quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Antipolítica pode minar a democracia

Já houve época em que votar contra a classe política era uma forma de protesto bem-humorado. Foi assim em 1959, quando o rinoceronte Cacareco obteve quase 100 mil votos para vereador em São Paulo, ou com o Macaco Tião, que recebeu cerca de 400 mil votos na disputa para prefeito do Rio de Janeiro em 1988. Muitos outros tiveram sucesso no Legislativo bradando contra o sistema, como o deputado Tiririca e seu famoso lema: “Pior que tá não fica”. Ainda há excentricidades concorrendo por todo o Brasil em 2024, mas a antipolítica agora mudou de face: seu objetivo maior não é só ridicularizar as instituições democráticas. É destruí-las para instaurar alguma forma de autoritarismo.

A antipolítica ganhou força em boa parte do mundo nos últimos anos, geralmente presente em candidatos e partidos ligados a um extremismo de direita. E na maior parte desses casos, o discurso antissistema tem como propósito principal minar a democracia. Trata-se de uma mudança tanto na oferta das lideranças políticas, como também na demanda de parcela importante da população.


Do lado da demanda, o descrédito e a falta de confiança no sistema político explicam parte desse apoio a radicais autoritários. É preciso que os políticos ditos tradicionais aumentem a legitimidade do sistema e tornem as políticas públicas mais efetivas frente às demandas dos diversos grupos sociais. Fundamental auscultar mais os sentimentos de vários segmentos da sociedade que se sentem abandonados e acreditam cada vez mais em soluções disruptivas.

Junto com o descrédito frente ao sistema vem um conjunto de preconceitos que produzem os “inimigos” que devem ser extirpados: imigrantes, defensores do aborto e da “ideologia de gênero”, “comunistas antipatriotas” e aqueles que impedem o povo de ser “livre”, entre os principais. As falhas dos políticos são evidentes, porém, há rachaduras em várias organizações da sociedade: escolas, igrejas, empresas, mídia e todos aqueles espaços em que os indivíduos se socializam e constroem seus valores têm sido incapazes de cultivar ideias democráticos em parcela importante da população. O trabalho para modificar esse ambiente extremista e autoritário não deverá se concentrar somente na política, e isso precisa ser dito e repetido por todos que desejam revigorar a democracia.

Um exemplo é revelador do espírito de nossa época: a falta de etiqueta que se espalha por lideranças políticas e seus seguidores não nasce no momento do voto. Ela é semeada cotidianamente em vários momentos em que as pessoas precisam conversar e ouvir outras com opiniões diferentes. Por que será que as falas grosseiras e agressivas, quando não flagrantemente preconceituosas, de Trump, Bolsonaro e Pablo Marçal cativam parte do eleitorado? A sensação é de que essa receptividade à violência radical dos modos e palavras é aceita em outros espaços sociais ou é até incentivada em outras arenas externas à política.

Mas a demanda não explica todo o fenômeno da antipolítica contemporânea. As lideranças políticas têm sempre um papel importante na dinâmica democrática. O fato é que diversos grupos e líderes abraçaram o discurso radical contra o sistema, propondo soluções por vezes mágicas e milagrosas, mas sempre com o intuito de concentrar o poder em alguma forma de autocracia. Gritam por liberdade, mas querem reduzir o pluralismo de ideias e controlar os indivíduos no campo dos costumes. Só é possível cercear a opinião e o comportamento dos outros nas esferas pública e privada neste grau se a democracia for jogada no lixo.

Vale lembrar que não bastam cidadãos crentes na democracia para que ela floresça; é fundamental também a existência de políticos democráticos que defendam a sobrevivência das instituições. A demanda não determina completamente a oferta na política, havendo um espaço bastante razoável de autonomia das lideranças e partidos para propor novas ideias e mexer com o comportamento do eleitorado. Exemplificando: a falta de confiança no sistema não necessariamente levaria ao predomínio de radicalismos de direita de cunho autoritário. Isso foi obra mais dos atores políticos do que dos eleitores.

No Brasil contemporâneo, o modelo antissistema com caráter autoritário é uma invenção do bolsonarismo. Esse discurso moldou a campanha de 2018 e mais ainda o governo de Jair Bolsonaro. É bem verdade que ele não foi reeleito, em boa medida por conta do seu fracasso em captar os grupos além dos seus seguidores, o que poderia representar, em tese, a fragilidade da extrema direita brasileira.

Em defesa da força do ex-presidente, normalmente se argumenta que Bolsonaro perdeu por uma pequena margem de votos. Contudo, esse não é o ponto mais importante. O mais relevante é que o bolsonarismo conseguiu três grandes feitos. O primeiro é continuar cativando e mobilizando constantemente cerca de um terço do eleitorado brasileiro. É uma minoria, mas quando engajada é capaz de influenciar o sistema político e limitar o poder de seus adversários.

Mais importante do que isso: conseguiu-se criar um modo de se fazer política, que multiplicou o ódio aos “inimigos”, a prática do discurso violento e grosseiro e moldou um monte de lideranças bolsonaristas que agem praticamente sob o mesmo formato. Por fim, um partido tradicional, o PL do velho líder fisiológico Valdemar Costa Neto, foi cooptado para o movimento e se tornou o maior do país. O bolsonarismo ganhou a máquina e o dinheiro (muito dinheiro) para se manter forte na oposição ao governo Lula e poder atuar em cada rincão do país.

Criava-se assim a plataforma para uma grande força antipolítica e antidemocrática, influente e respeitada pelos adversários, especialmente pelo Centrão, que ora constrói alianças com os bolsonaristas para barganhar mais recursos do governo federal, ora se coliga com o bolsonarismo para não perder eleitores. Há, no entanto, uma contradição nesse jogo: o discurso antissistema pode se utilizar das instituições para ganhar poder, mas está condenado a traí-las. Não há como alimentar o radicalismo dos eleitores, prometer uma destruição completa da “velha política” e ficar até o fim comprometido com os valores democráticos, o respeito à lei e, sobretudo, com o restante dos políticos.

Pablo Marçal desnudou a viabilidade desse pacto permanecer por muito tempo. Esse é o ponto que tem sido menos falado sobre esse fenômeno midiático e eleitoral, cujo discurso é límpido: é preciso substituir todos os políticos e sua forma carcomida de atuar por uma maneira completamente nova e diferente, comandada por ele e outros atores antipolíticos pouco comprometidos com a democracia. A “cristianização” da candidatura do prefeito Ricardo Nunes que vários políticos bolsonaristas querem fazer, em nome de um apoio escondido ou explícito ao coach Marçal, no fundo é a rebelião contra a necessidade de se depender do Centrão e afins.

Nem é necessário que Marçal vença a eleição paulistana. Se ele mantiver o alvoroço atual até o final, quem sabe indo até o segundo turno, ficará claro para os bolsonaristas que a antipolítica pode adotar uma versão bem mais radical em relação ao sistema do que nas eleições de 2018 e 2022. Obviamente que se ele ganhar o pleito, aí então todo o bolsonarismo terá de se radicalizar muito rapidamente, e o fato é que Bolsonaro, ao aliar-se com Valdemar e estar na marca do pênalti do STF no ano que vem, talvez não tenha mais como monopolizar a liderança da extrema direita brasileira.

Mesmo que não tenha os resultados desejados na eleição municipal, está claro que a antipolítica multiplicará bastante o seu número de candidatos a todos os postos em 2026. O grupo político mais atingido por esse processo será o centro político, especialmente o chamado Centrão. Ele ficará espremido entre o lulismo - ainda comandado por um grande líder popular, com seu poder de ter a máquina federal e um eleitorado fiel de mais de um terço do país - e o “partido” do antissistema, herdeiro do bolsonarismo, mas que pode ir além dele ao evitar um acordo com a “velha política”. Líderes como Nikolas Ferreira e Pablo Marçal, aliás, podem exercer melhor esse papel no futuro do que o pai fundador do movimento.

O risco maior está na forma como, paulatinamente, a antipolítica já está minando a democracia, antes que ela própria seja substituída por qualquer autoritarismo. Sem dúvida alguma é preciso combater os extremistas antissistema, mas também é fundamental melhorar a política democrática. Desde a redemocratização, nunca a classe política teve tantos privilégios e esteve tão insulada da sociedade civil. A desmoralização da política favorece o radicalismo do discurso ao estilo “que se vayan todos”.

O governismo lulista, o Centrão e a parcela da sociedade que de fato representou a “Frente Ampla” precisariam pactuar uma nova forma de atuação para aumentar a confiança da sociedade no sistema e enfraquecer a antipolítica. Até porque o risco da ilusão momentânea é grande. Como no filme, o bandido Pinguim não ganha a eleição em Gotham City e em 2026 se evita a volta do radicalismo autoritário. Porém, por quanto tempo o vulcão extremista e autoritário vai ser contido? Pior, quanto já está custando à democracia a transformação do debate público num circo de horrores que permite gente ligada ao crime organizado se vender como o mocinho da história?

Estamos mudos e isolados

Olhe pela janela, você verá como vai o mundo. Para onde correm as pessoas? O que querem? Não diferençamos mais o encadeamento das coisas que lhes daria um sentido supra-pessoal. A despeito do rumor geral, cada um está mudo e isolado em si mesmo. O encaixe dos valores do mundo e dos valores do eu já não funcionam convenientemente. Não vivemos num mundo destruído, vivemos num mundo transtornado

Franz Kafka, "Conversas com Kafka", de Gustav Janouch

A cadeira

Não bateu, mas não me sai da cabeça. Dizem os pesquisadores que a origem da cadeira é uma criação dos artesãos egípcios, faz 5800 anos. Nasceu para servir aos seus donos. No início, era um banco para descanso do bumbum. Em seguida, adicionado o encosto, serviu de apoio lombar e demarcou o design original da cadeira com variações adequadas às múltiplas serventias e significados.

O assento, o encosto, o braço e as pernas passaram de formas bem simples para fins utilitários, estéticos e atender padrões culturais. Começa pela saúde da pessoa: a depender da cadeira e da forma de sentar-se, o esqueleto e a musculatura podem sofrer desconfortos, dores e afetar a qualidade de vida das pessoas. Muita atenção: é aconselhável, ao primeiro sinal das “mialgias”, procurar especialistas respeitáveis e evitar a cura milagrosa dos curandeiros.

Há dois tipos de “cadeiras” que simbolizam o poder político e o poder do conhecimento: trono é a cadeira reservada para monarcas, autoridades religiosas e, na linguagem figurada, posição hierarquicamente elevada; cátedra, origem latina da palavra cadeira, é o assento reservado ao poder do conhecimento, seja como símbolo do magistério episcopal, seja como posição superior de ensino, atualmente, em desuso. Porém, afirmar, coloquialmente, que fulano é “catedrático”, enfatiza a profundidade excepcional sobre qualquer assunto em discussão.



Como parte do mobiliário, a cadeira assume as mais variadas formas; das mais simples à mais sofisticadas, seja no ambiente doméstico, seja no espaço profissional, complementando a estética de ambientes interiores sobres os quais multiplicam-se estilos e, sobretudo, preços.

Nesta breve reflexão, não poderiam faltar três tipos de cadeiras: uma é a abençoada “cadeira de rodas” que não serve somente de assento, mas é, sobretudo, o abrigo, o espaço do acolhimento, o generoso equipamento que supre os movimentos humanos em pessoas que deles foram privados, ao nascer, ou se tornaram vítimas de enfermidades ou acidentes que exigem cuidados especiais. Na minha experiência de voluntário por 20 anos na AACD, pude aquilatar o valor da cadeira de rodas e vivenciar profundas emoções ao testemunhar a alegria das famílias beneficiadas diante das necessidades especiais, entre elas, as da locomoção.

Em contraste com a cadeira que é um suporte para vida, cabe referência à cadeira elétrica, a cadeira assassina que não merece outro adjetivo como instrumento devidamente legalizado, em vários países, inclusive, na maior democracia ocidental, os EUA, para executar a pena morte.

Por fim, como se não bastassem a tensão, ambiente radicalizado, a literal combustão do clima, emerge, no Brasil, a terceira: a “cadeira democracida”, aliás, completamente inocente no episódio repugnante em que um candidato a prefeito de São Paulo desfere uma cadeirada no seu concorrente. A cadeira/objeto é inocente; a democracia, a vítima; o cidadão, desrespeitado. No entanto, para dar continuidade ao deplorável espetáculo, será adotada uma genial solução: vão “parafusar as cadeiras”, ou seja, como na vingança do “traído”, vão “retirar o sofá da sala”.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Pensamento do Dia


 

Sol laranja sob uma chuva ácida

Aparentemente, ninguém detectou ainda, com precisão, a dimensão dos efeitos desse envenenamento vagaroso da população pelos incêndios florestais. As atuais "queimadas controladas" - concepção acadêmica - continuam a destruir tudo desde 14 de agosto de 1963, quando se tomou conhecimento amplo do fenômeno que, nos trópicos, se repete nos meses de julho, agosto e setembro.

Naquele agosto de 1963, um incêndio incontrolável emergiu subitamente destruindo cerca 20 mil hectares de florestas plantadas, e 500 mil de florestas nativas e matas secundárias., devastando os municípios de Guaravera, Paiquerê e Tamarana, no Paraná, desabrigando centenas de famílias e provocando a morte de 110 pessoas.

Depois estendeu-se para Ortigueira, Tibagi, Arapoti, Jaguariaíva até Sengés. Cerca de 15 milhões de araucárias de reservas florestais plantadas pelas indústrias Klabin, produtoras de papel e celulose para exportação, foram totalmente destruídas, embora a empresa tivesse um sofisticado projeto de proteção de suas áreas de florestas.


Mesmo com os diversos programas de governos, sobretudo federais, conduzidos por cientistas e especialistas bio-climaticos, a perda da cobertura arbórea no Brasil, devido a incêndios nos trópicos, subiu, em média, 41, 5 mil ha (9%) ao ano. Seria acusada de responsável por cerca de 15% do aumento das áreas desmatadas no planeta.

Queimadas devastadoras surgem periodicamente também no, no Chile, EUA (Califórnia), Portugal, Espanha, França, Grécia, Austrália e alguns países do sul da Ásia. Esses incêndios são vistos, entretanto, com complacência, lamentando-se, frequentemente, as perdas humanas e materiais. Da África sabe-se pouco.

Nos trópicos, nos meses de inverno (julho a setembro), registram-se anualmente fortes estiagens, com taxas de umidade baixas, e vegetação ressequida. Surpreende mesmo são as queimadas chegando ao Pantanal, onde são extensas as terras úmidas. Constata-se que o uso do fogo para limpar os terrenos agrícolas, mesmo controlado, não resiste aos ventos constantes e se reproduz pela vegetação. O máximo que se consegue, com aplicação de tecnologias modernas, é contê-lo pontualmente. Aceso, vai se multiplicando, até alcançar proporções incontroláveis.

Apagar mesmo o fogo sobre a vegetação natural, no inverno tropical, só com as chuvas que, em geral, vem no final de setembro, com a chegada da primavera, conforme demonstra a sabedoria indígena ancestral. Os estudiosos das queimadas tratam a experiência dos povos originários, entretanto, como uma maneira ingênua de praticar o manejo dos recursos da floresta.

Na ausência do saber ancestral, torna cômodo encontrar “bodes espiatorios” pessoas para serem acusadas levianamente de responsáveis pela queimada seja para renovação da terra produtiva ou para a expansão da pecuária. Nas denúncias veiculam-se até estatísticas, como faz o secretário, Wolnei Wolf, Coordenador de Prevenção e Programas Estratégicos da Defesa Civil do Governo Federal. Supostas autoridades em desmatamento e queimadas chegam a afirmar que "tem certeza de que 99,9% das queimadas são causados pela ação humana".

Embora a maioria dos percentuais citados não sejam tão confiáveis, é provável, sim, que boa parte das queimadas surja mesmo para limpeza dos terrenos agrícolas ou para renovação das pastagens. Há gente que seria paga para fazer o fogo abortar. Os políticos gostam desse argumento para culpar opositores, embora a expansão das queimadas tenha um pé nos financiamentos públicos do BNDES, do Banco do Brasil, e dos bancos privados, como incentivo a expansão da produção agropecuária na balança comercial, políticas mantidas pelos próprios governos de plantão.

Pesquisadores menos comprometidos com a produção agrícola admitem, com reserva, a hipótese mais centrada em observações empíricas, supostamente científicas, de que a secura do ar e da vegetação favorece a combustão vegetal na medida em que o sol incide diretamente sobre os cristais expostos na superfície do solo, especialmente no do cerrado.

Neste cenário de leviandades e de efetivo desconhecimento científico sobre a origem das queimadas, surgiu, de repente, um personagem novo, o PCC- Primeiro Comando da Capital, organização criminosa do Brasil, criada no submundo de São Paulo, e que se espalhou por todo o território brasileiro, alcançando até países próximos, como o Paraguai, a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela. Possuiria 30 mil membros, sendo 8 mil apenas em São Paulo. Com ele, emergiu uma narrativa dando conta de que filiados da organização, financiados por produtores rurais, foram presos como incendiários. Seria um deboche ou um desafio ao jornalismo investigativo?

Os políticos, desconhecedores efetivos das razões das queimadas, não perdem a oportunidade para fazer delas uso retórico, sobretudo em tempos eleitorais. Para desviar a atenção da população instituíram até o "Dia do Fogo", como se com ele estaria resolvida a questão das queimadas. Em 2023 foi criado um tal de Cemaden - Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, para monitorar e emitir alertas sobre esses tipos de fatalidades, como se o IBAMA, o INPE e INPA já não fizesse isso há anos, sem encontrar, de fato, uma solução definitiva, nem usando helicópteros, aviões tanques, bombeiros e agentes florestais e um voluntariado.

Um dos dirigentes da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), dos EUA, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento do clima na Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas, não apenas das queimadas da vegetação natural, mas também da utilização massiva de combustíveis fósseis: petróleo, carvão mineral, gás natural, urânio, xisto betuminoso base o modelo industrial que, no fundo, trafega longe desses discursos ambientais.

Não faltam estatísticas, nem institutos de pesquisas para carimbar às informações sobre as queimadas no Brasil. O tal de Cemade informou que, no mês de agosto, o número de incêndios florestais no País elevou-se de 110 para 3.300. Desde o início deste ano, o INPE sozinho teria detectado 50 mil focos desses incêndios por aqui. Pelo que vê, na chegada da primavera, o brasileiro vai estar desfrutando de uma visão laranja do sol, chuvas ácidas e ares poluídos. Ninguém tem a solução.

A geopolítica das mudanças climáticas

Em 1992 foi adotada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima cujo objetivo é estabilizar a concentração de gases responsáveis pelo aquecimento global na atmosfera num nível que evite mudanças climáticas perigosas. Mais de cem chefes de Estado assinaram a convenção, numa época em que o fim da guerra fria e a globalização da economia mundial prenunciavam um período de paz e cooperação internacional.

Não há, contudo, penalidades previstas para o descumprimento de resoluções da Conferência das Partes (COP), que inclui mais de 190 países e onde as decisões precisam ser tomadas por unanimidade. A convenção é, portanto, como tratado internacional, considerada “fraca” na linguagem diplomática. Ela é no fundo uma convenção que reflete aspirações, mas não tem os instrumentos para atingi-las.


Isso foi conseguido no Protocolo de Kyoto, adotado com o objetivo principal de estabelecer metas concretas de redução das emissões dos gases causadores do aquecimento global. O principal deles é o CO2, resultante da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), responsável por cerca de 80% de toda energia consumida no mundo.

O protocolo determinou que 40 países industrializados deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa em 5,2% abaixo das emissões de 1990 entre 2008 e 2012.

Os países em desenvolvimento (entre os quais o Brasil) ficaram isentos de reduções no período acima, o que levou o Senado dos Estados Unidos a adotar por unanimidade uma resolução vetando a ratificação do protocolo sem que as reduções nele incluídas se aplicassem também nos países em desenvolvimento.

Essa decisão do Senado americano lembra decisões do Senado romano em relação às suas províncias e, na prática, ignorava o fato de que o consumo de energia dos Estados Unidos per capita era quatro vezes maior do que o dos países em desenvolvimento. Para se desenvolver, eles necessitariam de combustíveis fósseis assim como ocorreu no passado para o desenvolvimento dos países industrializados.

Apenas os países europeus (cujas emissões representam apenas 7% das emissões mundiais) adotaram o protocolo e cotas mandatórias para redução de emissões, permitindo trocas de créditos entre os emissores. Isso levou à redução real das emissões, que caíram 30% abaixo do seu valor em 1992.

No mundo como um todo, as emissões aumentaram 44% no período 1992-2022.

Nos países em desenvolvimento (incluindo a China), que representavam em 2022 73% das emissões mundiais, elas aumentaram 78%.

É evidente, portanto, que a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto adotado em 1997 não tiveram o sucesso esperado, apesar de a convenção prever que os países industrializados “promoveriam, facilitariam e financiariam aos países em desenvolvimento para permitir que implementassem os objetivos da convenção”.

Decorridos mais de 30 anos, as “mudanças climáticas” passaram a ocorrer com mais frequência e suas consequências são ilustradas de maneira dramática pelo que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul.

As principais razões para esse fracasso são a revolta populista e o fim da globalização, que estão ganhando espaço no mundo. Medidas efetivas para reduzir mudanças climáticas são um alvo perfeito para a retórica populista e teorias conspiratórias. Políticas públicas destinadas a reduzir emissões de carbono são de longo prazo e se baseiam em conhecimentos técnicos (que só as elites possuem), aumentam custos para a população e exigem cooperação internacional. Além disso eleições a cada quatro anos tornam a adoção de medidas de longo prazo muito difícil, sobretudo em países em desenvolvimento, onde garantir outras necessidades mais imediatas é – ou parece ser – mais urgente.

A ascensão da ultradireita na Europa e o nacionalismo de dirigentes políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, que questionam até a evidência científica de que a ação do homem é responsável pelo aquecimento global, foram as consequências disso.

O Acordo de Paris, em 2015, em que cada nação fixa suas próprias reduções, tentou reativar as ações para reduzir as emissões, mas numa época em que as ações multilaterais estavam em declínio.

Mesmo os Estados Unidos, que em 2022 representavam 11% das emissões, só conseguiram reduzi-las em apenas 3% no período 1992-2022 graças à enorme capacidade tecnológica do país, mas isso ocorreu em razão de medidas tomadas pelos governos locais, sem grande apoio do governo federal.

Com o presidente Joe Biden a situação melhorou, com um programa de cerca de R$ 400 bilhões a US$ 600 bilhões em investimentos diretos (em dez anos) e em subsídios em novas tecnologias às empresas americanas.

A “globalização” do programa do presidente Biden, permitindo o uso dos seus recursos em países em desenvolvimento, seria um grande passo à frente e significaria, na prática, um novo Plano Marshall para a redução das emissões nos países em desenvolvimento, sem os quais a redução global das emissões é inviável.
José Goldemberg 

Pequeno manual de combate a incêndios

O fogo é um tema recorrente na literatura universal. No Brasil, devorou O ateneu (1888), de Raul Pompéia, e pôs fim a'O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, obras seminais da nossa literatura. Nos dois casos, representavam o fim de uma era, com apagamento do passado. Na vida real, foi o que aconteceu literalmente no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 2018, e na Cinemateca Nacional, em São Paulo, no dia 29 de julho de 2021. E pode estar acontecendo agora com nossos principais biomas.

Fundado em 1818, por dom João VI, o Museu Nacional possuía o mais importante acervo de história natural da América Latina, com 20 milhões de itens, entre os quais, coleções de fósseis de dinossauros do mundo, múmias andinas e egípcias, e 537 mil livros da Coleção Francisco Keller. No galpão da Cinemateca Nacional, arderam quatro toneladas de documentos sobre cinema no Brasil, além de películas e arquivos.


Desde o Brasil Colonial, o fogo é usado para expulsar indígenas de suas terras e, agora, incendiar favelas, como se fazia com os antigos quilombos. Históricos casarões e sobrados, tombados, pegam fogo para possibilitar a construção de prédios horrorosos. O fogo nas florestas, para eliminar flora e fauna e ampliar as fronteiras agrícolas, também é coisa antiga. Entretanto, agora saiu completamente do controle.

Incêndio não é sinônimo de fogo, cujo domínio foi fundamental no processo civilizatório. O que difere as chamas do fogão ou da churrasqueira é o controle sobre elas. Desde Arquimedes, o fogo é objeto de estudos, porém, foi o francês Antoine Lawrence Lavoisier, aquele mesmo da Teoria dos Vasos Comunicantes, no século XVIII, que descobriu as bases científicas do fogo.

A principal experiência que lançou os fundamentos da ciência do fogo consistiu em colocar uma certa quantidade de mercúrio (Hg — o único metal que normalmente já é líquido) dentro de um recipiente fechado, aquecendo-o. Quando a temperatura chegou a 300°C, ao observar o interior do frasco, Lavoisier encontrou um pó vermelho que pesava mais do que o líquido original.

O cientista notou, ainda, que a quantidade de ar no recipiente havia diminuído em 20%, e que o ar restante possuía o poder de apagar qualquer chama e matar. Lavoisier concluiu que o mercúrio, ao se aquecer, "absorveu" a parte do ar que nos permite respirar (essa mesma parte que faz um combustível queimar: o oxigênio). Os 80% restantes eram nitrogênio (gás que não queima) e o pó vermelho era o óxido de mercúrio.

Da breve explicação, vê-se que para iniciar a combustão, são necessários o combustível, o oxigênio e a energia (a temperatura de ignição). Mas isso existe em toda parte. O que faz a diferença é a proporção entre esses componentes do chamado "triângulo do fogo".

Os incêndios que estamos acompanhando são eventos naturais e/ou provocados por ação humana. No Cerrado brasileiro, a partir de análises do carvão armazenado em solos profundos, há incêndios se repetindo há mais de 30 mil anos. Nas estações secas, a ignição ocorre naturalmente por uma descarga elétrica. Mas não é o caso nesta estiagem.

Temperatura acima de 30 graus, num momento em que a umidade seja menor do que 30% e vento acima de 30 km/h, são o ambiente ideal para um incêndio. Basta alcançar a ignição, por meio de uma bituca de cigarro jogada na estrada ou um palito de fósforo aceso. Há mais dois fatores: indivíduos incendiários, que tem atração pelo fogo, os piromaníacos; e o criminoso que ateia fogo por vingança ou algum interesse econômico, seja limpar o terreno para fazer um grande empreendimento imobiliário ou formar uma pastagem.

Uma vez iniciado, o fogo se espalha muito rápido e é extremamente difícil de controlar, por causa do vento, do calor e da baixa umidade. Ocupantes do Cerrado desenvolveram técnicas de queima controlada, atuando para diminuir a biomassa e, com isso, evitar os grandes incêndios. Mesmo esses "aceiros", quando saem do controle, podem provocar grandes incêndios, com perda de plantas, animais e danos até aos microrganismos do solo, sem contar na morte de pessoas, inclusive bombeiros.

No Pantanal e na Amazônia, o problema se tornou mais grave, porque o desmatamento faz com que a proteção natural da própria floresta, principalmente sua umidade, perca a capacidade de conter a propagação das chamas, principalmente se a seca for muito forte, como agora. Se pegar fogo em árvores que têm resinas, pode queimar por muito tempo e impedir ações efetivas para deter o incêndio.

Conforme as plantas vão queimando, primeiro saem os materiais voláteis, com substâncias prejudiciais à saúde, inclusive cancerígenas. Se não chover, todo esse material fica suspenso e forma "nuvens de fumaça", que estamos vendo em vários lugares do Brasil. Sofrem os nossos pulmões, os animais e até as plantas. Se a situação piorar muito, teremos uma situação realmente caótica.

Apesar dos frequentes alertas, as autoridades subestimaram os efeitos catastróficos do que temos presenciado. E, agora, correm atrás do prejuízo, inclusive o governo Lula, apesar das advertências da ministra do meio Ambiente, Marina Silva.

Como disse o poeta pernambucano Luís Turiba, em 1989: "Ou a gente se Raoni, ou a gente se Sting".

As cadeiradas invisíveis

O Brasil se surpreendeu com a cadeirada visível que o candidato Datena aplicou em um seu opositor, mas não se surpreende com as cadeiradas invisíveis que há décadas o povo brasileiro recebe de políticos vazios de propostas, sem compromissos nacionais e com excesso de demagogia e irresponsabilidade.

A cadeirada visível foi sobre a cabeça do outro candidato e quebrou-lhe uma costela; as invisíveis são dentro da cabeça do eleitor e quebra sua esperança em um Brasil melhor, uma cidade mais eficiente, pacífica, com convivialidade.

Pena que um candidato descontrolado aplique uma cadeirada visível em seu opositor, pior quando os candidatos executam friamente cadeiradas invisíveis contra os cérebros e esperanças dos eleitores.


A observação dos horários eleitorais, sobretudo dos discursos e debates ao longo da atividade política, no Parlamento, nas entrevistas tem correspondido a uma agressão mental e emocional, por ação ou omissão” sobre o eleitor.

Em 2025, o país completa quarenta anos de democracia sem que os políticos e candidatos ofereçam propostas para completar o processo iniciado em 1985, e pagar as dívidas ainda em aberto.

Não discutem a persistência da pobreza, manutenção da concentração de renda, péssima qualidade e abissal desigualdade da educação, a armadilha que não permite aumentar a produtividade e a renda média, a podridão da corrupção e a ferrugem da burocracia, a instabilidade jurídica e fiscal, a violência generalizada….

Este debate desapareceu dos discursos políticos, como uma violência intelectual e moral, uma pancada, uma cadeirada dentro do cérebro dos eleitores matando suas crenças nas lideranças e suas esperanças no futuro.
Cristovam Buarque

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Materialização da insegurança

O que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é a riqueza. Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é uma coisa relativa e pouca satisfatória. No fundo não passa de uma situação particular. Ser rico significa depender de coisas que se possui e que se é obrigado a proteger da destruição, acumulando as posses e as novas dependências. A riqueza não passa de uma materialização da insegurança

Franz Kafka

Quais são as limitações da inteligência artificial

A principal limitação do debate sobre inteligência artificial é a praticamente nenhuma referência à superioridade e à necessidade da inteligência tradicional. O desencontro entre a expansão das funções da inteligência artificial e a lentidão de adaptação dos seus descartados à modernidade que ela representa responde por um doloroso processo de exclusão social, que é anticapitalista e inimigo da empresa.

A inteligência artificial nasce e prospera para suprir, e não para substituir a inteligência natural e tradicional, para completá-la e ampliar o domínio do que é inteligente sobre o que é espontâneo. Foi Gramsci, pensador italiano vítima do fascismo, quem sublinhou a importância do bom senso do homem comum na realidade social.


A inteligência artificial se desenvolve para multiplicar os efeitos econômicos e sociais do conhecimento erudito. Porém, nos vários campos de sua aplicação, ela não supre a carência criada pelos descartes de talentos que provoca.

Tampouco a inteligência artificial pode criar instrumentos, técnicas e meios que se sobreponham à criatividade do repente, da improvisação, da intuição, do senso comum sensível às informações não codificadas dos meios artificiais de inteligência. Ela não pode vencer com prontidão o prejuízo inesperado decorrente das contradições econômicas e das irracionalidades sociais.

Do ponto de vista antropológico, a inteligência artificial não é inteligente. Ela não vem primeiro. É criatura da inteligência tradicional. Falta-lhe o principal elemento da cultura e da condição humana: o reconhecimento da necessidade, da legitimidade e da probabilidade do erro. O desafio da interpretação.

Nesse sentido, só o acerto, que é próprio da inteligência artificial, é um erro. Erro dominado e controlado pela inteligência artificial não é erro porque é erro previsto, insuficiente para que seja definido como erro, como ato não inteligente. O erro e o inesperado são partes integrantes da verdadeira cultura da descoberta e da invenção, do aperfeiçoamento. Onde não existem, não há criatividade.

Os simples, sujeitos da inteligência cotidiana, são a mediação de desafios que provocam a necessidade de saber. O antropólogo português Adolfo Coelho, em estudo primoroso, destacou que ser analfabeto não é o mesmo que ser ignorante. Coisa que aqui no Brasil temos dificuldade de compreender.

Trabalhei em fábrica quando era menino e adolescente. Achava que aquela maquinaria toda, complicada, era brinquedo de adulto e de engenheiro. Em parte criado na roça, na minha ingenuidade, via e intuía coisas que eram irrelevantes para os sábios da empresa, os engenheiros e técnicos.

Foi o que aconteceu quando o demônio “apareceu” para as operárias numa das seções da fábrica, num momento de reiterada produção defeituosa que eles não sabiam explicar. O imaginário delas continha explicações que o deles não continha.

Eu via, também, embora não compreendesse, que havia uma guerra de saberes entre dois poderes da fábrica, representados pelos antigos mestres, de um lado, e os engenheiros, de outro.

Roberto Simonsen, o fundador da empresa, formado pela Escola Politécnica de São Paulo, quando chegou o tempo de modernizar o processo produtivo, intuiu que, sem os velhos mestres, os novos engenheiros não conseguiriam fazer a empresa funcionar.

Fundador da Fiesp, ele era também fundador da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde lecionava história econômica do Brasil. Sabia que a ciência na produção tinha limites sem as ciências sociais, sem o diálogo investigativo com o conhecimento popular, com o senso comum, com a lógica e as regras do saber tradicional.

Enquanto a cultura empresarial da coexistência pacífica entre saberes desencontrados e de diferentes idades fosse acatada, a empresa continuaria produzindo lucros. No fundo Simonsen considerava os saberes dos simples um capital social, que estava à disposição da empresa gratuitamente.

Os filhos de Simonsen continuaram a tradição do pai. Mas uma nova geração da mesma família, em vez de assumir a direção da empresa, entendeu que assumiu o poder da empresa. Suprimiu a mediação da coexistência de saberes distanciados pela diferença de idades do conhecimento industrial.

O capital social da sabedoria antiga tinha sido descartado. Faltou o diálogo de saberes que corrigisse e equilibrasse as consequências irracionais do desenvolvimento econômico desigual. A empresa acabou fechada, depois de 80 anos de funcionamento, e demolida.

Apesar dos recursos da crescente disponibilidade de inteligência artificial e impessoal na indústria, ela criou uma espécie de orfandade do novo empresariado de senso comum pobre.
José de Souza Martins 

A Era da Água Escassa chegou

No que diz respeito à água, o mundo enfrenta uma situação insustentável. No entanto, resolver o problema está a nosso alcance; e é o resultado mais fácil de se obter, porque permite lidar com as mudanças climáticas e gerar empregos e crescimento.

A crise da água é evidente. Ano após ano, em uma região após a outra, ondas de calor e secas recordes são seguidas por tempestades e inundações destrutivas. Os sistemas alimentares estão secando e as cidades estão afundando à medida que atingimos os limites de extração de água da terra. Mais de 1.000 crianças menores de cinco anos morrem a cada dia em decorrência de doenças causadas por água potável insegura e falta de saneamento. Centenas de milhões de mulheres passam horas todos os dias coletando e transportando água.

Esta é uma crise criada pelo ser humano, e pode e deve ser resolvida por meio de intervenções humanas. Mas para alcançar equidade e sustentabilidade em todos os lugares, precisaremos de novas formas de governo da água; de uma onda de investimentos muito maiores que os atuais; de inovação em escala e capacitação. Os custos dessas ações são insignificantes em comparação aos danos econômicos e humanitários que serão infligidos se a falta de ação continuar

O primeiro passo é reconhecer que os problemas que enfrentamos não são meramente tragédias locais. Todos os cantos do mundo estão sendo afetados, e cada vez mais, por m ciclo de água desestabilizado. As abordagens atuais tendem a lidar com a água que podemos ver – a “água azul” em nossos rios, lagos e aquíferos – e assumem que o suprimento de água é estável ano após ano. Mas isso não é mais verdade, pois as mudanças no uso da terra, as mudanças climáticas e um ciclo de água fora de controle estão afetando os padrões de chuva.

O pensamento convencional ignora, com frequência, um outro recurso crítico de água doce — a “água verde” que aparece em nossas florestas, plantas e solo; que transpira e é reciclada pela atmosfera. A água verde gera cerca de metade da precipitação que cai na terra, a própria fonte de toda a nossa água doce. E os países não estão conectados apenas por meio de fluxos de água azul (como rios), mas — o que é mais importante — por meio de fluxos atmosféricos de umidade. Como um componente essencial do ciclo global da água, a água verde precisa urgentemente ser melhor gerenciada.

O mais perigoso é que as interrupções no ciclo da água estão profundamente interligadas com o aquecimento global e o declínio da biodiversidade planetário, sendo que fenômeno reforça o outro. Um suprimento estável de água verde no solo é fundamental para sustentar os sistemas naturais terrestres que absorvem de 25% a 30% do dióxido de carbono emitido pela combustão de combustíveis fósseis.

Esse processo representa um dos aportes naturais mais significativos para a economia global. No entanto, a perda de áreas úmidas e da umidade do solo, juntamente com o desmatamento, está esgotando as maiores reservas de carbono do planeta, com consequências que podem tornar insuportável o ritmo do aquecimento global. O aumento das temperaturas desencadeia ondas de calor extremas e aumenta a demanda de evaporação na atmosfera, o que seca severamente as paisagens e aumenta o risco de incêndios florestais.

Portanto, a crise hídrica afeta praticamente todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e ameaça as pessoas em todos os lugares. A insuficiência de alimentos para uma população mundial crescente, a disseminação acelerada de doenças e o aumento da migração forçada e dos conflitos entre fronteiras são apenas alguns dos resultados previsíveis.


Um problema coletivo e sistêmico de tão grande escala só pode ser resolvido com uma ação conjunta em todos os países e por meio da colaboração entre fronteiras e culturas. É fundamental que haja um entendimento compartilhado do Comum. Caso contrário, o que pode parecer bom para um país hoje pode facilmente criar problemas para esse mesmo país amanhã, bem como para outros em todo o mundo.

A situação exige não apenas maior ambição, mas também uma abordagem da água voltada para a missão. Uma abordagem que abranja vários setores e se concentre em todos os níveis, desde o gerenciamento de bacias hidrográficas locais até ao estabelecimento de uma cooperação multilateral. Podemos e devemos ter sucesso nas missões hídricas mais importantes do mundo:


*Lançar uma nova Revolução Verde nos sistemas alimentares para reduzir o uso da água e, ao mesmo tempo, aumentar a produção agrícola para atender às necessidades nutricionais de uma população crescente.

*Conservar e restaurar os habitats naturais que são essenciais para proteger os recursos hídricos verdes.Estabelecer uma economia de água “circular” em todos os setores.

*E garantir que todas as comunidades vulneráveis tenham serviços adequados de água limpa e segura e saneamento até 2030.

Embora essas missões devam impulsionar mudanças nas políticas, alinhar os setores público e privado e estimular a inovação, elas também exigem novas formas de governar. A formulação de políticas deve se tornar mais colaborativa, responsável e inclusiva de todas as vozes, especialmente as dos jovens, das mulheres, das comunidades marginalizadas e dos povos indígenas que estão na linha de frente da conservação da água.

A mudança política mais fundamental está na valorização adequada da água para refletir sua escassez, bem como seu papel fundamental na sustentação dos ecossistemas naturais dos quais toda sociedade depende. Precisamos acabar com a subvalorização da água em toda a economia e com os subsídios agrícolas prejudiciais que impulsionam o uso insustentável e degradam a terra. O redirecionamento desses fundos para a promoção de soluções de economia de água e o fornecimento de suporte direcionado para os pobres e vulneráveis seriam de grande ajuda.

Para corrigir o subinvestimento crônico em água, precisamos redefinir a prioridade da infraestrutura hídrica nas finanças públicas, onde ela é estranhamente negligenciada na maioria dos países. Os formuladores de políticas podem se basear nas melhores práticas de parcerias público-privadas para oferecer incentivos justos para compromissos de longo prazo e, ao mesmo tempo, atender aos interesses do público, especialmente das comunidades carentes.

Dada a natureza coletiva do desafio da água, devemos garantir fluxos financeiros maiores e mais confiáveis para ajudar os países de renda baixa e média-baixa a investir na resiliência da água. Os bancos multilaterais de desenvolvimento, as instituições financeiras de desenvolvimento e os bancos públicos de desenvolvimento precisarão trabalhar em estreita colaboração com os governos para apoiar as missões nacionais de água que refletem as necessidades locais e as condições ecológicas. Os acordos comerciais internacionais também oferecem possíveis alavancas para promover o uso eficiente da água, pois podem ajudar a garantir que a “água virtual” incorporada aos produtos comercializados não agrave a escassez em regiões com estresse hídrico.

Assim como estamos fazendo em relação às emissões, devemos compilar dados de alta integridade sobre as pegadas hídricas corporativas e criar estruturas para a divulgação do uso da água. Também precisamos desenvolver sistemas para avaliar a água como parte do capital natural. A fixação de um preço para esse recurso fundamental poderia gerar dividendos significativos para os países ao longo do tempo.

Em resumo, precisamos moldar os mercados em nossas economias – da agricultura e mineração à energia e semicondutores – para que se tornem radicalmente mais eficientes, equitativos e sustentáveis no uso da água.

O relatório preliminar de 2023 da Comissão Global sobre a Economia da Água apresentou os argumentos para buscar uma mudança fundamental na forma como o mundo gerencia a água. Nosso relatório final em outubro deste ano mostrará como podemos fazer isso por meio de uma ação coletiva transformadora.

Estamos apenas em 2024. Se não enfrentarmos esses problemas, os incêndios florestais, as inundações e outros eventos extremos causados pela água e pelo clima se tornarão mais intensos e mortais nos próximos anos. Promover a agenda de segurança hídrica pode parecer mais difícil em meio às crescentes tensões geopolíticas, mas apresenta uma oportunidade de provar que a colaboração pode beneficiar todos os países e possibilitar um futuro justo e habitável para todos. Não podemos fugir desse desafio.

A cobra vai fumar

– A COBRA VAI FUMAR! Gritou o Mascarenhas de Morais no começo da Segunda Grande Guerra Mundial, fazendo gracinha com a participação ou não do Brasil na briga dos outros. Só sobrou para nós. Ninguém acreditava e todos diziam que era mais fácil “A COBRA FUMAR” que o Brasil entrar na guerra. O Brasil entrou e não foi nada bom para os nossos heróis. Muito diferente do que as telas mostraram, os brasileiros passavam entre duas montanhas de rochas duríssimas, e um riozinho de cinco metros, com centímetros de profundidade. Ninguém me disse. Eu fui lá, vi e chorei.

Pois é! Brincaram com o terrível vício das nossas rastejantes, até que elas se reuniram, em congresso patrocinado pelo Centrão, e resolveram fumar, todas juntas, o claudicante e incrédulo Brasil. As bichinhas estão fazendo uso dos seus trinta e nove gramas. Estão crazies! muito crazies!

O norte mandou as suas surucucus pico-de-jaca, o centro-oeste foi representado pelas jararacas, o sul pelas cobras corais e o nordeste pelas arrepiantes e barulhentas cascavéis.


As sinuosas começaram a puxar os seus enroladinhos lá na bela São Paulo e saíram se dividindo por Rio de Janeiro, Mato Grosso, Amazonas, Salvador e o Brasil foi tomado por uma imensa cortina de fumaça.

Agora, neste ano de 2024, senti falta da Greta TINTIN Thunberg, sueca, 21 aninhos, conhecedora da fauna amazônica, notadamente dos seus elefantes, rinocerontes, hipopótamos, avestruzes e girafas. O Leonardo Di Caprio também não bateu seu ponto porraqui. Por que será? O Brasil pegou fogo, virou carvão, ainda sobra fumaça e os dois bombeiros sumiram!

Ainda bem que o nosso Presidente Lula esticou suas viagens para o Brasil do PIBinho e espalhou suas esmolas tão esperadas e sempre bem-vindas. O Presidente, agora, irá atender aos governantes do sul e sudeste. Esses profissionais da esmola sabem dar pouco e pedir com muita vontade e fome.

“Presidente, eleições à parte, o senhor será sempre bem-vindo porraqui!”

Presidente, quando vier porraqui, conosco, traga a Presidenta Dilma, foi ela que estendeu os benefícios da Zona Franca por mais setenta e dois anos. Esses benefícios fazem um bem desgraçado para o Brasil. Uma das coisas ruins que a Zona Franca faz: é manter os pobres depositados aqui, por todos os ricos do mundo, evitando que eles invadam São Paulo e Brasília atrás de comidinha e aguinha.

Presidente, que ninguém nos ouça, porque a maioria não sabe ler e, quando sabe, não interpreta corretamente, mas São Paulo continua sendo o máximo, mesmo sem água para os que lá habitam. Já pensou um deslocamento de três milhões, de famintos e sedentos, na direção do sul e passando pelo centro-oeste? Será pior que a dinamitadora Coluna Prestes, onde o Chefe ia na frente, sonhando, e os “colunáveis” acompanhavam: assaltando, estuprando, matando, tocando fogo e destruindo tudo. Nós não merecemos isso na nossa terrinha. Venha mais vezes, estenda as suas bondades e traga a Presidenta Dilma.

Ao pessoal que tem PIBão, abra a sua mão, mas não esqueça que eles possuem as quatro estações do ano, e nós, aqui de cima, temos apenas duas: o verão do sol que racha as nossas ideias, e o inverno, que as afoga. Divida bem dividido o dinheiro desse Brasil e que todo o dinheiro dado, sem que nenhum trabalho seja criado, está vitaminando a nossa velha e cansada inflação e que não a merecemos nem a aguentamos mais.

A fumaça vai passar muito mais rápido que a grande seca que já fincou suas garras em todos os quadrantes e parece não querer nos largar tão cedo. Acredito ter chegado o momento de convocar o mundo científico para vir estudar e ajudar as nossas mais capacitadas cabeças, a entender, realmente, o que está acontecendo. Chegou a hora de fazermos barragens? Estaremos passando pelo que os americanos do Tennessee e outros estados americanos passaram? A conversa já está nesse nível: ou barragens ou desgraça. Vamos entrar na guerra contra a desertificação de grandes alagados.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


As eleições da alienação

O delegado Alexandre Ramagem, perguntado pela Veja sobre a preparação do Rio de Janeiro para o risco climático, disse que há “muito desentendimento mundial de narrativas sobre as mudanças climáticas”. Não há desentendimento, nem narrativas. Esse tempo passou. Há muitos anos, existe um consenso entre cientistas sobre a mudança climática, com o recuo dos poucos que ainda negavam. O que a resposta de Ramagem mostrou é como esse grupo político está despreparado para enfrentar a tarefa de governar as cidades brasileiras, país que tem mais de dois mil municípios considerados vulneráveis.

A realidade é de derreter o mais empedernido ceticismo em relação à ciência, mas os negacionistas ainda tentam construir respostas usando palavras como “desentendimento” e “narrativas”. O delegado Ramagem é apenas a face mais visível do fiasco de Jair Bolsonaro em seu reduto. O que é realmente importante é o drama que o país está vivendo.


Não há controvérsia de que a mudança do clima é um risco existencial para os seres humanos e que ele está diante de nós brasileiros no ano mais devastador que vivemos. Em maio, o Rio Grande do Sul naufragou numa inundação catastrófica, agora a seca devasta quase todo o país, a fumaça de incêndios criminosos invade os pulmões dos brasileiros contratando doenças presentes e futuras, a Amazônia enfrenta a segunda estiagem severa consecutiva. E nada disso está refletido nos debates eleitorais.

O Brasil realiza uma eleição em 5.569 municípios e esse assunto passa de raspão nos debates entre candidatos, nos programas, e nas discussões. Deveria ter a centralidade que tem o problema hoje no país. O Brasil está sufocando, mas o que atraiu até agora mais atenção foram as performances canhestras de um farsante, com suas mentiras patéticas e seus truques surrados.

O Congresso esta semana parecia habitar outro planeta. Ele agregou à sua agenda antiambiental um comportamento totalmente alienado. Mergulhou em si mesmo e lá ficou impermeável à realidade. Voltará ao tema do meio ambiente toda vez que houver oportunidade de atrapalhar e agravar a situação.

O governo enviará as propostas de um arcabouço para enfrentar a médio e longo prazo esse problema, com a criação da Autoridade Climática, o Comitê Científico, o plano de enfrentamento dos efeitos da mudança climática e o estatuto jurídico da emergência climática. Com leis e órgãos, o Executivo quer organizar a forma de atuar diante dos desastres que virão. Certamente o Congresso criará dificuldades, e uma já está desenhada, a de tentar levar para a Casa Civil a Autoridade Climática, caso a aprove. O problema é que foi exatamente na Casa Civil que essas propostas do Executivo ficaram estacionadas por tempo demais.

A mudança climática é um fenômeno global, ela atinge todos os países, mas acontece nos municípios. É em São Paulo que há uma semana não se respira, foram as cidades gaúchas que tiveram que buscar forças para emergir das enchentes, são as cidades da Amazônia que furam poços atrás de água. Por isso é tão impressionante que este não seja o tema central dessa campanha eleitoral. Candidato que ignora o risco ameaça a vida do cidadão.

Em debate na semana passada na Livraria Travessa, no Rio, o jornalista Claudio Ângelo e o engenheiro florestal Tasso Azevedo falaram da pesquisa que fizeram durante três anos para escrever o excelente “O silêncio da Motosserra: Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia”. O livro fala com profundidade da relação do Brasil com a maior floresta tropical do mundo, com seus erros e acertos, e foca nos anos em que foi possível reduzir em mais de 80% o desmatamento na Amazônia. Com essa experiência vitoriosa, de 2005 a 2012, como pano de fundo, os autores disseram que o desmatamento zero está ao nosso alcance, mas não é mais suficiente.

O que era a resposta desejável até há pouco tempo ficou insuficiente pelo aumento do patamar do desafio climático. O cientista Carlos Nobre, em entrevistas durante a semana, alertou que o mundo chegou à elevação de um grau e meio na temperatura, sete anos antes do previsto pela ciência. E ele, um dos maiores climatologistas do mundo, se diz perplexo com o ritmo da aceleração do aquecimento global.

As eleições municipais de 2024 estão sendo uma oportunidade perdida. Agora era a hora exata de os candidatos mostrarem aos eleitores suas propostas para enfrentar o risco que nos assombra.

Ricos de fuligem


São Pedro é mais importante para o agro do que juros
Felippe Serigati

O triunfo da boçalidade

A racionalidade é a matriz que identifica o ser humano. É a marca que lhe confere o dom da razão. Quando desprovido do farol que guia seus passos, o homem afunda no abismo da ignorância. Cai na vala dos insensatos.

Ao correr da história, tem sido longo o registro de figurantes públicos da pá virada, cujos nomes frequentaram a literatura política graças a gestos e feitos tresloucados.

Lembremos dos idos de ontem; Calígula, o imperador que nomeou cônsul seu cavalo Incitatus, transformando-o em um ente de seu Estado teocrático. Ou mesmo Nero, outro imperador amalucado que mandou assassinar a mãe, Agripina, e suas duas esposas, Cláudia Otávia e Pompeia Sabina —e acusado ainda de iniciar o grande incêndio de Roma, que devastou parte da cidade por nove dias.

Pulemos para os nossos dias. Não é nonsense constatar um candidato à Presidência dos Estados Unidos incentivar a invasão de um símbolo da democracia, o Capitólio, por ambição de chegar ao poder central com devastação de monumentos públicos e golpe nas instituições? Donald Trump é essa figura. A mesma indicação pode ser feita sobre o estrambótico personagem que estaria por trás da "Festa de Selma", a arrumação golpista para solapar a democracia brasileira? Jair Bolsonaro, segundo se sabe, seria o inspirador da devastação do 8 de janeiro em Brasília.


Na mesma categoria de situações absurdas, a mostrarem os disparates cometidos por um alentado rol de governantes sem escrúpulos, estariam Vladimir Putin, com sua decisão de invadir uma nação soberana, a Ucrânia, para surripiar dela territórios. Ou Nicolás Maduro, suspeito de esconder as listas das urnas, que teriam garantido a vitória de seu opositor, na Venezuela, Edmundo González, no pleito de 28 de julho último.

A larga galeria de protagonistas que ultrapassam as fronteiras do bom senso resulta de uma ferrenha disposição em chegar ao poder ou perpetuar seu mando por obra e graça de métodos radicais, identificados como eixos de sistemas ditatoriais que teimam em se alastrar pelos quadrantes do planeta.

O historiador britânico, John Emerich Edward Dalberg-Acton, mais conhecido por Lord Acton, já descrevia em sua obra que, em todos os tempos, o progresso da liberdade enfrentou inimigos naturais, pela ignorância e superstição, pela sede de conquista, pelo desejo de poder. E concluía com o famoso ditado: "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente".

Nesse ponto, o poder absoluto chega à encruzilhada da corrupção, sob a égide da violência, para formar a quadra sombria já descrita pelo professor Samuel Huntington em seu livro "Choque de Civilizações", onde desenha a imagem do "puro caos": a quebra no mundo inteiro da lei e da ordem, as ondas de criminalidade, o declínio da confiança na política, a degradação dos valores morais.

A conclusão é que, nesses tempos de celebradas descobertas nos campos da biotecnologia, das ciências médicas e farmacêuticas, tempos em que o ciclo de vida dos humanos ganha acentuado alongamento, passamos a retroceder na área da política, em clara sinalização de resgate da barbárie. Um retrocesso civilizatório. As lutas fratricidas se sucedem (vejam a Faixa de Gaza e as já citadas Ucrânia e a Rússia), a fome ceifa a vida de milhões de pessoas nos devastados países da África, a miséria se expande nos vãos e desvãos das democracias, acentuando as desigualdades.

Fixemos nossos olhos na linha do horizonte. O que vemos? O planeta pedindo socorro. Primeiro, para evitar seu sufoco, ante a escalada das calamidades climáticas. Nosso habitat clama por uma economia de baixo carbono, baseada em fontes de energia que produziriam baixos níveis de emissões de gases do efeito estufa.

Nos últimos dias, a ONU divulgou um alerta mundial com uma ameaçadora previsão: o nível do mar deve subir de forma dramática nas próximas décadas, em consequência do aquecimento global. No sul do Oceano Pacífico, o nível do mar subiu 15 cm nos últimos 30 anos. Se o Pacífico continuar a subir, os países-ilhas podem até sumir do mar.

A ambição desmesurada de muitos governantes é a de fincar pé na economia do petróleo, que sustenta seus projetos de poder. A ignorância, a estupidez, a insensatez dão as cartas no painel civilizatório. Eis a ficha dos nossos tempos: o triunfo da boçalidade.

Quem somos (ou queremos ser)?

No Brasil, a ideia de modernismo, que só se consolidou em 1922, mudou nosso modo de pensar sobre nós mesmos. Não se tratava mais de procurar entre nós as melhores pistas de valores consagrados lá fora, mas de criar nossos próprios valores necessariamente distintos dos de “lá fora”.

Tratava-se de inventar uma nação que ainda não existia, a partir de costumes originais que sempre existiram, de uma linguagem inédita que nunca percebemos existir, de paisagens geográficas das quais mal nos orgulhávamos, de personagens e situações que só nós conhecíamos e, portanto, só nós sabíamos e podíamos torná-las uma narrativa com sentido.

O Brasil já começou a resolver a questão das incertezas de nosso futuro, garantindo a exibição dos filmes brasileiros, protegendo-os contra o massacre do mercado. Mas ainda falta muita coisa que já foi concluída em outros países com menos pressa econômica e cultural, e mais baixa qualidade de resultados.

Nossas melhores cabeças pensaram ou sonharam com esse projeto de Brasil para o século 21. Ele está no mito de nossa formação racial, a única indo-luso-africana em todo o planeta. Ele está no mito do país imenso e no milagre de ser um só desse tamanho todo, com uma só língua e costumes semelhantes. Ele está no mito da cordialidade com que nos acostumamos a nos autorreferir. Ele está no mito de nossa musicalidade, no samba e outras bossas. Ele está no humanismo de nossa melhor produção cultural. Ele está em nossa permanente esperança de sermos o futuro Ser Humano.

Do ponto de vista da democracia, só existe essa governabilidade, a outra será sempre uma espécie de chantagem exercida em nome de forças ocultas, sem identidade conhecida. Enquanto não encontrarem coisa melhor, é preciso se conformar com a beleza do voto garantindo o poder para o que a maioria deseja e o direito de manifestação livre da minoria, que daqui a quatro ou cinco anos terá outra oportunidade de se tornar maioria.

Tentamos encontrar em outros autores, tantos outros, uma resposta para aquele horror de nossa frustração, o fracasso objetivo do pensamento socialista vencido pela realidade, com o exemplo maior da União Soviética, berço de tudo. Não podíamos imaginar que não houvesse alternativa ao regime de exploração do homem pelo homem.

Os movimentos identitários partiam da defesa da diversidade, da defesa do outro. Hoje esses movimentos se transformaram em autopiedade socializados, cada uma dessas minorias desfaz daqueles outros líderes, pouco se importam com os outros, nem deixam que os outros se metam nos assuntos que não lhes “pertencem”. John Stuart Mill, iluminista inglês do século XIX, chamava a isso de “tirania da maioria”.

Em 1936, na Espanha, Millán-Astray, fundador da franquista Legião Espanhola, costumava interromper as manifestações de professores na Universidade de Madri com gritos que diziam: “Abaixo a inteligência, viva a morte!”. Quando tentou fazer isso com o grande poeta e filósofo dom Miguel de Unamuno, este lhe respondeu com curto discurso que terminava com uma declaração que se tornou universal e eterna: “Somos mais pais de nosso futuro do que filhos de nosso passado”.

Temos vivido um vendaval como essas de opiniões radicais e histéricas de todos os lados, que não têm nada a ver com o presente do país. Imagine só seu futuro!

Por mais que a gente tente mantê-la sob controle, a vida é feita sobretudo de acasos, eventos que não programamos e que podem chegar até nós por uma sucessão de acontecimentos pessoais ou por disposições políticas do lugar e do tempo em que estamos. Em política, isso acontece constantemente, e nem sempre podemos dar um jeito no acaso para que ele possa se acertar com nossos planos.
Cacá Diegues

Que falta nos faz um consenso nacional

Uma das questões mais angustiantes da política brasileira é a ausência de um projeto de desenvolvimento sustentável, em bases democráticas, que conte com amplo apoio político e respaldo social. Sem um consenso nacional, a agenda é pautada pela “transa” entre seus protagonistas, movidos por interesses da pequena política. Essa urgência é dada pela distância crescente entre nosso país e outras nações, não somente os Estados Unidos ou os países europeus, mas, também, os asiáticos, como China e Índia, que, hoje, ocupam a posição de segunda e quinta economias do mundo, enquanto ficamos para trás.

Em um artigo publicado na Carta Capital, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, expôs de forma resumida uma agenda de integração do Brasil com os demais países da América do Sul que contempla obras de infraestrutura, transição energética, avanços da ciência e da tecnologia, além de medidas voltadas para as questões aduaneiras, policiais e o turismo. Hoje, lamentavelmente, o contrabando de mercadorias, o comércio ilegal de armas e o tráfico de drogas, além da imigração de refugiados — particularmente, de venezuelanos, que cresce —, têm mais visibilidade do que a agenda positiva.

Batizado de Consenso de Brasília, os países da América Latina têm predisposição de agir em conjunto, em que pese os problemas políticos no continente. E as mudanças geopolíticas transformaram a China na maior interessada em que essa integração ocorra. Por motivos óbvios: a Nova Rota da Seda é como um rio que busca o leito mais favorável. Mais uma razão para o Brasil acelerar a implementação das cinco rotas de integração com os países vizinhos, que são multimodais. Envolvem hidrovias, rodovias, infovias (fibra óptica), portos, linhas de transmissão elétrica, ferrovias e aeroportos.

O deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico impõe a modernização de nossa infraestrutura logística em onze estados de fronteira: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Segundo a ministra Simone Tebet, três dessas rotas passam pelo Centro-Oeste e o Norte do país (Rota 1/Ilha das Guianas; Rota 2/Amazônica; Rota 3/Quadrante Rondon); duas englobam a Região Sul: (Rota 4/Bioceânica de Capricórnio, que sai de São Paulo até Antofagasta, no Chile, passando pelo Paraguai) e a Rota 5/Porto Alegre-Coquimbo, também no Chile, que cruza a Argentina).


“Uma rota não briga com a outra. O sucesso da saída mais ao leste, como a pavimentação da BR-156, no Amapá, fronteira com a Guiana Francesa, não atrapalhará, por exemplo, o escoamento de produtos na perna mais ao leste, como Tabatinga, no Amazonas”, explica Tebet. O governo Lula conta com uma carteira de US$ 10 bilhões, contados os recursos do BID, CAF, Fonplata e BNDES, para investir no projeto. Os vizinhos somam 200 milhões de habitantes, o equivalente a um Brasil inteiro, e são potenciais consumidores e produtores de bens e serviços.

Projetos dessa envergadura não acontecem apenas por vontade dos governos, há que se ter convergência de forças econômicas, políticas e sociais. Uma consciência coletiva é necessária para virar a chave e inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento. Foi assim como o Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck, na década de 1950, para um novo salto na industrialização do país, e com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e, principalmente, Fernando Henrique Cardoso, que enfrentou a hiperinflação e estabilizou a moeda, rompendo a lógica da “inflação inercial” como forma de financiamento dos investimentos públicos. Em ambos os casos, havia os descrentes e quem fizesse oposição frontal ao projeto, mas criou-se um amplo consenso de que o país deveria estar engajado. Esse consenso é que evita, mitiga ou corrige os erros. É assim que funciona na democracia. A via de modernização autoritária, como correu no Estado Novo e no regime militar, dispensa amplos consensos, mas não nos interessa.

O que isso tem a ver com o momento político que estamos vivendo? Muito pouco. Não está nas prioridades do Congresso Nacional, haja vista o debate sobre as emendas parlamentares ao Orçamento da União, que abocanham R$ 44,67 bilhões, sendo que R$ 25,07 bilhões em emendas individuais, R$ 11,05 bilhões em emendas de comissões, e R$ 8,56 bilhões em emendas de bancadas estaduais. Esses recursos são pulverizados, voltados para interesses paroquiais e, alguns casos, desviados. Momentaneamente, foram suspensos, por falta de transparência, mas o que interessa aqui é o espírito da coisa.

O que está por trás de tudo isso não é a grande política, um projeto nacional. É apenas a pequena “política como negócio”, que faz parte da ordem capitalista democrática, mas, aqui, é feita de forma escamoteada e sufoca a “política do bem comum”, que deveria ser hegemônica, para usar os conceitos do filósofo e sociólogo alemão Max Weber, autor de A política como vocação e A ética protestante e o espírito do capitalismo (Companhia das Letras).

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Medir em vez de discutir

Sempre tive ar condicionado em casa, mas ultimamente tenho-me sentido ainda mais encalorado do que é costume, levando-me a duvidar do aparelho.

Mas afinal o aparelho estava bom e eu é que estava avariado. Decidi comprar termômetros aqui para casa, para ver até que ponto é que o meu termóstato interior estava desafinado.

Há muita gente que não sabe que a temperatura ideal para o conforto masculino (20 ou 21 graus) é diferente daquela que determina o conforto feminino, que é 24 ou 25 graus.


Destes graus de diferença — que são uma média planetária — nascem diariamente biliões de discussões, sempre em torno da questão de estar frio ou estar calor.

São estas as temperaturas que permitem ao ser humano não pensar na temperatura e poder pensar, sei lá, noutras coisas. Para mais, durante o ano inteiro, seja qual for o tempo que está lá fora.

Mal espalhei os termômetros pela casa, senti-me logo desmentido. Bem que tentei imaginar que estivessem todos feitos uns com os outros, para me enganar, convencendo-me de que não estava o calor que eu sentia.

Mas contra seis termômetros — com uma margem de erro máxima de 1 grau — é impossível marrar.

De um dia para outro, deixei de usar o ar condicionado. Deixei de ter calor. Foram os números dos termômetros que me acalmaram. Desafiaram-me a continuar a ser histérico. E eu desisti imediatamente.

O ser humano precisa de números. Precisa de medir. Ir contra os números é ir contra a natureza humana. Por muito que gostemos de discutir se está frio ou calor, ou se vamos depressa ou devagar, ou se ganhamos muito ou pouco, ou se somos altos ou baixos, gordos ou magros, novos ou velhos, há um limite para essas tagarelices: são os números.

Os números constituem o limite da tagarelice.

A matemática pode ser difícil para a grande maioria das pessoas, mas para uma minoria considerável (que se pode medir e avaliar) é um prazer essencial.

Os números não são mágicos: nós é que somos ilusionistas.

Os impactos da Teologia da Prosperidade

Quem zapeia os programas de TV das igrejas evangélicas logo percebe a frequência que é dada a quadros do tipo “xô pobreza!”, com seguidos depoimentos de gente que estava na pior e começou a prosperar, sempre com as graças do senhor.

São histórias que seguem mais ou menos este roteiro: “Estava largado da mulher, comecei a beber, não tinha onde cair morto, acabei dormindo debaixo da ponte, mas caí em mim, orei para o Senhor, recomecei e dei a volta por cima. Hoje tenho uma empresa com vários empregados, dois carros, estou ficando rico e vou ficar ainda mais...”.


Não é coisa de meia dúzia de casos. São milhares e milhares. As igrejas evangélicas vêm cultivando a versão brasileira para o que, em 1904, o sociólogo alemão Max Weber chamou a atenção em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

É a ideia de que pobreza é atraso de vida, que tem de ser erradicado das pessoas e das famílias. O enriquecimento pessoal e o empreendedorismo são sinais da graça de Deus, concedidos a quem se esforça, cultiva os bens materiais e se torna patrão de si mesmo. Se vier uma ajuda do Estado e do político da hora, vá lá, não é para desprezar, mas não se pode contar com isso. O importante é trabalho, é suor e subir na vida.

A digitalização do cotidiano, por meio dos aplicativos, vem ajudando a espraiar a nova mentalidade que valoriza as qualidades individuais, a prestação de serviços, de preferência a vários clientes, e a criação da jornada independente de trabalho. Para esse novo estrato social, a ação sindical só atrapalha.

O PT tenta dialogar com essa clientela ligada aos evangélicos que escapa de sua área de influência. Mas insiste em explicações e na visão antiga de mundo que não os atingem, como a teoria da luta de classes e a da organização do proletariado contra a dominação da burguesia, para a construção da sociedade socialista.

As implicações políticas e econômicas dessa busca da prosperidade começam a ficar claras. As pequenas e médias empresas e o trabalho autônomo se multiplicam. Os sindicatos, que já vinham se esvaziando por outras razões, tendem a se enfraquecer ainda mais. Aumentam os apelos ao avanço social, em alguns casos sem olhar para que meios, como se vê pela ascensão do candidato Pablo Marçal, em São Paulo. Como a contribuição ao INSS é muitas vezes ignorada, as finanças da Previdência vazam sem controle, o que concorre para o aumento do rombo fiscal.

A Teologia da Prosperidade e esse novo empreendedorismo são coisas relativamente novas neste Brasil colonizado pelos jesuítas que pregavam o desprendimento dos bens materiais. Tudo isso é um vasto assunto à procura de mais estudos para avaliação de seu impacto sobre a economia e a política.
Celso Ming

Trabalhar é para otários

"A riqueza, para o brasileiro, não é o acúmulo penoso de dinheiro poupado graças a muitas horas de trabalho", disse Stefan Zweig. "É algo com que se sonha; tem que vir do céu e no Brasil, a loteria é esse céu. É a esperança quotidiana de milhões. A roda da fortuna gira todos os dias. Nos bares, nas ruas, a bordo e nos trens oferecem-se bilhetes de loteria. Todos os brasileiros os compram com o que sobra do seu salário. A determinada hora vê-se grande multidão diante do local da extração; em todas as residências e casas comerciais estão ligados os rádios; a expectativa do país inteiro se volta para um número. O que lhe falta de cobiça, o brasileiro compensa com esse sonhar cotidiano de um enriquecimento repentino."


Assim escreveu o vienense Zweig em "Brasil, País do Futuro", livro que publicou em 1941 e foi destroçado pela nossa imprensa. Zweig, judeu refugiado no país, foi acusado de tê-lo escrito por um visto de permanência. Era mentira, mas, como não podiam desafiar a censura e atacar a ditadura de Getulio, os críticos foram a ele. Um dos argumentos era sua descrição da mania brasileira pelos jogos de azar, incluindo os cassinos e o jogo do bicho. Disseram que não era verdade. Mas todos sabiam que era —e, como a história provou, sempre seria.

Nos anos 1970, tivemos o boom da Bolsa. Depois, a inacreditável obsessão pela loteria esportiva. Mais alguns anos, a febre dos bingos. E, há pouco, a da mega-sena. Mas esta tem agora um concorrente: as bets, em que se pode jogar pelo online e se tornaram o esporte nacional. Estão ao alcance até das crianças, inclusive como banqueiras —no Instagram, há influencers de 8 anos agitando notas de R$ 100 e prometendo dinheiro à vista no Jogo do Tigrinho. A palavra "bet" se incorporou à língua.

Nunca se jogou tanto no Brasil. As apostas parecem tomar 100% da publicidade em todas as mídias. É uma indústria que já movimenta R$ 100 bilhões no país, em ganhos para poucos e quebradeira para muitos. O governo tem outras preocupações. Firma-se a ideia de que é fácil ficar milionário e que trabalhar é para otários.

Zweig tinha razão.

Haja espaço para caber

O espaço é grande. Grande, mesmo. Não dá pra acreditar o quanto ele é desmesuradamente inconcebivelmente estonteantemente grande. Você pode achar que da sua casa até a farmácia é longe, mas isso não é nada em comparação com o espaço

Douglas Adams, "O Guia do Mochileiro das Galáxias"

Congresso ignora um país que arde

O Congresso adora se queixar de que os demais Poderes, quase sempre o Judiciário, atropelam suas atribuições e legislam em seu lugar. Mas onde está o Parlamento brasileiro no momento em que quase todo o território nacional está debaixo de fogo ou de fumaça carregada por esses incêndios, com graves consequências para o meio ambiente, a saúde pública e a economia? Está envolvido demais em suas próprias pautas, que em nada interessam ao conjunto da sociedade.

Não bastasse o segundo semestre ter sido decretado um grande ponto facultativo em razão das eleições municipais, nas poucas semanas em que se dignaram a bater ponto em Brasília, os congressistas decidiram reduzir a pauta a resolver o problema das emendas, a conchavos para a sucessão nas mesas da Câmara e do Senado e à agenda pessoal de Jair Bolsonaro. Nada mais descolado da realidade de um país que assiste a rios secarem e tem dificuldade para respirar.

A terça-feira não poderia ter sido mais sintomática desse descolamento da realidade por parte do Legislativo. Enquanto Lula se deslocava à Amazônia com uma caravana de ministros, e o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinava ações para o Executivo — em mais uma dessas bolas divididas que têm se tornado mais e mais frequentes —, os deputados passaram o dia envolvidos em fofoca e numa tentativa canhestra por parte da extrema direita de aprovar um projeto de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro.

Claro que o foco não são os executores do vandalismo que tomou de assalto as sedes dos três Poderes no início de 2023, mas os mandantes, financiadores e idealizadores dos atos, cujo julgamento está para acontecer. Em resumo, Bolsonaro e aqueles que, ainda na Presidência, ele arregimentou para um plano continuado de desestabilização do processo eleitoral e da transição de poder.

Depois de tomar para si o 7 de Setembro, transformado numa espécie de evento fixo do calendário de culto à personalidade, Bolsonaro enxergou noutra discussão alheia aos interesses da maioria da população, a troca de guarda no comando das duas Casas do Congresso, a oportunidade de encaixar a anistia para si e para os seu

Resolveu passar a chantagear os candidatos à presidência da Câmara, atrelando os votos de seu partido, o PL, à promessa de um dos postulantes ao cargo de Arthur Lira de que votará o trem da alegria para os golpistas. Com isso, bagunçou o coreto de Lira e do governo, que vinham apostando em relativa tranquilidade para construir maioria em torno do nome de Hugo Motta, do Republicanos, um azarão que correu por fora na disputa pela valiosa cadeira.

Diante das cenas cada vez mais flamejantes de um país que arde, e das consequências graves para o fornecimento de energia elétrica e para as lavouras e pastagens, para ficar apenas em alguns setores que sofrem com os incêndios e a estiagem, os senhores parlamentares deverão começar a falar do assunto que até aqui desprezaram nos próximos dias, essa é uma certeza. Mas então já estará evidenciado o efeito nefasto da paulatina transformação do Congresso Nacional numa caixa de ressonância pura e simples da polarização ideológica, que tem capturado os debates e relegado ao segundo plano assuntos urgentes, sobretudo neste ano.

Enquanto a pauta negacionista e golpista galopa no Salão Verde, cabe, de novo, a um ministro do Supremo tomar decisões. As medidas determinadas por Dino, desta vez, incomodam também o governo, que tem de executá-las. Mas é o tal negócio: não existe vácuo de poder. E, diante de uma situação cada vez mais evidente de que a emergência climática virou tema permanente, alguns parecem ter acordado mais rapidamente que outros.
Vera Magalhães