faz hoje no Brasil, nenhum dos seus outros direitos vale nada.
Quando carro ou geladeira valem mais que as vidas sacrificadas em Brumadinho
Ficou evidente, apenas três anos depois do crime de Mariana, cujas feridas continuam abertas, que mais uma vez o lucro e a corrupção prevaleceram sobre a preocupação quanto a possíveis vítimas. E isso gera indignação e desespero para aqueles que se viram afetados e se sentem imponentes frente a esses gigantes complexos mineradores protegidos pela impunidade.
Em meus muitos anos de jornalismo, estou acostumado a relatar e analisar muitas outras catástrofes mundo afora, mas mesmo assim houve uma declaração de um político mineiro que me causou um mal-estar difícil de expressar. Eu a li no blog do jornalista, escritor e agudo polemista Reinaldo Azevedo. É um tuíte de Evandro Negrão Jr., vice-presidente do Partido Novo no Estado de Minas, cenário da tragédia. Precisei ler várias vezes o texto, que Azevedo qualificou como “latrina”, para me convencer de que não estava alucinando.
Nele, o político, correligionário do atual governador de Minas, Romeu Zema, escreve que de fato os mortos de Brumadinho dão pena, mas que o importante é essa maravilhosa empresa que arranca minérios do coração da terra. Ou será que os brasileiros preferem ficar sem carros e sem geladeiras em vez de perder um punhado de vidas? E conclui que o importante é que a empresa retome sua atividade o quanto antes, para continuar produzindo materiais sem os quais ficaríamos privados de eletrodomésticos.
E as vítimas? Que a Vale pague uma multa. O político foi até generoso com os mortos: pede que seja uma “grande multa”. E a prisão para os possíveis responsáveis? Isso seria um castigo exagerado para uma empresa tão fantástica que, conforme escreve, torna o mundo “muito melhor”.
Não, não é uma fake news. Eis o texto literal:
“Lamentável, muito dolorido e MUITO sofrido o desastre de Brumadinho, mas n/ podemos demonizar a Vale. É uma baita empresa, sem minério n/ tem carro, avião, nem geladeira e o mundo é muito melhor c/ empresas como ela do q sem. Ela errou, deve pagar 1 grande multa e voltar a funcionar asap.”
Enquanto a vida de um só ser humano valer menos que um eletrodoméstico, continuaremos todos apanhados e sem esperança de redenção no túnel sem saída da barbárie. O texto do político do Novo é a melhor elegia do capitalismo em estilo puro, para quem o lucro é seu único bezerro de ouro digno de culto. O resto, o pranto das pessoas que tiverem que ser sacrificadas em seu altar, são um apêndice, um parêntese, uma insignificância. Menos que uma geladeira.
Afinal, o que são algumas dezenas de vítimas a mais ou a menos, em um país com mais de 200 milhões, frente à felicidade de poder ter nossas casas repletas de eletrodomésticos? Não se trata de condenar o sistema capitalista, sempre melhor que o da Coreia do Norte, mas sim de fazermos isso convencidos de que uma só vida humana sempre continuará valendo mais que todo o ferro e o ouro do mundo.
Mariana, Brumadinho e...
No triste fim de semana passado, lembrei-me de um texto de George Santayana, filósofo e poeta espanhol. Uma das frases é instigante: “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua.”
De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?
Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.
Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.
Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?
Nesse marasmo irresponsável, lamentavelmente a história se repetiu em Brumadinho. A impunidade em relação ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana, é certamente uma das causas da tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão não foi, obviamente, um acidente ocasional. Em Mariana e Brumadinho, o que ocorreu foram crimes, praticados pelas empresas que negligenciam na construção, manutenção e no monitoramento desses empreendimentos e pela leniência do Estado na concessão de licenciamentos e na fiscalização. Dessa forma, além da indignação e da vergonha que sentimos como brasileiros, precisamos cobrar as punições dos agentes privados e públicos.
O enredo e o filme são conhecidos. As autoridades sobrevoam a área devastada, declararam estado de calamidade e prometem providências e recursos. Os dados orçamentários, porém, também espelham o descaso do poder público.
Conforme dados pesquisados pela Associação Contas Abertas, com base em critérios de um estudo de técnicos do Senado, nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R$ 444,4 milhões autorizados no Orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos. Logo após o maior acidente ambiental do país, em Mariana, em 2015, no auge da consternação, o orçamento conjunto das pastas destinado às barragens praticamente dobrou, passando de R$ 62,3 milhões para R$ 121,9 milhões (2016). No entanto, no fim de 2016 o valor efetivamente gasto somou apenas R$ 22,7 milhões, praticamente o mesmo de 2015. Em 2017, o gasto efetivo ficou no mesmo patamar, tendo aumentado para a casa dos R$ 32,8 milhões em 2018. Para 2019, pasmem, o valor autorizado é de apenas R$ 67,9 milhões, praticamente o mesmo de 2015, o ano da tragédia de Mariana!
Para que o leitor tenha uma ideia de quanto são insignificantes esses dispêndios, o valor pago no ano passado (R$ 32,8 milhões) é inferior às despesas da União com festividades e homenagens (R$ 40,4 milhões).
O minguado orçamento para ações relacionadas às barragens é mais uma evidência de que não absorvemos as experiências passadas. Assim, vale a pena reler as frases finais de um parágrafo do texto do espanhol George Santayana, publicado em “A vida da razão” (1905): “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Quando irá acontecer a próxima tragédia?
De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?
Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.
Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.
Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?
Nesse marasmo irresponsável, lamentavelmente a história se repetiu em Brumadinho. A impunidade em relação ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana, é certamente uma das causas da tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão não foi, obviamente, um acidente ocasional. Em Mariana e Brumadinho, o que ocorreu foram crimes, praticados pelas empresas que negligenciam na construção, manutenção e no monitoramento desses empreendimentos e pela leniência do Estado na concessão de licenciamentos e na fiscalização. Dessa forma, além da indignação e da vergonha que sentimos como brasileiros, precisamos cobrar as punições dos agentes privados e públicos.
O enredo e o filme são conhecidos. As autoridades sobrevoam a área devastada, declararam estado de calamidade e prometem providências e recursos. Os dados orçamentários, porém, também espelham o descaso do poder público.
Conforme dados pesquisados pela Associação Contas Abertas, com base em critérios de um estudo de técnicos do Senado, nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R$ 444,4 milhões autorizados no Orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos. Logo após o maior acidente ambiental do país, em Mariana, em 2015, no auge da consternação, o orçamento conjunto das pastas destinado às barragens praticamente dobrou, passando de R$ 62,3 milhões para R$ 121,9 milhões (2016). No entanto, no fim de 2016 o valor efetivamente gasto somou apenas R$ 22,7 milhões, praticamente o mesmo de 2015. Em 2017, o gasto efetivo ficou no mesmo patamar, tendo aumentado para a casa dos R$ 32,8 milhões em 2018. Para 2019, pasmem, o valor autorizado é de apenas R$ 67,9 milhões, praticamente o mesmo de 2015, o ano da tragédia de Mariana!
Para que o leitor tenha uma ideia de quanto são insignificantes esses dispêndios, o valor pago no ano passado (R$ 32,8 milhões) é inferior às despesas da União com festividades e homenagens (R$ 40,4 milhões).
O minguado orçamento para ações relacionadas às barragens é mais uma evidência de que não absorvemos as experiências passadas. Assim, vale a pena reler as frases finais de um parágrafo do texto do espanhol George Santayana, publicado em “A vida da razão” (1905): “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Quando irá acontecer a próxima tragédia?
Os supermercados
Angel Boligan |
A chuva e o calor são poupados aos passeantes; a comida ligeira confina com a dieta dos adolescentes; há uma emoção própria que paira nas naves das grandes superfícies. São as catedrais da conveniência, dão a ilusão de que o sol quando nasce é para todos e que a cultura e a segurança estão ao alcance das pequenas bolsas. Não há polícia, há uma paz de transeunte que a cidade já não oferece.
Agustina Bessa-Luís, "Antes do Degelo"
Agustina Bessa-Luís, "Antes do Degelo"
O crime independe de classe
Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros, das favelas e das periferias excluídas. Não é de hoje que jovens de classe média e média alta frequentam o noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo descontrolado.
Frequentemente, operações policiais prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha. Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade -rico não vai para a cadeia - completa o silogismo da juventude criminosa. A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, psicólogos, pais e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões.
O novo perfil da criminalidade é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva, do consumismo compulsivo e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores. Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão.
É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro fatal.
A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico de classe alta. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo, menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinquência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre.
Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia.
A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm produzido uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para o trabalho. O fim da história não é nada bom.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos e a consagração da impunidade, marca registrada de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento dos desvios de caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de televisão exploram as paixões humanas. Ao subestimar a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.Carlos Alberto Di Franco
Frequentemente, operações policiais prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha. Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
O novo perfil da criminalidade é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva, do consumismo compulsivo e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores. Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão.
É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro fatal.
A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico de classe alta. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo, menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinquência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre.
Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia.
A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm produzido uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para o trabalho. O fim da história não é nada bom.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos e a consagração da impunidade, marca registrada de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento dos desvios de caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de televisão exploram as paixões humanas. Ao subestimar a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.Carlos Alberto Di Franco
Brasil tem pior desempenho em sete anos em índice de corrupção
Em 2018, o Brasil despencou nove posições em relação ao ano anterior, ficando em 105º lugar no índice de 180 países. A classificação brasileira apresenta tendência de queda desde 2014, quando o país ocupava a 69ª posição.
Para a Transparência Internacional, os esforços contra a corrupção no Brasil, como a operação Lava Jato, foram notáveis, mas não representam uma resposta às causas estruturais do problema. "Para o país efetivamente avançar e mudar de patamar no controle da corrupção, são necessárias reformas legais e institucionais que verdadeiramente alterem as condições que perpetuam a corrupção sistêmica no Brasil", afirmou a ONG.
A escala do IPC vai de zero (altamente corrupto) a 100 (muito íntegro). No índice divulgado nesta terça, relativo a 2018, o Brasil ficou com pontuação 35, pior resultado em sete anos e bastante aquém de outros países da região, como Uruguai (70 pontos, na 23ª posição) e Chile (67 pontos, na 27ª posição).
"Em meio a promessas de acabar com a corrupção, o novo presidente deixou claro que vai governar com pulso firme, ameaçando muitas das conquistas democráticas alcançadas pelo país", disse a ONG em referência ao governo de Bolsonaro.
"É muito mais provável que a corrupção floresça quando os fundamentos democráticos estão enfraquecidos e, como temos visto em muitos países, onde políticos antidemocráticos e populistas podem usar isso para sua vantagem", afirmou a diretora da Transparência Internacional, Delia Ferreira Rubio.
A Transparência Internacional afirma que índices elevados de corrupção podem contribuir para um maior apoio a candidatos populistas.
Assim como o Brasil, os Estados Unidos também foram mencionados entre os países em observação pela entidade. Ambos foram apontados como exemplos de países onde "líderes populistas fizeram campanha contra a corrupção, mas agora ameaçam minar as instituições que foram eleitos para representar, abrindo caminho para mais corrupção".
Os EUA ficaram com uma pontuação de 71 e na 22ª posição no IPC, tendo deixado pela primeira vez desde 2011 a fazer parte da lista dos 20 países mais bem colocados no índice.
Segundo a ONG, o sistema de checagem do poder público vem sendo ameaçado nos EUA, o que se soma à "erosão de normas éticas nas esferas mais altas de poder".
Contudo, Brasil e EUA não são os únicos motivos de preocupação. Mais de dois terços dos 180 países avaliados pela Transparência Internacional ficaram com pontuação abaixo de 50, sendo que, desde 2012, apenas 20 países tiveram melhora substancial nas suas posições.
"O fracasso contínuo da maioria dos países em controlar a corrupção de forma significativa está contribuindo para uma crise da democracia ao redor do mundo", disse a ONG.
Somália (pontuação 10), Sudão do Sul (13) e Síria (13) foram os países com o pior desempenho, enquanto, na outra ponta, Dinamarca (88 pontos), Nova Zelândia (87) e Finlândia (85), Cingapura (85), Suécia (85) e Suíça (85) foram os que melhor pontuaram no índice em 2018.
O IPC mede como a corrupção no setor público é percebida por empresários e especialistas em cada país – sem levar em conta dados quantitativos, como o montante de dinheiro desviado, e sem medir se, na prática, o problema se agravou ou não na região. O índice de 2018 foi calculado utilizando 13 fontes de dados de instituições que capturam percepções de corrupção.
Para alcançar progresso real contra a corrupção e fortalecer a democracia, a Transparência Internacional recomendou que governos ao redor do mundo fortaleçam instituições de checagem do sistema político; reduzam a distância entre a legislação anticorrupcão, a prática e a fiscalização; além de apoiar organizações da sociedade civil e uma mídia livre e independente.
Deutsche Welle
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