segunda-feira, 29 de junho de 2015

O homem do sobretudo azul

Aqui, ninguém se importa de deixar bens nos jardins das frentes das casas, que muitas vezes não têm nenhuma separação da calçada

Na semana passada a tarde, estava com meus pais e minha filha em casa quando um policial bateu na minha porta. Fiquei um pouco assustada ao reconhecer o uniforme azul marinho da polícia britânica, mas ele logo me disse que estava tudo bem, só queria fazer umas perguntas.

Explicou que duas casas para baixo um homem tinha tentado enfiar um estilete na fechadura, assustando os moradores. Nada tinha acontecido, mas ele estava checando com os vizinhos se alguém tinha visto algo.

Pegou meu nome, me aconselhou a não manter a bicicleta fora de casa e me pediu para ficar de olho. O suspeito, disse ele, era um homem alto, branco e de sobretudo azul.

Eu sei que é uma grande bobagem, mas me senti em um livro da Agatha Christie, um daqueles em que antes dos grandes Hercule Poirot ou Miss Marple entrarem em ação, policiais menos hábeis entrevistam sem sucesso possíveis testemunhas de um crime.

Fiquei impressionada também de pensar que aquela visita não tinha me assustado em nada, só tinha me divertido e me feito lembrar da minha escritora favorita de livros policiais.

Eu posso me arrepender no momento em que estiver sendo assassinada pelo homem alto de sobretudo azul, mas quem é do Brasil, principalmente de uma cidade como São Paulo, infelizmente não se impressiona com relatos como esses.


Não que aqui não haja crimes horrendos e policiais racistas e corruptos. Mas nós brasileiros estamos acostumados demais com a violência que nos rodeia, pelos noticiários de assaltos e assassinatos corriqueiros, a nos trancar em prédios com câmeras e grades, a fechar o vidro rapidamente quando o semáforo fica vermelho.

Aqui, ninguém se importa de deixar bens nos jardins das frentes das casas, que muitas vezes não têm nenhuma separação da calçada. Perto de casa, quando não chove, sempre vejo carrinhos de bebê, roupas e brinquedos, sem medo de furto por um passante. Quem faria isso?

No Brasil, até quem tem dinheiro e não precisa de um carrinho de bebê levaria um carrinho de bebê, simplesmente pelo fato de estar lá, dando sopa. É um problema social em primeiro lugar, mas também é cultural e atinge todas as classes. Quem viu primeiro leva, essa é a regra não escrita.

É por isso, como uma homenagem à em geral civilidade dos bairros de Londres, que a bicicleta continua lá fora.

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