segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Mais de 1 milhão passam fome em São Paulo

Mais da metade da população da cidade de São Paulo possui algum grau de insegurança alimentar. É o que afirma a pesquisa intitulada "I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo", realizada neste ano por duas universidades paulistas, a Unifesp e a UFABC.

Segundo o estudo, divulgado em 20 de setembro, 12,5% dos moradores da cidade, cerca de 1,4 milhão de pessoas, experimentam insegurança alimentar grave. Ou seja, passam fome. A maioria (72%) vive nas periferias e é de trabalhadores informais (52%), principalmente mulheres que trabalham como faxineiras e diaristas (34%).

Já a insegurança alimentar moderada, quando há uma redução quantitativa de alimentos, atinge 13,5% dos moradores, e 24,5% experimentam insegurança alimentar leve, ou seja, não têm certeza se terão acesso a alimentos no futuro próximo.

De acordo com a pesquisa, os moradores da cidade mais rica do país passam mais fome do que o brasileiro médio. Em São Paulo, a insegurança moderada e grave afetaria 38,7% dos lares com rendimentos de até meio salário mínimo per capita, quase o dobro da média nacional, 22%. São dados chocantes.

O alto custo de vida em São Paulo faz com que muitos moradores tenham que tomar decisões difíceis todos os dias. Os entrevistados que passam fome dizem que deixam de comprar alimentos para adquirir passagens de ônibus e metrô ou pagar contas. Mais de um terço dos entrevistados afirmaram ter feito algo que causou vergonha, constrangimento ou tristeza para conseguir comida.

Em termos de políticas públicas, o cenário é extremamente desafiador. Mais de dois terços das pessoas que passam fome (68%) não são beneficiárias do programa Bolsa Família. No entanto, a participação no programa não garante a segurança alimentar. Apenas 27,1% dos domicílios com beneficiários do Bolsa Família possuem segurança alimentar.

Além disso, 89,5% não recebiam auxílio-gás, 76,3% não haviam acessado um restaurante popular ou cozinha comunitária, e 54,5% não haviam recebido doação de alimentos. Isso significa que importantes iniciativas ligadas à formulação e execução de políticas sociais e econômicas, em vários níveis governamentais, ainda são insuficientes para combater a fome na maior cidade do Brasil.

No entanto, em vez de iniciar um necessário diálogo entre pesquisadores e gestores, a pesquisa foi mal recebida pela prefeitura.

De acordo com um comunicado emitido pela Secretaria de Comunicação da gestão municipal, seria irresponsável abordar um assunto tão sério em meio às eleições. Além disso, afirma-se que os dados apresentados contrariam aqueles coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2023, de que 1,37 milhão de pessoas sofrem de insegurança alimentar grave no estado de São Paulo. Na pesquisa produzida pelas universidades, seriam 1,4 milhão de pessoas passando fome apenas na capital paulista.

Se a ideia é justamente impactar atuais e futuros tomadores de decisão, não há melhor momento para divulgar os dados. Contudo, tratar de "um assunto tão sério", e que envolve políticas relacionadas a vários níveis de governo, de fato parece ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais e tomados por agressões instagramáveis.

Imoralidade à velocidade de foguete

A defesa deve ser sempre proporcional ao ataque. Quando desproporcional, é evidente que existe uma tendência de dominar que vai além da moralidade. Um país que faz essas coisas — e falo de qualquer país –, essas ações são imorais
Papa Francisco

Política podre incita violência

O Brasil é um país violento, líder em número absoluto de homicídios no ranking de 2023 das Nações Unidas. Ainda que os assassinatos tenham caído 6% neste ano, o país ostenta números horripilantes, com 16,5 mortos por 100 mil habitantes, 18º lugar entre 196 nações. Mata-se por controle do tráfico, dinheiro, poder, ciúme; por motivo torpe ou sem qualquer motivo. Mata-se por desavença política. Por aqui, em vez de solucionar conflitos, a política tem sido combustível para a violência – que só aumenta.

Sete candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador foram mortos durante a campanha eleitoral deste ano. E há registro de 455 casos de violência contra líderes políticos da extrema esquerda e esquerda, direita e extrema direita, e até de centro, incluindo tentativas de assassinato, ameaças à vida e agressões.

Os números do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Unirio, que desde 2019 coleta e analisa dados nesta seara, apontam que a disputa municipal de 2024 já é a mais feroz da série histórica. Até setembro de 2020, foram registradas 295 ocorrências; em 2022, 431. Confirmam, assim, que a violência cresce de forma consistente e contínua de eleição em eleição.


As tentativas de explicar essa escalada recaem sobre o ambiente de ódio disseminado pelas redes sociais, que estimulariam agressões, até com “convites” a seguidores para acerto de contas com adversários. A análise é correta, até porque as redes preenchem o sentimento anti-tudo de muitos, criando nichos de conforto dentro de verdadeiras gangues virtuais capazes de absurdos. O 8 de janeiro comprova isso.

Mas o buraco, como sempre, é mais fundo. O domínio das redes é uma ação política, orientada e financiada por políticos, para o bem ou para o mal.

O ex Jair Bolsonaro, o deputado mineiro Nikolas Ferreira (PL), o mais votado do país, o autointitulado coach Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo, são alguns exemplos do vale tudo no uso desses canais. Portanto, o problema não são as redes e sim o uso deletério delas.

São os políticos que incitam a violência; pagam por impulsão e engajamento. É o exercício da política que está podre.

Muito antes da cadeirada do tucano de ocasião José Luiz Datena em Marçal, e de o assistente de Marçal socar o marqueteiro de Ricardo Nunes (MDB), ou do prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (PRD), candidato à reeleição, dar uma cabeçada ao vivo e em cores no adversário Francinaldo Leão (PSOL), a degradação da política já estava escancarada. No Congresso Nacional o exercício parlamentar está resumido a selfies, as sessões nas comissões ou no plenário têm sido um festival de agressões verbais e até pancadaria com intuito de gerar vídeos para as redes. Reina a política dos likes.

Inventam-se fatos, falam-se impropérios sobre opositores, criam-se vídeos falsos com auxílio de inteligência artificial para obter mais seguidores. É preciso ter milhares, milhões, nem que sejam robôs, em uma corrida alucinada que passou a ditar o voto e, inclusive, sequestrou o jornalismo. Não são poucas as reportagens sobre o sobe e desce de seguidores de políticos, associando o volume à força de A ou B.

Mas o X do problema (desculpem-me pela obviedade barata) talvez resida no sucesso das mentiras nesse ambiente. Cabe aqui citar o levantamento do New York Times apontando que em apenas cinco dias (de 16 a 20/9), um terço das 171 postagens de Elon Musk, dono do X, com 200 milhões de seguidores no ex-Twitter, foram mentiras deslavadas sobre Kamala Harris em favor de Donald Trump, candidato preferido do milionário.

Políticos mentem desde sempre – não foram as redes que inventaram isso. Prometem o que não cumprem, são genéricos e não raro tratam o eleitor como otário. O palanque virtual deu mais eco às mentiras, replicadas a baixo custo e com a facilidade de um clique. Um crime digital indutor de violência real. É o que está posto ao eleitor que vai às urnas daqui a exatos sete dias. Esforço-me por algum otimismo.

O homem e o mundo

Um homem perseguido, quer porque ele próprio fez dos outros perseguidores, quer porque a sua miserável imaginação inventa legiões de inimigos cheios de más intenções, num caso como no outro um homem destes tem, para além da infelicidade, uma falha moral: porque existe uma desonestidade básica na mania da perseguição seja ela qual for. A propósito, é óbvio que o sofrimento, a solidão, os acidentes e a doença atingem mais um homem destes do que outros, ou seja - todos nós. Pela sua própria natureza, o homem desconfiado é mais propício à desgraça. A desconfiança, como o ácido, consome quem a contém e devora o próprio desconfiado: proteger-se noite e dia do género humano, passar a vida a engendrar esquemas a fim de evitar tramoias e intrigas, e que truques usar a fim de farejar de longe a rede estendida aos pés - tudo isto é causa de danos irreparáveis. E são estas coisas que afastam o homem do mundo.

Amos Oz

A palavra incontornável

De vez em quando o povo descobre (ou inventa) uma palavra. Ela começa com um susto-de-novidade, projetando uma luz diferente e interessante na frase onde se instala. “Que maneira legal de dizer isto”, pensam as pessoas, e se danam a usá-la a torto e a direito.

É nova. É diferente. Desperta a atenção de quem ouve, e é sempre bom ter um jeito-de-dizer capaz de arrancar as pessoas do piloto-automático. Tirar as pessoas do transe-zumbiforme em que elas parecem estar mergulhadas, até mesmo quando estão andando, olhando, falando alto.

É o caso atual da palavra “incontornável”. Num efeito curiosamente metalinguístico, ficou difícil contornar essa palavra, que volta e meia insiste em se postar à nossa frente, mãos nos quadris, atitude desafiadora. Não importam as voltas e volteios do nosso discurso verbal, a gente acaba indo na direção dela, tentando contorná-la como um motorista contorna um girador, mas... debalde.

Depois que esbarrei nela cinco vezes seguidas antes das três da tarde, nas redes sociais, fiz uma promessa muda de nunca utilizá-la. Percebi que já estava se fossilizando em clichê, adquirindo as mesmas propriedade anti-pensantes da maioria do nosso vocabulário comum. Estava indo para a mesma prateleira onde já estão, por exemplo, instigante e camadas.

“Camadas” é a besta-sinistra do meu confrade Lira Neto, cuidador do idioma, a quem irrita a onipresença dessa metáfora em tudo quanto é assunto. Tudo hoje em dia se define em termos de “camadas”.

Há, de fato, muitas camadas superpostas no uso desse termo. No começo de tudo, foi útil trazer esse aspecto para o meio da discussão, porque todo mundo começou a admitir que, sim, não só no mundo físico como no mundo das idéias tudo se organiza em películas superpostas. Tudo é constituído de layers, como as cascas geológicas que se recobrem umas às outras em nossos continentes. Por baixo de alguma coisa há sempre uma coisa diferente.

Já disse algum pensador que se arranharmos a superfície de um cínico vamos sempre encontrar um idealista desiludido. E Fausto Fawcett, o Bardo Cibernético de Copacabana, já observou que se a gente raspar um Jetson vai encontrar por baixo um Flintstone. Camadas.

Por que apareceu, de um momento para outro, essa necessidade de definir tudo em termos de camadas? Porque se trata de uma palavra instigante, e aí chegamos a esse outro piercing verbal, penduricalho que, por volta dos anos 1980, todo mundo trazia na ponta da língua.Falei disso aqui.

São palavras que já existiam no idioma mas estavam meio que na despensa ou no freezer, e quando alguém lhes dá uma requentada e as traz para o centro da mesa não chegam pra quem quer.

É longa a lista de palavras atualmente na moda, e já com verniz de clichê, a ponto de franzir a testa de muita gente. Ressignificar. Potente. Território. Narrativa. Imersão. Literalmente. Icônico. Multifacetado. Resiliência. Empoderamento.

Estas palavras são idiotas? De jeito nennhum, são palavras bastante úteis e expressivas, e eu já devo ter usado todas elas. Só que, no momento, faço questão de não usar mais – porque já prevejo as caretas resignadas de muita gente. “Ai meu Deus, de novo essa palavra idiota, não aguento mais.”

As palavras são como um chiclete, começam com um gosto agradável de hortelã ou de cereja, mas esse gosto logo desaparece, vai-se embora o susto-de-novidade que uma palavra invulgar contém. O açúcar se dissolve todo, e fica só a borrachinha. O chiclete vira clichê.

Penso às vezes que isto acontece porque vivemos numa bolha cultural onde é muito rápido, para uma palavra, entrar na moda; e pelas mesmas razões é muito rápido tornar-se lugar-comum. Num país de mais de 200 milhões de usuários do idioma, essas sucessões de modismos e clichês se dão numa bolha minúscula de meio milhão a um milhão de leitores, se tanto.

O ricochete interno nas paredes da bolha (leia-se imprensa eletrônica; leia-se redes sociais) é muito rápido. As palavras viralizam nas redes sociais, com todo seu charme de novidade e potência (êpa) expressiva; e logo viralizam mesmo, literalmente (êpa), como vírus, doença, uma coisa chata que quando a gente vê já contraiu.

Alguns meses de uso intenso, de incômoda reiteração... e pronto, a palavra está puída, desgastada, desvalorizada, eu diria quase prostituída por tantos usos e abusos.

Pobres das palavras, que culpa alguma carregam. Pobre da palavra incontornável, quando descobre que não é indispensável, inevitável, imprescindível. 

'Deixa ele ser rico!'

No Brasil, prolifera a categoria do pobre de direita. Depois que a educação política sumiu das nossas vidas, a direita assumiu um glamour especial que a esquerda não tem. Tudo que é coletivo não tem charme, não atrai a admiração das pessoas, não vira moda. Ser rico, não importa como, passou a ser a grande meta, o grande sonho de todos. Uma pessoa rica é a mais admirada. Não importa como o dinheiro foi obtido, se de modo desonesto, esperto ou enganando muita gente, é ainda mais admirado.


Em um país onde os avanços sociais, que continuam acontecendo, perderam a característica de conquista coletiva, a riqueza desmedida, a ostentação e a prosperidade assumem características individuais de talento, de escolha divina, de mérito planetário, de algo que você tem que continuar perseguindo, de preferência acreditando em Deus.

As prisões de Deolane Bezerra e Gusttavo Lima, ostentadores de primeira, mostram isso através da reação das pessoas. Os fãs foram para a porta do presídio onde a influenciadora foi detida para protestar. No caso de Gusttavo, nem foi preciso. Da sua mansão na Flórida, ele ficou sabendo da revogação da prisão. Ricos não vão presos e, segundo essas pessoas, nem deveriam. Afinal, o dinheiro os coloca em outro patamar, onde lhes é concedido o direito de opinar, mandar, decidir, governar e falar o que lhes vier à cabeça. Quem tem dinheiro tem tudo.

Esse destino que poucos alcançam, para essa gente, é um objetivo atingível, uma espécie de prêmio pela obediência e resignação. Fique quietinho que você será recompensado. Não proteste, não fale alto, não reclame e, sobretudo, não forme grupinhos na esquina para discutir a realidade. Depois, é só votar nesses ricos ou em quem os defende, e esse esquema será garantido.

A riqueza traz uma aura de sucesso, de realização, de capacidade que produz admiração ao invés de inveja. A admiração não gera qualquer reflexão. Ela provoca um estado de letargia que aceita o mundo como ele é. Se eu não consigo, é porque me falta alguma coisa ou Deus assim preferiu. Nada mais cômodo para um sistema que quer exatamente isso: poucos ricos vivendo às custas de muitos pobres sorridentes e passivos. Já vi isso antes e, se não fizermos algo para que a educação política volte, continuaremos a ver.

domingo, 29 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Direita perdida e elite inculta

A direita dividiu-se nessa eleição com conflitos de fazer sombra à sempre dividida esquerda. Jair Bolsonaro em cima de um palanque berrou duas vezes que Ronaldo Caiado é um governador covarde. O sócio de Pablo Marçal deu um soco no publicitário de Ricardo Nunes. Os 20% dos eleitores paulistanos que se dizem bolsonaristas entregam 48% de intenção de votos a Marçal e 39% a Nunes, segundo o último Datafolha. A Faria Lima, que administra o dinheiro poupado da classe média e dos ricos, se inclina por um candidato que não tem uma única ideia de como administrar a maior cidade do país. Um empresário dono de startup de educação para gestores diz que mulher não pode ser CEO. O agro tecnológico nada faz para se separar da lavoura arcaica. Vivem juntos.


Os fatos listados aqui parecem sem conexão, mas mostram a devastação que é a elite brasileira, e o resultado do processo político recente que transformou a direita em satélite da extrema direita antidemocrática e contra a ciência. Ronaldo Caiado é médico, foi a favor da vacina e das medidas protetivas. O xingamento de Bolsonaro foi por esse acerto. O evento revela que mesmo sobre 700 mil mortos, o ex-presidente continua contra a proteção da vida de brasileiros. Nada o demove do seu obscurantismo. Os Caiados têm poder em Goiás desde o começo da República, mas Ronaldo Caiado surgiu como líder do ruralismo de direita no período pós-ditadura. Propunha-se a defender suas ideias sobre o agronegócio dentro da democracia. Contudo ele esteve no palanque da Paulista, no último 25 de fevereiro, bajulando Bolsonaro numa manifestação de defesa do golpismo e dos golpistas.

No mesmo palanque onde se cultuou Bolsonaro como líder maior estava o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que tem sido apresentado como bolsonarista democrático, como se essas categorias fossem conciliáveis. Estava também o prefeito Ricardo Nunes que, nos últimos dias, teve que abjurar a vacinação obrigatória contra Covid, que ele um dia apoiou por causa de Bruno Covas. O neto do grande democrata Mário Covas fez seu papel de líder contra a Covid. Mesmo sendo imunossuprimido, Bruno circulava por hospitais, lutando pessoalmente contra o vírus mortal. É esse legado que Nunes trai para tentar conquistar votos da extrema direita, que prefere Pablo Marçal.

Um acionista de um grande banco me perguntou: como é possível que a Faria Lima se encante por uma pessoa como Pablo Marçal? As escolhas políticas dos operadores de mercado financeiro não os recomendam como gestores do dinheiro alheio, por falta absoluta de visão estratégica. Pense numa cidade de 11 milhões de habitantes sendo administrada por um misto de arruaceiro, curandeiro, farsante, com propostas como fazer teleféricos em áreas planas e mandar os homens para a reciclagem.

Também não se recomenda um curso da G4 Educação. A startup foi fundada por Tallis Gomes e três sócios. A empresa treina gestores para os desafios do mundo atual. Ele ficou famoso por dizer “Deus me livre de mulher CEO” e sustentar que mulher gestora passa por um processo de “masculinização” e deixa o lar em “quarto plano”. Tallis tem 37 anos e carrega ideias medievais sobre a mulher, mas é professor de gestores. Foi afastado, porém permanece sócio de uma empresa que quer educar o mundo corporativo.

O país foi incendiado por criminosos. Em São Paulo, foram atacadas usinas de cana- de- açúcar. O agronegócio foi atingido diretamente. Na Amazônia, os incêndios são provocados para que depois da queima da floresta sejam feitos pastos para a pecuária. Aguarda-se ansiosamente que o agronegócio, que se diz bom, moderno e tecnológico, rompa publicamente com toda a cadeia de produção sustentada pelo crime. É possível fazer a rastreabilidade da produção brasileira e limpá-la do crime ambiental. Passa por mudar a pauta da bancada ruralista. Quem vai começar a ruptura? O primeiro bônus será o acordo com a União Europeia.

Uma democracia precisa de forças políticas de direita, esquerda, centro. Todas comprometidas com os valores institucionais da democracia. O progresso econômico exige gestores e empresários com visão de futuro e capazes de enfrentar desafios climáticos e de inclusão num país desigual. Com a direita capturada pelo autoritarismo, e a elite econômica subserviente ao atraso, o nosso projeto de potência ambiental, inclusiva e democrática fica mais distante.

Joe Biden tira o seu da reta e diz que não sabia de ataques ao Líbano

Na manhã deste sábado, o presidente Joe Biden insistiu em dizer que o governo de Israel não o avisou com antecedência sobre o ataque aéreo de ontem à Beirute, capital do Líbano, para matar os principais líderes do Hezbollah – entre eles todo poderoso sheik Hassan Nasrallah. Biden afirmou em voz baixa:

“Os Estados Unidos não tinham conhecimento ou participação na ação das Forças de Defesa de Israel. Estamos coletando informações”.

Na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, havia dito em uma entrevista coletiva:

“Israel tem o direito de se defender contra o terrorismo. A maneira como o faz importa. As escolhas que todas as partes fizerem nos próximos dias determinarão qual caminho esta região seguirá, com consequências profundas para seu povo – agora e possivelmente nos próximos anos”.


Matar Nasrallah seria uma grande escalada na campanha de rápida expansão de Israel contra o Hezbollah nas últimas duas semanas, que ameaça se transformar em uma guerra regional total. Cresceram os temores de que o apoiador do Hezbollah, o Irã, possa ser atraído para a luta, desestabilizando o Oriente Médio.

Os ataques aéreos israelenses ocorreram logo após o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fazer um discurso desafiador na Assembleia Geral das Nações Unidas, prometendo continuar a luta contra o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano. Derrotar o Hezbollah seria essencial “para a sobrevivência de Israel”.

De acordo com estimativas de oficiais de defesa israelenses, cerca de 300 pessoas foram mortas no ataque da força aérea. Algumas estavam em prédios próximos no centro de Beirute Uma fonte do Hezbollah disse à agência Reuters de notícias que Nasrallah sobreviveu ao ataque que incluiu o uso de armamento pesado.

A porta do inferno

Amigo meu, dono de comércio, comentou que, nos últimos meses, seu movimento caiu sem qualquer explicação razoável. Ele procurou colegas de atividade e descobriu, surpreso, que os grandes estabelecimentos de varejo também apresentaram quedas nos seus números de comercialização em tempos recentes. De novo, nenhuma explicação razoável. Depois de muita discussão e conversa, descobriu-se que o vilão é o sistema de apostas on line, que invadiu os lares de todo o Brasil, prometendo milhões de reais para quem apostar bastante. O convite vem pela televisão, pelas redes sociais, e sua operação ocorre por intermédio do celular.

Os parlamentares, de governo e oposição, que agora questionam a existência desta loteria, votaram em peso a favor do projeto de lei que definiu os termos das legalizações para as apostas online ano passado. A regulamentação deste mercado é responsabilidade do Ministério da Fazenda. Neste momento, estas empresas, se assim puderem ser qualificadas, trabalham em completa liberdade. Não há qualquer regulamentação. E o governo, como sempre, está preocupado apenas em arrecadar mais. A regulamentação entrará em vigor no próximo ano.

A descoberta desta verdadeira sangria na economia nacional levou a Confederação Nacional do Comércio (CNC) a ingressar com Ação direta de Inconstitucionalidade para contestar a Lei 14.790/23, a lei das bets. Seus advogados argumentam que a legislação que regulamenta as apostas no Brasil causa graves impactos sociais e econômicos. Solicitam decisão liminar até que o mérito seja analisado. Estudo da CNC apurou que mais de 1,3 milhão de brasileiros já se encontram inadimplentes devido às apostas em cassinos online.



Até mesmo integrantes do PT dizem, agora, terem subestimado efeitos negativos e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros. Apesar disso, as bets são liberadas no país desde 2018, por meio de lei, e o jogo se desenvolve desde então, com televisões e redes sociais veiculando propagandas de apostas. A lei que liberou as bets no Brasil, foi aprovada no governo Michel Temer (MDB), o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter regulamentado o mercado, mas não o fez. No ano passado, o governo Lula editou uma medida provisória sobre o tema, a partir dele, projeto de lei passou a ser discutido no Congresso.

Na votação ocorrida Câmara dos Deputados, em setembro de 2023, o texto, que contemplou a proposta do governo, foi aprovado simbolicamente. Apenas parlamentares do PSOL e do Novo foram contrários. A principal mudança na Câmara foi a inclusão de jogos online, que não constavam no texto original do governo. No Senado, em dezembro do ano passado, o texto base também foi votado simbolicamente, mas dois destaques foram aprovados e o tema voltou à Câmara. Na última sessão do ano, a Casa aprovou por 292 votos favoráveis e 114 contrários. Somente a oposição e a minoria orientaram contra o texto.

Os dados mais recentes sobre o mercado de apostas mostram que o volume em 2024 supera as projeções de referência usadas pelo Ministério da Fazenda. O Banco Central revelou que que o brasileiro destinou, via PIX, entre R$ 18 e 21 bilhões mensais em apostas de janeiro a agosto. O total no ano é de R$ 166 bilhões.

A presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) diz que é necessário analisar o tema ainda neste ano. Segundo ela, é preciso fazer uma “avaliação crítica” do que ocorreu. “Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar”, diz ela.

Este é o pior dos mundos para quem lida com jogos de azar. No mundo inteiro os cassinos são fortemente regulados e fiscalizados. Ninguém se atreve a lavar dinheiro em Las Vegas, porque o autor e o cassino serão descobertos e punidos severamente. Além disto, os cassinos, nos Estados Unidos, pagam tributo aos índios. É a maneira norte-americana de manter as populações originarias. Cassino significa emprego. Seu proprietário tem que construir uma sede, contratar garçons, seguranças, especialistas em contabilidade e uma série de artistas de todos os tipos e tamanhos. Quem quer ver um bom show, deve ir lá. É bom, relativamente barato e os hotéis são ótimos. Tudo gira em torno do jogo.

No Brasil entregaram o negócio do jogo para um punhado de pessoas, que operam fora do país, associados a jogadores de futebol, contratam um ou dois funcionários, compram um sistema na internet e vivem da publicidade nas redes sociais. Fazem muito dinheiro e gastam quase nada no país. Neste momento, não pagam nem imposto. É medida de uma insensatez inimaginável. Melhor legalizar os cassinos. Pagam impostos e criam empregos.

Repulsa e medo


Israelenses devem assistir às filmagens do Líbano com repulsa e medo, não com alegria

Quebrando a lei da selva

No decorrer da História, para a maior parte dos seres humanos a guerra era algo certo, garantido, enquanto a paz era um estado temporário e precário. As relações internacionais eram governadas pela Lei da Selva, segundo a qual, mesmo que duas políticas convivessem em paz, a guerra permanecia como uma opção. Por exemplo, embora em 1913 houvesse paz entre a Alemanha e a França, era óbvio que uma poderia cair no pescoço da outra em 1914. Quando políticos, generais, homens de negócios e cidadãos comuns faziam planos para o futuro, sempre deixavam em aberto a possibilidade de uma guerra. Da Idade da Pedra à era do vapor, do Ártico ao Saara, cada pessoa na Terra sabia que a qualquer momento os vizinhos poderiam invadir seu território, derrotar seu exército, chacinar seu povo e ocupar sua terra.

Durante a segunda metade do século XX, a Lei da Selva finalmente foi quebrada, se é que não foi suspensa. Na maior parte das regiões, as guerras eram mais raras. Enquanto nas antigas sociedades agrícolas a violência humana foi a causa de 15% de todas as mortes, durante o século XX a violência provocou apenas 5% dos óbitos, e no início do século XXI foi responsável por cerca de 1% da mortalidade global. Em 2012, aproximadamente 56 milhões de pessoas morreram no mundo inteiro; 620 mil morreram em razão da violência humana (guerras mataram 120 mil pessoas, o crime matou outras 500 mil). Em contrapartida, 800 mil cometeram suicídio, e 1,5 milhão morreram de diabetes. O açúcar é mais perigoso do que a pólvora.

Mais importante ainda, é perceber que, para um segmento cada vez maior da humanidade, a guerra se tornou inconcebível. Pela primeira vez na História, quando governos, corporações e indivíduos privados avaliam o futuro imediato, muitos não pensam na guerra como um acontecimento provável. As armas nucleares tornaram uma guerra entre superpotências um ato louco de suicídio coletivo e com isso forçaram as nações mais poderosas da Terra a encontrar meios alternativos e pacíficos de resolver conflitos. Simultaneamente, a economia global abandonou as bases materiais para se assentar no conhecimento. Antes, as principais fontes de riqueza eram os recursos materiais, como minas de ouro, campos de trigo e poços de petróleo. Hoje, a principal fonte de riqueza é o conhecimento. E, embora se possam conquistar poços de petróleo na guerra, não se pode conquistar conhecimento dessa maneira. Desde que o conhecimento se tornou o mais importante recurso econômico, a rentabilidade da guerra declinou e as guerras tornaram-se cada vez mais restritas àquelas regiões do mundo — como o Oriente Médio e a África Central — nas quais as economias ainda são antiquadas, baseadas em recursos materiais.


Em 1998, fazia sentido para Ruanda tomar e pilhar as minas de coltando vizinho Congo porque era grande a demanda por esse mineral metálico para a fabricação de smartphones e laptops, e o Congo contava com 80% das reservas mundiais. Ruanda ganhava 240 milhões de dólares por ano com o coltan pilhado. Para um país pobre, como é o caso de Ruanda, era muito dinheiro. 24 Em contrapartida, não faria sentido a China invadir a Califórnia para tomar o Vale do Silício, pois, mesmo que os chineses pudessem ser bem-sucedidos no campo de batalha, não existem minas de silício para pilhar no Vale do Silício. Em vez disso, os chineses ganharam bilhões de dólares como resultado de sua cooperação com gigantes da alta tecnologia, tais como Apple e Microsoft, comprando os softwares dessas empresas e fabricando produtos para elas. O que Ruanda ganhou num ano inteiro de pilhagem do coltan congolês, os chineses ganharam num único dia de comércio pacífico.

Em consequência, a palavra “paz” adquiriu um novo significado. As gerações anteriores pensavam na paz como ausência temporária de guerra. Hoje a vislumbramos como a implausibilidade da guerra. Em 1913, quando se falava que havia paz entre a França e a Alemanha, o que se queria dizer era que, “no presente, não há uma guerra entre esses países, mas ninguém sabe o que nos aguarda no próximo ano”. Quando hoje se afirma que há paz entre a França e a Alemanha, sabe-se que é inconcebível, em quaisquer circunstâncias previsíveis, eclodir uma guerra entre essas duas nações. Uma paz assim prevalece não apenas entre a França e a Alemanha, mas entre a maioria (conquanto não todos) dos países. Não existe um cenário para que uma guerra séria ecloda no ano que vem entre a Alemanha e a Polônia, entre a Indonésia e as Filipinas, ou entre o Brasil e o Uruguai.

Essa nova paz não é apenas uma fantasia hippie. Governos sedentos de poder e corporações gananciosas também contam com ela. Quando a Mercedes-Benz planeja suas estratégias de vendas na Europa Oriental, descarta a possibilidade de que a Alemanha conquiste a Polônia. Uma corporação que importa mão de obra barata das Filipinas não está preocupada com a possibilidade de que a Indonésia invada as Filipinas no ano que vem. Quando o governo brasileiro se reúne para discutir o orçamento do próximo ano, é inimaginável que o ministro da Defesa do país se levante de sua cadeira, dê um soco na mesa e grite: “Esperem um momento! E se quisermos invadir e conquistar o Uruguai? Vocês não levaram isso em consideração. Temos de reservar 5 bilhões de dólares para financiar essa conquista”. Claro que há uns poucos lugares nos quais o ministro da Defesa ainda fala coisas do tipo, assim como há regiões em que a Nova Paz não conseguiu assentar raízes. Falo disso com propriedade, pois vivo em uma dessas regiões. Mas estas são exceções.

Não há garantia, é claro, de que a Nova Paz se mantenha indefinidamente. Assim como as armas nucleares a princípio a tornaram possível, da mesma forma desenvolvimentos tecnológicos podem criar um cenário para formas inéditas de guerra. Em particular, uma guerra cibernética pode desestabilizar o mundo ao conceder a pequenos países e grupos não estatais a capacidade de lutar com eficácia contra superpotências. Quando os Estados Unidos combateram o Iraque em 2003, levaram o caos a Bagdá e a Mossul, mas nem uma única bomba foi lançada sobre Los Angeles ou Chicago. No futuro, no entanto, um país como a Coreia do Norte, ou o Irã, poderia utilizar bombas lógicas para interromper a transmissão de energia na Califórnia, explodir refinarias no Texas e fazer trens colidirem em Michigan (“bombas lógicas” são códigos de software maliciosos plantados em tempos de paz e operados à distância. É altamente provável que esses códigos já tenham sido contaminados em redes que controlam instalações vitais de infraestrutura nos Estados Unidos e em muitos outros países).

Contudo, não se deve confundir capacidade com motivação. Embora introduza novos meios de destruição, a guerra cibernética não cria necessariamente incentivos para que sejam usados. Durante os últimos setenta anos a humanidade quebrou não apenas a Lei da Selva, como também a Lei de Tchékhov. É famosa a declaração de Anton Tchékhov de que, se uma arma aparece no primeiro ato de uma peça, é inevitável que seja disparada no terceiro. E, no decorrer da história, se reis e imperadores adquiriam alguma arma nova, mais cedo ou mais tarde, seriam tentados a usá-la. Desde 1945, entretanto, a humanidade aprendeu a resistir à tentação. A arma que apareceu no primeiro ato da Guerra Fria nunca mais foi disparada. Estamos acostumados a viver em um mundo de bombas que não foram lançadas e de mísseis que não foram disparados e nos tornamos especialistas em quebrar tanto a Lei da Selva como a de Tchékhov. Se essas leis alguma vez funcionarem conosco, a culpa terá sido toda nossa — e não de nosso inexorável destino.

O que dizer então do terrorismo? Mesmo que governos centrais e Estados poderosos tenham aprendido o que é contenção, os terroristas podem não ter escrúpulos quanto a usar armas novas e destruidoras. Essa é uma possibilidade certamente preocupante. No entanto, o terrorismo é uma estratégia de fraqueza adotada por aqueles que carecem de acesso ao poder de fato. Ao menos no passado, seu funcionamento era resultado mais da disseminação do medo do que de danos materiais significativos. Terroristas normalmente não têm o poder de derrotar qualquer exército, de ocupar um país ou de destruir cidades inteiras. Em 2010, enquanto a obesidade e doenças relacionadas a esse mal mataram cerca de 3 milhões de pessoas, terroristas mataram 7697 indivíduos em todo o mundo, a maioria deles em países em desenvolvimento. Para um estadunidense ou europeu mediano, a Coca-Cola representa um perigo muito mais letal do que a Al-Qaeda.

Como, então, terroristas conseguem dominar as manchetes e mudar a situação política em todo o mundo? Provocando nos inimigos uma reação desmedida. Na essência, o terrorismo é um show. Os terroristas encenam um tenebroso espetáculo de violência que captura nossa imaginação e nos transmite a sensação de estar escorregando de volta ao caos medieval. Em consequência, os Estados frequentemente se sentem obrigados a reagir ao teatro do terrorismo com um show de segurança, orquestrando imensas exibições de força, como a perseguição a populações inteiras ou a invasão de países estrangeiros. Na maioria dos casos, essa reação exacerbada representa um perigo muito maior a nossa segurança do que aquele decorrente de atentados terroristas.

Terroristas são como uma mosca tentando destruir uma loja de porcelanas. A mosca é tão fraca que não é capaz de deslocar uma única xícara de chá. Então ela encontra um touro, entra em sua orelha e começa a zunir. O touro fica louco de medo e de raiva — e destrói a loja de porcelanas. Foi isso que aconteceu no Oriente Médio na última década. Os fundamentalistas islâmicos jamais conseguiriam, sozinhos, derrubar Saddam Hussein. Em vez disso, enfureceram os Estados Unidos com o ataque de Onze de Setembro, e os Estados Unidos destruíram a loja de porcelanas médio-oriental para eles. Agora os fundamentalistas florescem nas ruínas. Sozinhos, os terroristas são fracos demais para nos arrastar de volta à Idade Média e restabelecer a Lei da Selva. Podem nos provocar, mas, no fim, tudo depende das reações que apresentamos. Se a Lei da Selva entrar em vigor novamente, não será por culpa de terroristas.
Yuval Noah Harari, "Homo Deus: Uma breve história do amanhã"

sábado, 28 de setembro de 2024

Novo Pensamento

 


Eliminando o terrorismo com terrorismo

Bibi Netanyahu, as Forças de Defesa de Israel e seus apoiadores políticos americanos de colo oficialmente perderam a cabeça! Israel está decidido a iniciar uma guerra massiva no Oriente Médio. Eles estão conduzindo um genocídio completo, cutucando o urso com nações que têm exércitos permanentes capazes de desencadear uma devastação apocalíptica. E Bibi sabe muito bem que Biden, a casca oca na Casa Branca, junto com nosso Congresso comprado e pago, dará a Israel o que quiserem — diabos, eles até jogariam tropas americanas no fogo se Netanyahu pedisse!


De acordo com o Haaretz, “Netanyahu não se envolverá em nenhuma conversa de cessar-fogo e reféns pelos próximos 45 dias, nem aceitará nenhuma ideia diplomática sobre o Líbano. Ele tem interesse em prolongar a guerra para sua sobrevivência política, tornando-a uma questão eleitoral que poderia prejudicar a vice-presidente Kamala Harris”, escreve Alon Pinkas. Quarenta e cinco dias após a publicação, cai bem no dia 6 de novembro (dia da eleição) — Netanyahu está ativamente tentando sabotar a eleição dos EUA em favor de Donald Trump. Como diabos Biden e Harris não podem ver isso chegando? Eles são realmente os políticos mais desinformados e ineptos que já tropeçaram para chegar ao poder?

Pelo amor de Cristo ressuscitado, Biden, pare de financiar e permitir esse lunático! Se não for por moralidade ou decência, então faça isso por pura autopreservação. Netanyahu vai matar milhares de pessoas, destruir o que resta do seu legado e entregar a eleição a Trump em uma bandeja de prata. Acorde, cara!

Economia ou meio ambiente: o que fazer?

O mundo encontra-se em uma encruzilhada: promover o desenvolvimento econômico ou cuidar do meio ambiente? Uma situação sem saída, a famosa “sinuca de bico”.

“O que fazer?”, na famosa expressão de Lênin sobre de como se organizar para tomar o poder: formar o partido. Outrora, isto foi importante, como instrumento de transformação social. Assim foi o Partido Democrata nos Estados Unidos; o Partido Trabalhista na Inglaterra; o Partido Social-Democrata na Suécia. Mudaram e formataram as sociedades. Hoje, os partidos são mais instrumentos de contenção e de controle social do que de representação política e de transformação social. As ideias nascem, vigoram, e morrem, como tudo.

“O que fazer?”, então, na drástica situação do apogeu do capitalismo e do ocaso de nossa existência? Da economia, do planeta, e da alma humana.




Se desenvolvemos, a tudo estragamos. O planeta é pequeno, com somente 40 km de ar, 75% da atmosfera nos primeiros 10 km, e com biodiversidade agressiva, com espécimes que não se entendem e vivem em guerra. Mesmo, e principalmente, entre os homens. Os dados de Chris Hedges, em seu livro “Tudo que as pessoas deveriam saber sobre as guerras”, 2023, mostram que nos últimos 3.400 anos tivemos somente 268 anos sem guerras, ou seja, 8% de paz.


Adicionalmente, os sistemas políticos de hoje dependem do aumento do PIB para a sua manutenção. Quando o PIB aumenta, o governante se reelege, ou faz o seu sucessor; quando o PIB não aumenta, o governante é substituído, e nem faz o seu sucessor. O aumento do PIB está vinculado à ideia de melhoria da condição de vida da população, o que, entretanto, não tem acontecido, com o aumento da desigualdade entre as classes sociais de 1980 para cá, segundo o “World Inequality Report”. O aumento do PIB, além de não resolver o problema da desigualdade, esbarra nos limites dos recursos naturais, escassos no planeta. A temperatura do planeta aumenta, com secas e queimadas. Já se cuidarmos do meio ambiente, limitador que é da atividade econômica, os problemas sociais aumentam, com a desagregação política. Nas sociedades, não existem soluções cooperativas que limitem o desenvolvimento econômico conjuntamente com a distribuição de renda. Ou seja, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, na clássica insolução do desespero, se permitam-me o neologismo.

A crescente inflação será o grande indicador da derrocada mundial, pela crescente escassez de produtos, devido ao desequilíbrio ecológico. Guerras e pandemias se intensificarão. As elites não se preocupam com a ecologia, achando que o dinheiro manterá o seu status, esquecendo que seus produtos, como carros, computadores e demais produtos, dependem da existência de sociedades numerosas e organizadas.

“O que fazer?” O homem não tem solução. No impasse das decisões radicais, segundo a Teoria dos Jogos, o homem tende a seguir por soluções moderadas, e irá aterrissar em futuro próximo no nível de horror prescrito pelo filme “A máquina do tempo” de George Pal, do livro de H. G. Wells. Temos que chegar a alguma solução inédita, de consenso na humanidade; ou mesmo de dissenso, desde que funcione; estabilizando a humanidade em algum nível de funcionamento, conhecimento, e de saber. Somente à beira do abismo o homem tomará uma decisão, para o bem ou para o mal. O paradigma ainda não se formou, nem embrionariamente, para que possamos saber “O que fazer?”

E o Brasil queima, nas matas de seu país, na secagem de seus rios. No filme “O dia em que a terra parou”, de Scott Derrickson, o então alienígena recém chegado à Terra, na intérprete de Keanu Reeves, quando questionado sobre o propósito de eliminar a humanidade em outro planeta, o planeta Terra, devido aos danos gerados ao meio ambiente, diz que “esse planeta não é de vocês”. Que aprendamos a ser bons inquilinos.

Das palavras e da guerra

Não só os sentimentos criam palavras, também as palavras criam sentimentos.(…) São a vida e quase toda a vida – a razão e a essência desta barafunda. É com palavras que construímos o mundo. (…) Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.
Raul Brandão


Não sei que palavras utilizar , quando os dias que correm são dias de vergonha . Queria registar toda a perplexidade dorida que cresce , sempre que eclodem as notícias diárias. Mas « os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo» escreveu Wittgenstein, no século XX. Perante a barbárie, esgotam-se os caminhos da linguagem. Perante a crueza das realidades emergentes do mundo actual, é impossível ser claro , sem que a emoção nos embargue e o horror nos tome.

A verbalização é uma capacidade inerente à pessoa humana, à sua relação com o mundo e respectiva materialização. Eis porque se quedam as palavras numa agónica aporia, num silêncio de espanto perante o terror que milhares e milhares de seres humanos vivem, numa parte deste nosso mundo. E, quando esse terror é propagado pela tirana ambição de um só homem, de que nos servem as palavras que conhecemos? Recusam-se a traduzir a ferocidade do homem capaz de negar o outro homem. Teriam de ser medonhas , numa obscuridade indefinível , que logo ficariam opacas pela sua enormidade. Como criá-las ? E inventá-las para quê , quando são glosadas infamemente pela boca do carrasco. A inversão de posições, o plano da realidade é empurrado para a vítima invadida, quando o agressor se diz ser ele próprio a vítima. O Ocidente está a sofrer o resultado da sua ambição, grita o louco facínora, enquanto lança bombas sobre crianças e gente desprotegida. Não lhe basta dizimar um país, mas quer estender a ameaça ao mundo ocidental. Que tipo de homem tem tamanha ambição?

E lembro-me de repente dum filme muito antigo

Em que o criminoso perguntava:

De quoi est fait un homme, monsieur le comissaire?”
e nos seus olhos lia-se o pavor
de quem viu um abismo e não lhe sabe o fundo...
De quoi est fait un homme? De que são feitos os homens
que queimaram vivos outros homens? Que tinham centos de crianças
a morrer de fome e pavor, escravos como os pais?
que matavam ou deixavam morrer homens aos milhões,
que os faziam descer ao mais fundo da degradação,
torturados, esfomeados, feitos chaga e esqueleto?
Eram esses mesmos homens
que faziam pouco da liberdade,
que vinham salvar o mundo da desordem,
que vinham ensinar a ORDEM ao planeta!
Sim, que traziam a paz com as grades das prisões,
a ordem com as câmaras de tortura...

Assim disse Adolfo Casais Monteiro, no magnífico poema Europa.

Sei que não sei dizer as palavras nem exactas nem reais .Tento reconhecê-las em quem as soube produzir. Mas sei, isso sim, que há dor a mais nos rostos de quem sobrevive à morte encomendada por um só homem. Homem que traz as grades da tortura para impor a Ordem do seu amordaçado mundo. As palavras emudecem. E, se algumas sobreviverem, talvez repitam como Sartre: "Ces mots durs et noirs, je n’ en ai connu le sens que dix ou quinze ans plus tard et, même aujourd’hui, ils gardent leur opacité : c’est l’humus de ma mémoire."

Maria José Vieira de Sousa

Os nomes de urna duplos dos candidatos


As eleições municipais do dia 6 de outubro nos darão indicações atualizadas do estado do Brasil político, no voto da sociedade local, primeira instância de nossa consciência política.

Nos últimos anos, muita coisa mudou na função do município na estrutura política do país. Ele passou a ser a antessala dos governos dos estados e da própria União. Senadores e deputados federais e estaduais alternam seus mandatos com mandatos municipais, diretamente ou por meio de parentes. O Brasil se municipalizou em seus 5.569 municípios.

Os mandatos locais e regionais, no município e no estado, transformaram-se em instâncias de espera e de passagem, prefeitos e vereadores aspirando a um mandato na escala superior do poder. O município é hoje lugar da política e de pretexto da política.


Na mera ação de alguns, os mandatos municipais e estaduais tornaram-se transitórios, até mesmo não completados, o eleito na expectativa de subir e chegar ao poder dos poderes. Com isso, foram minimizados e desfiguraram a representação política numa eleição intermediária. Os eleitores desencantam-se quanto à possibilidade de que os políticos cumpram o que legalmente deles se espera.

Não é uma surpresa, portanto, que as campanhas eleitorais reflitam os efeitos do pouco caso das minorias pela função pública e a desnecessidade de convencer o eleitor de que uma candidatura representa uma causa social e política.

O voto é de significação coletiva. Mesmo com os nomes de urna. Tiririca não só se elegeu e reelegeu, como arrastou consigo candidatos que provavelmente não teriam sido eleitos. É no conjunto dos votos que a sociedade se faz representar e faz reivindicações. Além do que, os derrotados legitimam o mandato dos vencedores.

Os eleitores formam um corpo que elege em nome de quem vota, não importa em quem, e até mesmo de quem não vota. O eleito não é o dono do voto recebido.

Em princípio deveria perder o direito de candidatura para outro mandato durante o mandato de eleição anterior. Não perde porque lhe é assegurada a discutível legalidade de renunciar para aspirar a outro mandato em outra instância durante mandato ainda não integralmente cumprido.

Essa facilidade minimiza o eleitor e o torna cidadão de segunda categoria. O voto não é uma delegação, pois torna-se nessa possibilidade uma usurpação de vontade política.

Um dos reflexos dessa anomalia aparece também na possibilidade do candidato se apresentar ao eleitorado como duplo ser. O de seu nome civil verdadeiro ou o de seu nome de urna.

Há aí um lado interessante de nossa política esquisita. Os candidatos de duplo nome se apresentem aos eleitores com a denominação que lhes dá a identidade pela qual são conhecidos face a face e reconhecidos nas relações sociais cotidianas, as do município. Na figura jurídica do eleitor, é a sociedade que se manifesta. Mesmo no voto no candidato alienado, oculto num apelido.

Numerosos candidatos se apresentam ao eleitorado agregando ao nome a função ocupacional, desde toda a hierarquia militar e policial (até um general) até toda a hierarquia religiosa das igrejas evangélicas: pastores e pastoras, bispos e bispas, diáconos, presbíteros.

Em nossas eleições, com os nomes de urna, os eleitores são acolhidos na sala de votação para escolher um representante que o representará sob disfarce. Identificam-se aos poucos, e não a todos.

Há um lado político significativo na possibilidade de uso de nome de urna por candidatos. Os apelidos comumente dados aos negros, para estigmatizá-los e minimizá-los, são por eles adotados politicamente para inverter o sentido depreciativo do preconceito. A vítima legitima o que a militância não considera politicamente correto.

Alguns dos apelidos de urna de candidatos pretos: Preta Nascimento, Preto de Direita, Nego do Óleo, Preto da Farmácia, Negro Gando, Neguinho São Rafa, Negão do Povo, Nego do Caldinho. A eleição e o nome de urna fazem da igualdade jurídica dos candidatos instrumento do efeito bumerangue das ações. A ação política é aí, ao mesmo tempo, o seu contrário, luta.

Os nomes de urna indicam crise de identidade do brasileiro comum, mesmo daquele que tem título universitário. Igualam os social e culturalmente desiguais. Propõem uma busca política fora da política. Revelam o poder da ironia. A incerteza quanto ao quem é o candidato, mas também quem é o eleitor.

Diferentemente do que pressupõe a Constituição, o candidato se dá a ver por um fator de alteridade, como a ocupação e a profissão. Ou o estabelecimento comercial ou de serviço em que trabalha e supostamente o torna conhecido. Alguns com grande originalidade, como o Marquinho do Pé na Cova, provavelmente um coveiro. Todos precisam dele.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Israel pode evitar as mesmas armadilhas das ofensivas terrestres anteriores no Líbano?

Não há duas guerras iguais, mesmo aquelas travadas entre os mesmos dois combatentes no mesmo terreno. Mas muitos dos desafios permanecem os mesmos.

O comandante militar mais antigo de Israel disse às tropas que os ataques aéreos continuarão dentro do Líbano enquanto o exército israelense se prepara para uma possível operação terrestre . Se suas forças cruzarem a fronteira norte, provavelmente enfrentarão obstáculos que já viram antes.

Quando os tanques israelenses avançaram para o sul do Líbano em 2006 (não pela primeira vez), eles encontraram um oponente que havia mudado drasticamente desde a retirada de Israel do Líbano, seis anos antes .

Mesmo naquele curto período, o Hezbollah havia se organizado e desenvolvido suas capacidades. Na zona de fronteira com arbustos, com vista para cumes rochosos íngremes, túneis de combate haviam sido preparados. Novas táticas e armas haviam sido adaptadas para atormentar as forças israelenses quando elas entrassem.


Os tanques, em particular, eram vulneráveis a mísseis antitanque, enquanto combatentes do Hezbollah e seu grupo aliado, o Movimento Amal, disparavam morteiros contra as unidades de infantaria israelense que avançavam enquanto elas abriam caminho por entre pomares e plantações de tabaco.

Naquela guerra – como nesta – jatos e drones israelenses controlavam o ar, atacando infraestrutura e posições do Hezbollah sem oposição. Canhoneiras israelenses, muitas vezes posicionadas sobre o horizonte, bombardearam a costa, ameaçando a principal rodovia costeira diariamente. Mas, ao se aproximar da fronteira, era um quadro muito diferente.

Então, como agora, o Hezbollah tinha posições bem-preparadas. Foguetes irromperam de uma posição escondida em encostas próximas, atraindo contra-ataques israelenses, tanto de jatos quanto de artilharia na fronteira, aos quais parecia impossível sobreviver. Mas frequentemente, após uma pausa de algumas horas, os foguetes dispararam novamente do mesmo lugar, iniciando uma repetição do ciclo.

A realidade é que qualquer campanha terrestre agora será uma tarefa muito mais complexa do que os ataques liderados por inteligência que Israel vem realizando com sua estratégia de pagers explosivos e os ataques aéreos subsequentes.

Os fracassos da guerra de 2006 tiveram seus próprios pais. Como escreveu o correspondente militar do Haaretz, Amos Harel, uma década depois: “As divisões das IDF foram movimentadas sem rumo, com o governo e o exército incapazes de definir uma manobra que lhes permitisse obter vantagem”.

E enquanto as Forças de Defesa de Israel melhoraram sua blindagem para melhor se defender contra armas antitanque móveis e se preparar para lutar no Líbano, ainda não está claro se uma incursão terrestre de Israel pode evitar as mesmas armadilhas. Ou se, de fato, seus objetivos são mais realistas.

O Hezbollah está muito mais bem armado do que em 2006, seus militantes têm mais experiência de combate após anos lutando na Síria, mas Israel parece estar caindo na mesma armadilha conceitual de não entender a natureza do grupo islâmico.
 Peter Beaumont

Brasil arde em banditismo e baixaria

O cenário é desolador. O fogaréu que se alastrou pelo país já seria suficiente para causar desespero e apreensões, do despreparo do governo para enfrentar a catástrofe à intenção dolosa que se verificou na origem dos incêndios, passando pelos imensos danos ambientais e prejuízos à saúde pública em tempos de crise climática.

Temos mais, porém. Para onde se olhe nas mídias e redes sociais, a cena brasileira das últimas semanas tem sido sufocante.

Um cortejo de gente esquisita desfila pelo noticiário com sua ostentação boçal, carrões, iates e aviões. Famosos "somos ricos" em férias gregas, influenciadores vigaristas e subcelebridades variadas, com roupas caras e harmonizações faciais de dar susto em criancinha, são alguns espécimes dessa fauna. Imersos em atmosfera de banditismo "posso tudo", exemplares dessa turma se envolvem com falcatruas, não raro no terreno da jogatina que corre solta no Brasil.


As famigeradas bets estão dominando o jogo. Rapidamente se tornaram responsáveis por gastos de bilhões de reais das famílias brasileiras, muitas remediadas ou pobres.

No período de janeiro a agosto, como já mostrou esta Folha, o Banco Central identificou que se gastou mensalmente em apostas via Pix uma volumosa quantia entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões. Mantido esse padrão até o fim do ano, as empresas de apostas terão recebido dos brasileiros o valor bruto de R$ 216 bilhões –lembrando que o Bolsa Família custa ao país cerca de R$ 168 bilhões anuais.

Filiados ao programa, aliás, gastaram R$ 3 bilhões em apostas no mês de agosto, cerca de 20% do valor que o governo destinou no mesmo mês para os benefícios. Onde estamos? Onde isso vai parar? Como regulamentar essa sandice –ou será que cassino também é liberdade de expressão e não deve ser regulamentado?

Não bastasse tanta bizarrice, eis que em ano eleitoral volta-se a falar de tema antigo, mas algumas vezes empurrado para debaixo do tapete, que é a presença crescente do crime organizado nas instituições, nos Poderes e na política.

Investigações sobre o envolvimento do PCC com empresas de transporte em São Paulo ou com o PRTB, partido do desvairado candidato a prefeito Pablo Marçal, estão aí nas reportagens, campanhas e debates.

Nada de novo para quem vive no país do assassinato de Marielle Franco e tem acompanhado nas últimas décadas a escalada das facções, que se estende de Sul a Norte, ocupa a Amazônia e atravessa fronteiras.

Estamos assistindo à consolidação de nossa máfia tropical como player político incrustado nos negócios e no Estado.

Entrelaçadas com essas realidades sombrias, assistimos às novas manifestações da extrema direita. É o caso espalhafatoso e notório do já citado Marçal, com seu individualismo ultraliberal, seu evangelismo pela prosperidade, suas ambições desmedidas e sua vocação para instaurar o caos.

As baixarias políticas na campanha paulistana podem ter seus antecedentes históricos, mas não há dúvida de que alguma coisa diferente, se é que essa é a melhor palavra, está emergindo do pântano da direita extremista e pretende disputar espaço com o bolsonarismo.

Sim, o quadro não é dos mais animadores. Esperemos que possa em breve desanuviar. Este mês de setembro, convenhamos, não vai deixar saudade.

Nada, além de pálavras

Sabemos mostrar respeitosa deferência pelas coisas que somos capazes de fazer, nós ou os nossos amigos; porém, quanto aos sentimentos, ignoramo-los em absoluto. Falamos com indignação ou entusiasmo. Discutimos a opressão, a crueldade, o crime, a devoção, o sacrifício, a virtude e nada conhecemos, além destas palavras. Saberá alguém o que significa a dor, o sacrifício? Talvez o saibam as vítimas do misterioso sentido daquelas ilusões.
Joseph Conrad, "Uma Guarda Avançada do Progresso"

À volta da aparelhagem

Tenho reparado, quando falo com jovens sobre séries, que não estão habituados a discutir.

Dizem se gostam, perguntam se gostei, e fica-se por aí. Não atacam nem se defendem. Não se esforçam por me convencer. E, sobretudo, não suspendem as opiniões, para ver se resistem às críticas, ou à apologia das opiniões contrárias. Dizem que não gostam de discussões, que são inúteis, que não mudam nada. Gostam das diferenças, mas só para aceitá-las ou rejeitá-las. Não gostam de falar delas. Não gostam da concorrência de ideias. Acham que é uma competição e que a competição só convém aos mais fortes, aos vencedores.

Mas o problema não é ideológico: é material.


Quando eu era jovem, os aparelhos que nos davam música e cinema – o estéreo, o televisor – eram forçosamente partilhados. Era preciso aprender a partilhar: a discutir, a propor, a ouvir e a ser capaz de negociar.

E, por ser preciso negociar, era preciso ouvir e ver o que os outros queriam ver e ouvir. Esta experiência prestava-se a desenvolver um espírito crítico – nem que fosse para dizer mal das escolhas dos outros.

Hoje cada um tem tudo no celular. Já não é preciso partilhar. Já não é preciso chegar a compromissos. Já não é preciso gramar as escolhas dos outros. E assim nunca é necessário adquirir o hábito – e até o gosto – de discutir.

Perante este luxo individualista – em que as nossas playlists são confidenciais, protegidas do olhar crítico dos outros – os jovens compensam com experiências coletivas de zero escolhas e comunidade forçada, como concertos e outros espetáculos.

Ou um ou mil: falta-lhes a experiência de dois, ou três, ou quatro, à volta de um único aparelho, querendo decidir como se vai ocupá-lo. Pode haver um princípio de discussão por causa do televisor da sala – mas nunca é grave, porque quem perde retira-se e vê o que quer no telemóvel.

Valerá mais o que se ganhou ou o que se perdeu?
Miguel Esteves Cardoso

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Pensamento do Dia

 


Fanatismo à solta


O que vivemos não é um choque de civilizações, é um choque entre os fanáticos e o resto de nós
Amós Oz

Ambição de bombeiros

O presidente Lula denunciou nas Nações Unidas a falta de ambição dos líderes mundiais. Na verdade, eles têm ambição limitada a apagar incêndios imediatos dentro de seus respectivos países. Não estão prontos para grandes problemas da humanidade e do planeta, nem para construir o futuro no longo prazo. A política ficou mundial, mas a democracia continua nacional e imediatista. A civilização ficou planetária, mas o interesse do eleitor continua imediatista e vinculado ao seu país, elegendo governantes com ambição de bombeiro para seus problemas e não estadistas para a humanidade.

As Nações Unidas se reúnem como se o mundo ainda fosse a soma dos países sem o entendimento atual de cada país ser a soma do mundo. A humanidade precisa de governantes com ambição para formular e construir um novo tipo de progresso, mas o eleitor se mantém em busca de bombeiros locais.


Bombeiros estão entre as mais nobres profissões. São absolutamente necessários, mas insuficientes: não constroem, nem tomam as medidas para impedir repetição de erros incendiários. Os governos não se justificam, limitam seu papel a controlar incêndios, sem construir futuro melhor para a humanidade.

Nessas últimas semanas, o governo brasileiro tem passado a ideia de bombeiro, limitando suas ações a apagar incêndios que não conseguiu evitar. As reuniões que faz são no sentido de mostrar ativismo para barrar a imensa onda de fogo que destrói nossas florestas, não para definir políticas que protejam as matas no futuro, ainda menos para utilizá-las como fonte de riqueza sustentável.

O Ministério do Meio Ambiente parece ter sucumbido ao espírito bombeiro, esquecendo seus sonhos de desenvolvimento sustentável. Todo esforço limitado à tentativa de parar os incêndios. Como se o ministério só existisse agora para isso e ninguém tivesse alternativa para depois que o fogo for controlado. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que deveria aproveitar a janela mundial de oportunidade para formular o ambicioso plano de metas da era digital e ecológica, parece assistir ao trabalho dos bombeiros enquanto outros acirram o fogo.

Na mesma semana em que denuncia a falta de ambição de seus colegas, o presidente Lula comemorou o aumento da produção de petróleo e acena para autorizar a exploração de novos poços no litoral próximo à Amazônia. De olho nos votos locais na próxima eleição, senadores que antes defendiam a liderança do Brasil para um mundo com desenvolvimento sustentável, agora indicam que a exploração de combustível fóssil na Amazônia é necessária para aumentar a renda local, mesmo sabendo que essa riqueza não fica localmente e que suas consequências se espalham pelo planeta, trazendo de volta os efeitos das mudanças climáticas que acirram os incêndios. Além de não construir o futuro, estamos agindo como bombeiros piromaníacos: provocando o fogo que dizemos combater. Com elevado custo econômico para não perder votos e por falta de proposta alternativa.

O governo parece se comportar como bombeiro no presente e incendiário para o futuro. Não apenas no que se refere à crise ambiental e aos incêndios nas florestas. Na área de educação, mitiga a desigualdade nas escolas de base, com cotas e bolsas, mas sem agir para construir um robusto sistema nacional de educação de base com qualidade e equidade. Tenta reduzir o incêndio da penúria com aumento do programa Bolsa Família, mas sem uma estratégia de médio e longo prazo para eliminar a persistência da pobreza, nem para tirar o Brasil da armadilha que amarra nossa produtividade e a renda média, nem para distribuir com justiça a renda gerada. No social, o governo se comporta como bombeiro, sem uma estratégia construtora de longo prazo. O mesmo pode-se dizer da economia, tratada para apagar os incêndios do dia, inflação, deficit público, taxa de juros, mas sem formulação de longo prazo.

Olhando para o passado recente, temos um governo que pelo menos joga água para apagar incêndios, mas não dá sinais de ter uma bússola apontando para o futuro, nem quais as ferramentas necessárias para construí-lo. É possível que o governo bombeiro tenha êxito contra o fogo nas florestas antes mesmo de as chuvas chegarem, e seus ministros comemorem como vitória deles, mas, como disse o Lula na ONU, sem ambição para apresentar medidas estruturais. Sem ambição até mesmo para quem propõe ir além da ambição de bombeiro: apagar fogo. Felizmente, os bombeiros ficarão de prontidão: mas Lula tem razão, é preciso mais ambição, inclusive dele.

Em estado de guerra

“O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo.” A frase, referência ao conflito do Oriente Médio, é do discurso de Lula, na abertura da Assembleia Geral da ONU, organismo que apontou como esvaziado e sem voz ativa. Incapaz de mediar conflitos. Neste começo do século 21, a ONU é isso. Infelizmente.

O mundo enfrenta o maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial, com 56 guerras ativas, em 2024, e 92 países envolvidos, ameaçando a segurança mundial. Os dados são do Global Peace Index (GPI) ou Índice Global da Paz, divulgados anualmente pelo Institute for Economics and Peace.

Em 2023, foram 162 mil mortes. Um recorde nos últimos 30 anos, segundo o relatório. Os conflitos na Ucrânia e em Gaza foram responsáveis por quase três quartos dessas fatalidades. Apenas no início de 2024, 47 mil mortes relacionadas a guerras foram registradas.


O relatório do GPI conclui que muitas das condições que precedem grandes conflitos mundiais estão mais elevadas do que em qualquer momento desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Como não temer?

Nesta semana, um único ataque de Israel ao Líbano resultou em 492 mortos, 1.645 feridos, milhares de desalojados. Não há o que justifique.

Os representantes do Estado de Israel não aplaudiram nada do discurso de Lula. Como cegos, os defensores do atual Estado violento, que é o do Israel, costumam simplificar, apontando como antissemitas toda e qualquer crítica às violências cometidas em Gaza e, agora, no Líbano. Triste jogo de cena.

No mundo, o impacto econômico da violência tem sido devastador. Em 2023, o custo das guerras alcançou US$ 19,1 trilhões (R$ 106 trilhões). O que significa perda global de US$ 2.380 (R$ 13.200) por pessoa ou 20% nas perdas de PIB. Já os gastos com pacificação representaram 0,6% do total investido em forças militares. Quem quer mesmo acabar com as Guerras?

É preciso falar de paz. É preciso mudar a ONU. Dar-lhe mais voz ativa. Todo mundo sabe. Todo mundo vê. Poucos falam. Lula tem falado.

Os dados da GPI cobrem 99,7% de toda a população mundial, e classificam como “estado de paz”, nos países, em cinco níveis: muito alto, alto, médio, baixo e muito baixo.

O Brasil ocupa a 131ª posição no ranking mundial da violência, classificado como “baixo estado de paz”. Na verdade, vivemos em estado de guerrilhas internas.

Ainda assim, em 2024, subimos da 132ª para a 131ª posição entre 163 países incluídos no ranking global de violência. Regionalmente, o Brasil ocupou uma das últimas posições do índice de paz da América Latina. Estamos à frente apenas de México (136º), Venezuela e Colômbia (ambas em 140º). Tá feia a coisa.

Na América do Sul, o Brasil está na nona posição em ranking liderado pela Argentina. De doer.

Nem tudo está perdido. Há oásis de paz mundo afora. Islândia, Irlanda, Áustria, Nova Zelândia e Singapura são os cinco países menos violentos do mundo, seguidos de Suíça, Portugal, Dinamarca, Eslovênia e Malásia. Ainda há para onde escapar.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Israel, terrorismo e um barco

Na terça-feira da semana passada, foram os pagers a explodir. Na quarta-feira, os walkie-talkies. O Sul do Líbano foi bombardeado na quinta. Um grande ataque na capital do Hezbollah, Beirute, na sexta-feira, matou um importante comandante do Hezbollah, outros chefes militares e cinco crianças. No sábado, houve intenso bombardeio a posições da milícia xiita. Domingo, a mesma coisa com resposta dos libaneses.

Depois de destruir Gaza, Israel não parece querer menos do que eliminar o Hezbollah. Está a fazê-lo de uma forma tão demolidora que aquela se tornou, sem dúvida, a pior semana nos 40 anos de história do movimento apoiado pelo Irão.

No espaço de dois meses, as forças israelitas localizaram e atacaram a cúpula militar do Hezbollah, em duas ocasiões, enquanto ela mantinha reuniões perto de Beirute. Mas, para a história, ficará a operação que permitiu matar e ferir centenas, se não milhares de membros a todos os níveis do movimento com um bip.


Ao fazê-lo, Israel escreveu mais um capítulo da guerra híbrida, com uma engenhosa operação especial, mas também inscreveu o seu nome na ignomínia do terrorismo. Detonar milhares de aparelhos sem saber se eles estão na mão de crianças, de médicos, de empregados de escritório, se estão numa loja ou num quartel, não tem outro nome.

É quase irreal colocar Israel do lado do terrorismo, sabendo o quanto os israelitas foram alvo dessa conjugação perversa de violência e fanatismo que é cega às vítimas inocentes. Mas tanto aqui como em Gaza as autoridades israelitas têm mostrado uma crueldade que revela a ausência de quaisquer baias morais.

O mundo civilizado tem a obrigação de agir em conformidade com aquilo que se prefigura serem crimes de guerra. Por isso é insuficiente afirmar, como fez o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, que se trata de “uma questão jurídica muito complexa” para justificar a dificuldade de impedir que um navio com bandeira portuguesa transporte explosivos para a indústria de armamento israelita.

Foi Israel que escolheu ser um Estado-pária, é Israel que está a fazer tudo para iniciar uma nova guerra no Líbano, afastando qualquer possibilidade de uma solução negociada que evite mais outra catástrofe humanitária. A comunidade internacional não pode ser cúmplice de quem sistematicamente viola as suas leis e privilegia a guerra para resolver conflitos. Um navio sob soberania portuguesa carregado de explosivos é um navio que não deveria chegar à fogueira do Médio Oriente com o nosso nome.

Chega de brincar, elite paulistana

A elite paulistana é a grande responsável pelo prolongamento da brincadeira de mau gosto chamada Pablo Marçal. O mercado financeiro, sempre tão agudo ao cobrar do governo federal responsabilidade com os gastos públicos e o necessário ajuste fiscal, caiu de amores por um arruaceiro surgido do nada, sem nenhum compromisso com a viabilidade (fiscal, técnica ou legal) de suas ideias estapafúrdias.

O povo do colete de náilon de gominhos com camisa social e sapatênis — combinação que já denota o misto de autoconfiança excessiva com falta de noção — se apaixonou pelo forasteiro que caiu de teleférico no principal centro econômico do Brasil, com o único intuito de se autopromover, de olho nos próprios (e obscuros) negócios e nas eleições presidenciais.


O reconhecimento costuma ser um combustível forte para explicar essas ondas de intenção de voto. Se, ao se olhar no espelho, a elite paulistana enxerga Marçal, isso mostra um profundo e preocupante descompromisso com as reais e urgentes necessidades de uma cidade desigual, que condena em diferentes medidas todos, dos mais pobres aos mais ricos, a uma rotina de provações do momento em que se acorda à hora em que se consegue dormir.

Transformar a escolha do prefeito — aquele que tem a função primordial de resolver problemas do dia a dia que levam a cidade a ser essa eterna gincana contra os perrengues — num campeonato de bizarrices foi a armadilha em que Marçal obteve o sucesso, até aqui, de enredar a todos os que integram o tal “sistema”: partidos, adversários, Justiça Eleitoral, imprensa e eleitores, tanto os que brincam à beira do abismo fazendo a letra M com a mão quanto os outros, que correm o risco de ver seu destino entregue a alguém que não esconde o desprezo profundo pelos assuntos que dizem respeito à vida do paulistano.

Que Marçal ainda tenha algo como 20% das intenções de voto depois do show de horrores diário a que vem submetendo a campanha eleitoral é espantoso — e uma vergonha para os paulistanos. E, aí, é o caso de chamar a elite da cidade à responsabilidade.

Não é possível querer encher a boca com o lema non ducor, duco, que os paulistanos adoram emprestar do brasão da cidade para se arvorarem em comandantes das grandes decisões nacionais, e continuar dando corda para Marçal dançar.

É evidente a contaminação rápida da política em todo o país pelos métodos de rebaixamento do debate promovido pelo candidato que usa um partido de aluguel, o PRTB, para alcançar seus fins. Pablos com menos seguidores dispostos a bater palma proliferam.

Promotores de debates noutras capitais condicionam as regras dos debates fora de São Paulo à necessidade de tentar domar alguém que se recusa a cumprir regras com que se comprometeu. Esse cenário é inaceitável e aponta para uma desertificação da disputa de 2026 tão galopante quanto a que ameaça os biomas que queimam em incêndios descontrolados do Norte ao Centro-Oeste. E, assim como em relação às mudanças climáticas, nossas instituições de governança vão se mostrando alheias ou incapazes de apresentar ferramentas eficientes de combate.

Lula, que tratou de dar voltas e trazer bodes à sala na abertura da Assembleia Geral da ONU, para tentar transformar a crise das queimadas em nota de rodapé no discurso, vai ignorando de forma bastante inconsequente a depredação que Marçal promove em seu berço político.

Depois não poderá reclamar quando, em 7 de outubro, assistir ao ex-coach voltar sua artilharia para Brasília, talvez a bordo do convite para embarcar em algum partido maior, com mais estrutura e nenhum compromisso com a democracia — a lista de siglas candidatas a ser incubadora desse projeto é vasta, algumas delas com assento na Esplanada dos Ministérios.

A hora de reagir e fincar barricadas em defesa da democracia é agora, e não depois que tudo queimar sob os métodos de alguém que ainda não chegou ao limite do que está disposto a fazer.