Paisagem, Ronald Schnepper |
quarta-feira, 31 de outubro de 2018
Avanço do desmatamento exige medidas urgentes no Brasil
"O relatório reforça a perda que estamos vendo nos biomas brasileiros. A Floresta Amazônica, por exemplo, já perdeu 20% de sua cobertura original", pontua André Nahur, coordenador de Mudanças Climáticas do WWF Brasil.
No Cerrado, segunda maior vegetação na América do Sul, o desmatamento chega a 50%. Expansão da agricultura de larga escala, crescimento urbano, expansão da infraestrutura e mineração são apontados no relatório como as principais causas da destruição florestal.
Dado o diagnóstico, medidas urgentes são recomendadas para reverter a perda da natureza. "A pauta socioambiental deve ser prioridade para qualquer governo. Ela não é um entrave para o desenvolvimento", diz Nahur sobre os resultados do relatório no atual contexto político brasileiro, depois da eleição de Jair Bolsonaro à presidência.
Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro deu declarações contrárias a políticas ambientais, direitos indígenas, áreas protegidas para conservação e o Acordo de Paris sobre o clima. Ele voltou atrás em relação a alguns dos temas depois de ser criticado.
"A nossa biodiversidade e riqueza natural são os principais ativos que temos para que o país continue crescendo economicamente. Precisamos manter as florestas, que garantem água para centros urbanos, para o agronegócio, para o setor de energia", argumenta Nahur.
Reverter a tendência do aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado é visto por especialistas como um dos maiores desafios do próximo presidente. Em meados de novembro, dados anuais monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) serão divulgados.
Um levantamento prévio feito pelo Observatório do Clima com informações do sistema Deter B, do Inpe, indicou um crescimento do desmatamento de 36% de junho a setembro, período eleitoral, o que a organização considerou um "efeito Bolsonaro".
"Quase certamente, os números anuais do Inpe mostrarão um aumento em relação ao período anterior. A equipe de transição do novo governo irá se preocupar ou comemorar?", questiona Carlos Nobre, climatologista e atualmente pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
Nobre é um dos autores de um estudo que concluiu que, caso mais de 25% da Amazônia sejam destruídos, a floresta entra num processo irreversível de degradação.
"Não estamos muito longe desses limites dos quais não deveríamos chegar nem perto", afirma o pesquisador, lembrando que 20% da bioma no Brasil já se foram.
Diante do alerta emitido pelo WWF e de posicionamentos de Bolsonaro contrários ao meio ambiente, o maior desafio será uma mudança de olhar, opina Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"É preciso passar a enxergar o meio ambiente com olhos de 2019, e não de 50 anos atrás", diz sobre o futuro presidente. "Derrubar florestas ou direitos de povos indígenas e aumentar emissões de gases de efeito estufa será péssimo para a imagem dele, para a reputação e a competitividade Brasil, de nossas empresas e de nossas commodities", afirma.
A perda de florestas e da biodiversidade, poluição, superexploração de recursos naturais e elevação da temperatura média global, provocados pela ação humana, estão levando o planeta ao limite. "Isso tudo prejudica a saúde e o bem-estar das pessoas, espécies, sociedades e economias em todos os lugares", diz o documento.
Além da perda florestal, nas Américas do Sul e Central, foi registrada uma redução de 89% das populações de vertebrados desde 1970, segundo o relatório do WWF. No mundo, populações de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes caíram 60% nas últimas cinco décadas. Espécies estão se movendo cada vez mais rápido em direção à extinção, alerta o WWF.
Outro fator de preocupação é o plástico, descartado muitas vezes após ser usado uma única vez e que vai parar nos oceanos, também é encontrado no organismo de cerca de 90% das aves marinhas. Em 1960, apenas 5% delas carregavam algum vestígio.
"Metade dos corais de águas rasas foi perdida globalmente em apenas 30 anos", fala Nahur sobre o ecossistema, considerado o berçários de peixes. O sumiço dos corais é apontado como um dos impactos da elevação da temperatura média da Terra de 1,1°C em comparação com o nível pré-industrial.
O Relatório Planeta Vivo observou as tendências em 16.704 populações que representam 4.005 espécies de vertebrados. Na edição passada, em 2016, o documento avaliou 14.152 populações de 3.706 espécies.
A análise científica é bianual e feita desde 1998. A atual versão contou com mais de 50 cientistas e pesquisadores de diferentes órgãos internacionais.
Deutsche Welle
Quando surgirá o 'vergonhódromo'?
Estou pensando em criar um "vergonhódromo" para políticos sem-vergonha, que ao verem a chance de chegar ao poder esquecem os compromissos com o povoLeonel Brizola
Sem pacto, por favor
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, fez um pronunciamento dois dias antes do segundo turno da eleição para presidente conclamando os três Poderes da República a firmarem um pacto para reconciliação de vencedores e derrotados, pelo bem e pela união do Brasil. Segundo ele, “a celebração de um pacto nacional é não só necessária, mas premente. Com o devido diálogo, realizaremos as almejadas reformas dentro de um quadro de segurança jurídica. O Supremo Tribunal Federal exercerá o importante papel de árbitro dos eventuais conflitos, garantindo a solidez, a segurança jurídica e a paz social, função última da Justiça”. Cá pra nós, que textinho ruim, hein?
À primeira vista, a proposta, na aparência, parece resultar de um espírito cívico muito nobre, mas ela padece de um mínimo de legitimidade. A cidadania brasileira acaba de tomar, em eleições históricas, pacíficas e limpas, uma decisão da maior importância e ela precisa ser recebida e acatada por todas as instituições que compõem o organismo do Estado de Direito no Brasil, sem que haja necessidade de concessões e boa vontade de parte nenhuma. O capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro ganhou a disputa eleitoral em dois turnos enfrentando muitos percalços e cumprindo um programa que vem sendo empreendido há, pelo menos, dois anos: levar ao poder da República a indignação amplamente majoritária da sociedade brasileira, da qual faz parte negar alianças, pactos e compromissos que tentam driblar ou até contrariar a vontade política e majoritária do povo.
A eleição, realizada sem contratempos de monta, em 7 e 28 de outubro, é o ápice de manifestações populares nas ruas realizadas há cinco anos e às quais o “Brasil oficial” da célebre crônica crítica de Machado de Assis respondeu com desprezo e mofa. Para começo de conversa, a presidente em 2013, Dilma Rousseff, propôs não um, como o fez agora seu ex-subordinado no PT, mas cinco pactos. Apenas lorota, conversa pra boi dormir. Tudo ficou como dantes no cartel de Abrantes, assim com c mesmo, pois falamos de cartéis, e não de casernas. A proponente disputou eleição no ano seguinte e nela praticou a mais infame fraude eleitoral da História: uma campanha abjeta de sórdido marketing eleitoral contra outra mulher esquerdista, Marina Silva, da Rede, que lhe atrapalhava a caminhada para repetir o seu primeiro desgoverno federal, que conquistara como poste sem luz de Lula. Logo depois afundaria no maior lamaçal ético de todos os tempos, acabando em impeachment e não deixando saudade nem em quem a inventou.
Durante a breve gestão de seu sucessor, Michel Temer, dono do então PMDB, hoje MDB, que era seu vice, escolhido, é claro, pelo morubixaba de Garanhuns, foi celebrado um acordão – sem acento agudo no o – para garantir reeleição e foro privilegiado a políticos desonestos denunciados pela Operação Lava Jato, de 2014. Os sócios sigilosos desse pacto de impunidade dos chefões das associações criminosas, ditas organizações partidárias, se reuniram num bando chamado Centrão com o objetivo de assegurar o poder a vários incriminados, incluído o presidente provisório, e oferecer aos associados desse clube do “mamãe, eu quero” a garantia da mamadeira à mão. Sob os auspícios de Darcísio Perondi, Carlos Marun, Eliseu Resende e Moreira Franco, esse grupo levou o ex-governador tucano paulista Geraldo Alckmin ao cadafalso, com anêmicos 4,75% dos votos. A extensão dos delatados alcançou todo o espectro partidário, a tal ponto que, única exceção, o capitão do baixíssimo clero Jair Bolsonaro, do PSL, ficou com a glória, a vitória e o campeonato. Quer saber por quê? Porque o populacho sabe que esses tais pactos são fórmulas de transferir o suado dinheiro do trabalhador para as contas bancárias da patota.
Bolsonaro conseguiu quase 60 milhões de votos no segundo turno de gente que tem nojo desses pactos e nada espera de nobre ou cívico dos 11 membros da cúpula do Poder Judiciário. Dias Toffoli foi citado na delação de Léo Pinheiro, de OAS, mas ela foi guardada no freezer que congela a vodkinha de cada dia do dotô. E em cumplicidade do Trio Ternura Bandida da ex-Segunda Turma do STF, junto com Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, o ex-advogado da cúpula dirigente do PT exerceu o tal do poder monocrático para soltar criminosos de colarinho-branco, que o povão quer ver presos. Entre eles figura seu ex-chefe José Dirceu de Oliveira e Silva, criminoso reincidente do mensalão e do petrolão, condenado a 30 anos e meio de cana.
Agora mesmo cai o queixo da massa de milhões de cidadãos que mandaram para casa um punhado de chefões políticos delatados nas operações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federais, com o time completo da “Suprema Corte” se intrometendo em decisões da Justiça Eleitoral em 17 universidades públicas em sete Estados da Federação. Esta havia mandado recolher material de propaganda eleitoral com circulação proibida em repartições públicas pela legislação eleitoral. Cármen Lúcia saiu à frente de todos para garantir a autonomia que a academia tem para mentir à juventude. Na certa, ela faltou às aulas de História sobre as ditaduras do Eixo sob os auspícios do fascismo de Mussolini e do nazismo de Hitler. Onde essa senhora viu no Brasil tropas de assalto armadas, perseguição e morte de 6 milhões de judeus, noite dos cristais com vidraças de lojas quebradas, experiências científicas com prisioneiros políticos servindo de cobaias, típicas deles?
O ministro Luís Roberto Barroso, fã de frase de efeito, tenha ela conexão ou não com a verdade factual, elaborou uma máxima filosófica de fazer corar o filósofo Zeca Boca de Bacia, de saudosa memória nos bares de Campina Grande nos tempos de minha adolescência. Para ele, a polícia só deve entrar em universidades “se for para estudar”. Cá pra nós, a frase é uma paródia imperfeita de outra, da lavra do engenheiro Leonel Brizola, que para liberar os territórios controlados pelos traficantes à época de seu governo no Estado do Rio declarou que sua (?!) polícia não subiria morro para prender e bater no povo. Não são mesmo fofos?
Pois é. Então, vamos resumir a questão sugerindo a seguinte resposta ao pacto proposto por Toffoli, aquele que chegou à presidência da Suprema Tolerância Federal sem nunca ter sido aprovado num concurso de juiz: faça sua parte e deixe Bolsonaro governar em paz o povo que o escolheu. Só para lembrar: quem o nomeou para o cargo vitalício e remunerado com o máximo de vencimento possível no funcionalismo federal, Lula, foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão e está cumprindo a pena na sala de “estado-maior” da Polícia Federal em Curitiba. Esclarecido que “Lula está preso, babaca” (apud Cid Gomes), aos Poderes Legislativo e Executivo, cujos membros são eleitos pelo povo, cabe fazer as leis e executá-las, respectivamente. Os 11 membros da soit-disant “colenda Corte” devem assegurar o cumprimento da Constituição. Se eles não dispuserem de exemplares do texto, poderão tomar emprestado do presidente eleito, que exibiu um na sua mesa quando fez o primeiro pronunciamento após o triunfo, num live para redes sociais. Em vez de se meterem à toa onde não são chamados, como é o caso do ensino mentiroso da História do século 20 nos câmpus contaminados pelo vício do fracasso do socialismo e pela putrefação da política partidária, devem apenas se ater à letra fria da lei, se possível com um bom dicionário ao lado. Isso evitaria, por exemplo, a leitura errada do artigo 52 da referida Constituição, em que o decano Celso de Mello, o trêfego Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o citado Toffoli confundem “considerado culpado” com “preso”. Nada que duas ou três aulas da velha e boa gramática não resolvam.
Deve ficar assim: no Brasil, que não está dividido, mas já escolheu a rota a seguir, o Congresso faz as leis, a União toma as providências com base nelas e para os “supremos da Corte real” fica o mister de, da forma menos indiscreta que for possível, decidir se as normas legais e sua execução estão nos conformes da chamada Carta Magna. Ou seja, todo servidor público deve cumprir o que é seu dever de ofício. E o resto, como diria a única governadora eleita no Brasil no mesmo pleito que consagrou o capitão contra o ladrão, Fátima Bezerra, é “gópi”.
À primeira vista, a proposta, na aparência, parece resultar de um espírito cívico muito nobre, mas ela padece de um mínimo de legitimidade. A cidadania brasileira acaba de tomar, em eleições históricas, pacíficas e limpas, uma decisão da maior importância e ela precisa ser recebida e acatada por todas as instituições que compõem o organismo do Estado de Direito no Brasil, sem que haja necessidade de concessões e boa vontade de parte nenhuma. O capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro ganhou a disputa eleitoral em dois turnos enfrentando muitos percalços e cumprindo um programa que vem sendo empreendido há, pelo menos, dois anos: levar ao poder da República a indignação amplamente majoritária da sociedade brasileira, da qual faz parte negar alianças, pactos e compromissos que tentam driblar ou até contrariar a vontade política e majoritária do povo.
A eleição, realizada sem contratempos de monta, em 7 e 28 de outubro, é o ápice de manifestações populares nas ruas realizadas há cinco anos e às quais o “Brasil oficial” da célebre crônica crítica de Machado de Assis respondeu com desprezo e mofa. Para começo de conversa, a presidente em 2013, Dilma Rousseff, propôs não um, como o fez agora seu ex-subordinado no PT, mas cinco pactos. Apenas lorota, conversa pra boi dormir. Tudo ficou como dantes no cartel de Abrantes, assim com c mesmo, pois falamos de cartéis, e não de casernas. A proponente disputou eleição no ano seguinte e nela praticou a mais infame fraude eleitoral da História: uma campanha abjeta de sórdido marketing eleitoral contra outra mulher esquerdista, Marina Silva, da Rede, que lhe atrapalhava a caminhada para repetir o seu primeiro desgoverno federal, que conquistara como poste sem luz de Lula. Logo depois afundaria no maior lamaçal ético de todos os tempos, acabando em impeachment e não deixando saudade nem em quem a inventou.
Durante a breve gestão de seu sucessor, Michel Temer, dono do então PMDB, hoje MDB, que era seu vice, escolhido, é claro, pelo morubixaba de Garanhuns, foi celebrado um acordão – sem acento agudo no o – para garantir reeleição e foro privilegiado a políticos desonestos denunciados pela Operação Lava Jato, de 2014. Os sócios sigilosos desse pacto de impunidade dos chefões das associações criminosas, ditas organizações partidárias, se reuniram num bando chamado Centrão com o objetivo de assegurar o poder a vários incriminados, incluído o presidente provisório, e oferecer aos associados desse clube do “mamãe, eu quero” a garantia da mamadeira à mão. Sob os auspícios de Darcísio Perondi, Carlos Marun, Eliseu Resende e Moreira Franco, esse grupo levou o ex-governador tucano paulista Geraldo Alckmin ao cadafalso, com anêmicos 4,75% dos votos. A extensão dos delatados alcançou todo o espectro partidário, a tal ponto que, única exceção, o capitão do baixíssimo clero Jair Bolsonaro, do PSL, ficou com a glória, a vitória e o campeonato. Quer saber por quê? Porque o populacho sabe que esses tais pactos são fórmulas de transferir o suado dinheiro do trabalhador para as contas bancárias da patota.
Bolsonaro conseguiu quase 60 milhões de votos no segundo turno de gente que tem nojo desses pactos e nada espera de nobre ou cívico dos 11 membros da cúpula do Poder Judiciário. Dias Toffoli foi citado na delação de Léo Pinheiro, de OAS, mas ela foi guardada no freezer que congela a vodkinha de cada dia do dotô. E em cumplicidade do Trio Ternura Bandida da ex-Segunda Turma do STF, junto com Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, o ex-advogado da cúpula dirigente do PT exerceu o tal do poder monocrático para soltar criminosos de colarinho-branco, que o povão quer ver presos. Entre eles figura seu ex-chefe José Dirceu de Oliveira e Silva, criminoso reincidente do mensalão e do petrolão, condenado a 30 anos e meio de cana.
Agora mesmo cai o queixo da massa de milhões de cidadãos que mandaram para casa um punhado de chefões políticos delatados nas operações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federais, com o time completo da “Suprema Corte” se intrometendo em decisões da Justiça Eleitoral em 17 universidades públicas em sete Estados da Federação. Esta havia mandado recolher material de propaganda eleitoral com circulação proibida em repartições públicas pela legislação eleitoral. Cármen Lúcia saiu à frente de todos para garantir a autonomia que a academia tem para mentir à juventude. Na certa, ela faltou às aulas de História sobre as ditaduras do Eixo sob os auspícios do fascismo de Mussolini e do nazismo de Hitler. Onde essa senhora viu no Brasil tropas de assalto armadas, perseguição e morte de 6 milhões de judeus, noite dos cristais com vidraças de lojas quebradas, experiências científicas com prisioneiros políticos servindo de cobaias, típicas deles?
O ministro Luís Roberto Barroso, fã de frase de efeito, tenha ela conexão ou não com a verdade factual, elaborou uma máxima filosófica de fazer corar o filósofo Zeca Boca de Bacia, de saudosa memória nos bares de Campina Grande nos tempos de minha adolescência. Para ele, a polícia só deve entrar em universidades “se for para estudar”. Cá pra nós, a frase é uma paródia imperfeita de outra, da lavra do engenheiro Leonel Brizola, que para liberar os territórios controlados pelos traficantes à época de seu governo no Estado do Rio declarou que sua (?!) polícia não subiria morro para prender e bater no povo. Não são mesmo fofos?
Pois é. Então, vamos resumir a questão sugerindo a seguinte resposta ao pacto proposto por Toffoli, aquele que chegou à presidência da Suprema Tolerância Federal sem nunca ter sido aprovado num concurso de juiz: faça sua parte e deixe Bolsonaro governar em paz o povo que o escolheu. Só para lembrar: quem o nomeou para o cargo vitalício e remunerado com o máximo de vencimento possível no funcionalismo federal, Lula, foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão e está cumprindo a pena na sala de “estado-maior” da Polícia Federal em Curitiba. Esclarecido que “Lula está preso, babaca” (apud Cid Gomes), aos Poderes Legislativo e Executivo, cujos membros são eleitos pelo povo, cabe fazer as leis e executá-las, respectivamente. Os 11 membros da soit-disant “colenda Corte” devem assegurar o cumprimento da Constituição. Se eles não dispuserem de exemplares do texto, poderão tomar emprestado do presidente eleito, que exibiu um na sua mesa quando fez o primeiro pronunciamento após o triunfo, num live para redes sociais. Em vez de se meterem à toa onde não são chamados, como é o caso do ensino mentiroso da História do século 20 nos câmpus contaminados pelo vício do fracasso do socialismo e pela putrefação da política partidária, devem apenas se ater à letra fria da lei, se possível com um bom dicionário ao lado. Isso evitaria, por exemplo, a leitura errada do artigo 52 da referida Constituição, em que o decano Celso de Mello, o trêfego Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o citado Toffoli confundem “considerado culpado” com “preso”. Nada que duas ou três aulas da velha e boa gramática não resolvam.
Deve ficar assim: no Brasil, que não está dividido, mas já escolheu a rota a seguir, o Congresso faz as leis, a União toma as providências com base nelas e para os “supremos da Corte real” fica o mister de, da forma menos indiscreta que for possível, decidir se as normas legais e sua execução estão nos conformes da chamada Carta Magna. Ou seja, todo servidor público deve cumprir o que é seu dever de ofício. E o resto, como diria a única governadora eleita no Brasil no mesmo pleito que consagrou o capitão contra o ladrão, Fátima Bezerra, é “gópi”.
A esperança mudou de lado
Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República com aproximadamente 55% dos votos válidos, contra 45% de Fernando Haddad (PT). Depois da facada que levou em Juiz de Fora, teve a imagem humanizada e fez campanha praticamente sem sair de casa, pelas redes sociais. Na reta final, venceu o medo disseminado pelos adversários de que implantaria um governo despótico, muito em razão de suas atitudes e declarações de viés autoritário e à imagem de homofóbico e misógino, construída como deputado federal em incidentes na Câmara e com a imprensa. Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal.
O discurso político de Bolsonaro em relação ao seu governo tem matriz positivista, típica da cultura sedimentada nas casernas desde a Escola Militar da Praia Vermelha, o berço do tenentismo, e que está vivíssima no lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. Seu projeto político sempre foi conservador, nacionalista, autoritário, mas sinalizou um choque liberal na economia que está em contradição com essa formação político-ideológica. Para a grande maioria dos brasileiros, porém, mirou a agenda prioritária: o combate à corrupção, ao crime organizado e ao desemprego. As pautas identitárias, que funcionam como uma espécie de gazua do PT para se rearticular nos movimentos sociais e não discutir o próprio fracasso no governo, ficaram em segundo plano para a maioria dos eleitores. Serviram muito mais como um instrumento de chantagem para mobilizar o voto antibolsonaro junto ao chamado “centro democrático”. Essa pauta, porém, alimentou o medo.
Por que Haddad perdeu as eleições? Com Lula na prisão, o PT tem muitas dificuldades para responder. Somente uma autocrítica profunda poderia fazê-lo. Mas não é isso que acontecerá. O partido é prisioneiro de uma narrativa construída para varrer seus erros para debaixo do tapete. Passará à oposição com um discurso antifascista. Outro equívoco: a eleição de Bolsonaro não representa uma mudança de regime; não se pode chamar 57,8 milhões de eleitores de fascistas. Entretanto, não faltarão comparações com a República de Weimar e a chegada de Hitler ao poder.
Precisamos aprender com o Chile, palco da ditadura mais sanguinária da América do Sul. Desde a vitória do “No” no histórico plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet, em 1990, liberais, socialistas e conservadores se revezam no poder, em sucessivas eleições, sem nenhum retrocesso de ordem institucional. A alternância de poder é um pilar da democracia, assim como o direito ao dissenso da minoria oposicionista. Pela primeira vez, desde a eleição de Tancredo Neves, teremos um governo assumidamente de direita. A esquerda, que banalizou o termo, terá de aprender a conviver com isso. Nosso Estado democrático de direito já deu demonstrações de grande resiliência, uma delas foi sobreviver ao maior assalto aos cofres públicos de que se tem conhecimento, o escândalo do petrolão.
Em suas “21 lições sobre o século 21”, Yuval Harari destaca que o gênero humano constitui agora uma única civilização. “Problemas como guerra nuclear, colapso ecológico e disrupção tecnológica só podem ser resolvidos em nível global. Por outro lado, nacionalismo e religião dividem nossa civilização em campos diferentes e às vezes hostis.” Não estamos fora desse processo, cujo epicentro é a crise da União Europeia. A crise venezuelana é um alerta para a América Latina. Bolsonaro sinaliza escolhas nas quais o nacionalismo e a religião têm papel relevante; ao mesmo tempo, se depara com um país divido em três pedaços: um terço votou nulo (2,15%), branco (7,43%) ou se absteve (21,29%. A eleição também traduz a permanência de injustiças e desigualdades regionais seculares no Brasil setentrional.
“Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus”, disse Bolsonaro logo após a eleição. “Nosso governo vai quebrar paradigmas, vamos confiar nas pessoas, vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade e construir o seu futuro. Vamos desamarrar o Brasil”, declarou. “Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos porque assim será o nosso governo: constitucional e democrático”, reiterou. Oxalá seja mesmo verdade.
terça-feira, 30 de outubro de 2018
Pequenez na derrota
Voltaram, previsivelmente, os queixumes contra o impeachment de Dilma e a “prisão injusta” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A “tarefa enorme” que disse ver pela frente seria “defender o pensamento e as liberdades desses 45 milhões de brasileiros [foram 47 milhões ao final da apuração]” que nele votaram. A despeito do adjetivo empregado, a missão não abarca a maioria que fez outra escolha.
Haddad também não seguiu o rito democrático de cumprimentar de pronto o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), pela vitória. Só veio a fazê-lo nesta segunda-feira, por meio de uma rede social. Menos mal, mas ainda assim sintomático da propensão petista a negar legitimidade aos adversários.
O PT recebeu um respeitável mandato oposicionista no pleito, no qual elegeu 56 deputados federais e quatro governadores. Ainda mais eloquente, entretanto, foi a ampla e aguda rejeição ao partido —maior entre os votantes mais ricos e escolarizados dos grandes centros urbanos, mas elevada em quase todos os estratos e regiões.
Mais que tolice, soa a ofensa a insistência em atribuir tal sentimento a elitismos ou preconceitos. O auto-engano servido à militância contribui para envenenar o ambiente político, enquanto a sigla mantém o culto a líderes flagrados em desmandos e se esquiva de reconhecer seus erros econômicos.
Talvez aposte que, fazendo oposição agressiva, intransigente e dogmática, venha a colher os dividendos de um desgaste futuro, nada implausível, do governo Bolsonaro.
Bastaria, assim, oferecer ao público a tradicional receita de soluções fáceis, que desconhecem as limitações orçamentárias, e a mitologia dos anos de bonança sob Lula.
A ser esse o caso, cumpre recordar que nem a impopularidade devastadora de Michel Temer (MDB) — para nem mencionar os temores despertados pela candidatura do capitão reformado — bastou para reconduzir os petistas ao Planalto.
A derrota desmascarou os democratas de galinheiro
O discurso de Fernando Haddad, declamado minutos depois, deixou em frangalhos a fantasia do estadista que Lula escolheu para impedir que a democracia brasileira fosse assassinada por uma versão piorada de Adolf Hitler. Alheio aos 10 milhões de votos que escavaram um abismo entre ele e Bolsonaro, Haddad transformou o que deveria ser um civilizado reconhecimento da derrota no primeiro comício do terceiro turno de uma eleição que acabou.
Em vez de desejar boa sorte ao vencedor, o democrata de galinheiro tentou desqualificar a decisão da maioria do eleitorado, exigiu a libertação do corrupto engaiolado pela Justiça e avisou que a luta continua. A seu lado no palanque, Gleisi Hoffmann confirmou que o partido não perdeu para Bolsonaro: foi vítima das fraudes, da enxurrada de fake news, das injustiças praticadas contra Lula e de outras perversidades engendradas por fascistas e neonazistas.
Guilherme Boulos aproveitou o clima beligerante e convocou para esta terça-feira atos de protesto contra o governo que nem começou. Não esclareceu se vai convidar para as manifestações Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Marina Silva e outros parceiros recentes da “frente democrática” simulada pela tribo que sonha fazer do Brasil uma Venezuela tamanho família. Tampouco revelou se vai aproveitar o ajuntamento para invadir algum imóvel.
O palavrório dos companheiros de naufrágio destoou pateticamente da cara de velório. Fiascos do gênero confundem seus protagonistas, sobretudo se portadores de cabeças muito avariadas. Mas o surto de alucinações não dura muito. Sacerdotes ou meros devotos, os integrantes da seita logo descobrirão que Lula vai continuar na cadeia, que a Lava Jato venceu a quadrilha, que Bolsonaro nocauteou Haddad, que os brasileiros não são um ajuntamento de otários.
O comportamento dos vencidos informa: o PT pode até sobreviver por alguns anos, mas a agonia é irreversível. Condenado ao desaparecimento pelo eleitorado que tapeou por tanto tempo, o partido que virou bando vai morrer de sem-vergonhice.
O grande tesouro
Os milionários quiseram comprar a felicidade com seu dinheiro, os políticos quiseram conquistá-la com seu poder, as celebridades quiseram seduzi-la com sua fama. Mas ela não se deixou achar. Balbuciando aos ouvidos de todos, disse: "Eu me escondo nas coisas mais simples e anônimas..."Augusto Cury
Bolsonaro é a lápide do sistema que apodreceu
A vitória de Jair Bolsonaro consolidou o processo eleitoral de 2018 como uma pequena revolução. Desde a transição da ditadura para a democracia, há 33 anos, não se via um vendaval semelhante na política brasileira. A guinada promovida agora pelo eleitor foi maior do que aquela ocorrida em 2002, quando Lula se tornou presidente da República pela primeira vez.
O triunfo de Bolsonaro se deve menos às qualidades do novo presidente e mais aos defeitos do sistema político que ele confrontou. O sistema partidário apodreceu. Bolsonaro é o resultado desse apodrecimento. Em termos partidários, os dois maiores perdedores da temporada foram o PT e, subsidiariamente, o PSDB. Em termos pessoais, o maior derrotado foi Lula.
Ironicamente, Bolsonaro é um personagem do sistema que o eleitor escolheu para dar uma resposta antissistêmica. Sua vitória caiu sobre a estrutura partidária como uma lápide. Para ressuscitar, os partidos terão de se reinventar. Quanto a Bolsonaro, ele terá de oferecer resultados práticos rapdiamente. Do contrário, o pedaço do eleitorado que enxergou nele uma solução logo começará a vê-lo como uma espécie de São Jorge às avessas, capaz de abandonar o plano de salvar a donzela para se casar com o dragão.
O triunfo de Bolsonaro se deve menos às qualidades do novo presidente e mais aos defeitos do sistema político que ele confrontou. O sistema partidário apodreceu. Bolsonaro é o resultado desse apodrecimento. Em termos partidários, os dois maiores perdedores da temporada foram o PT e, subsidiariamente, o PSDB. Em termos pessoais, o maior derrotado foi Lula.
Ironicamente, Bolsonaro é um personagem do sistema que o eleitor escolheu para dar uma resposta antissistêmica. Sua vitória caiu sobre a estrutura partidária como uma lápide. Para ressuscitar, os partidos terão de se reinventar. Quanto a Bolsonaro, ele terá de oferecer resultados práticos rapdiamente. Do contrário, o pedaço do eleitorado que enxergou nele uma solução logo começará a vê-lo como uma espécie de São Jorge às avessas, capaz de abandonar o plano de salvar a donzela para se casar com o dragão.
Militares recomendam que Bolsonaro limpe a imagem do país no exterior
A estratégia de desmoralizar o país começou quando Lula da Silva passou a ser processado, depois que se comprovou que o então presidente havia criado o maior esquema de corrupção jamais implantado no mundo, com desmembramento para outros país.
O fato concreto é que Lula da Silva, como é chamado no exterior, ainda tem muito prestígio internacional, por ser o primeiro operário a ser eleito para presidir um país da importância do Brasil, que tem a quinta maior população e está entre as dez maiores economias do mundo. E Lula conseguiu se eleger e depois elegeu Dilma Rousseff, apesar de ter parca instrução e se orgulhar de jamais ter lido um livro.
O único caso com alguma semelhança foi de Lech Walesa na Polônia, mas trata-se de um profissional instruído e que teve sua eleição apoiada pelos Estados Unidos e por países europeus, num movimento coordenado para desestabilizar a União Soviética, com apoio do Papa João Paulo Segundo,
Como líder sindicalista, Lula teve apoio direto do regime militar brasileiro , sua prisão foi uma comédia encenada, jamais foi perseguido, e mesmo assim ganhou uma polpuda Bolsa Ditadura, que receberá até o fim dos seus dias.
Lula virou um fenômeno mundial. Sem jamais cultivar o hábito da leitura, tornou-se o político recordista mundial em títulos de Doutor Honoris Causa. Nunca se viu nada igual. Seu prestígio do exterior era – e ainda é – impressionante.
Montou o maior esquema de corrupção do mundo, já foi condenado, está preso, mas continua respeitado pelo mundo a fora, a ponto de o Comitê de Direitos Humanos da ONU ter determinado ao governo brasileiro que ele fosse libertado e tivesse liberada sua candidatura a presidente da República.
A campanha no exterior realmente deu certo. Os correspondentes estrangeiros, que moram a maioria no Rio, não entendem nada da política brasileira, são simpáticos a Lula e continuam a propagar a crença de que ele é “perseguido político” e sua prisão é injusta.
Agora é cinza
Há alguns anos, na campanha que levou um operário à Presidência, aprendeu-se que a esperança vencia o medo. Desta vez, se constatou que o medo se misturou à raiva e venceu a esperança, de roldão. Um medo fabricado por estratégias de demonizar a divergência. Palavras de ordem repetidas sem pensar, negando a realidade, impediram o exame dos fatos e a reflexão sobre eles. Não se discutiu programa nem se vislumbrou qualquer exame de consciência ou autocrítica. Ao longo do caminho, ficaram nomes respeitáveis, expelidos como inúteis em tempos de moralidade duvidosa, mentira e autoritarismo. Tempos de ouvidos tapados ao diálogo.
Agora, resta aos derrotados fazer oposição responsável, sem querer afundar o país, mas respeitando os limites institucionais, a Lava-Jato, a Ficha Limpa, os números e cuidando da qualidade da democracia tão esgarçada, enquanto se enfrentam os problemas imediatos, que são tantos.
Tempo de rescaldo, que agora é cinza. Com mais de 50 tons.
A verdade que nos libertaria
O elo de ligação entre os eleitores e cada membro desses conselhos é o endereço. Tanto os candidatos quanto os eleitores têm de ser moradores do bairro. O conselho eleito nomeará o diretor da escola e aprovará ou não os seus orçamentos anuais e os seus planos educacionais, de forma totalmente independente do estado e do grupo político que o estiver controlando no momento (e você sonhando com “escola sem partido”…).
Nos EUA esses conselhos têm ainda a prerrogativa de emitir títulos de dívida para fazer melhoramentos, comprar equipamentos, construir novos prédios ou mesmo contratar mais professores ou aumentar os salários deles. O estado só interefere para aumentar verbas das escolas das comunidades sem condições de bancar as próprias melhorias.
Seguindo uma norma de alcance nacional, a emissão de qualquer título de dívida pública tem de vir acompanhado de um projeto mostrando quanto dinheiro vai ser captado para fazer exatamente o quê, em quanto tempo e a que custo o titulo vai ser resgatado, quem e como vai pagar a operação. Normalmente a fórmula usada para pagar investimentos em escolas é adicionar um aumento temporário no imposto territorial do bairro (IPTU) servido por ela. Tudo definido, o projeto aparecerá na cédula da próxima eleição nacional ou municipal para um “sim” ou um “não” somente da comunidade afetada (controlado pelo endereço de cada eleitor).
O mesmo princípio aplica-se aos distritos eleitorais e às obras e serviços públicos municipais ou estaduais. No sistema de eleição distrital pura, divide-se o numero total de habitantes pelo número de representantes desejados para cada instância – câmaras de vereadores ou assembleias legislativas, por exemplo. A unidade contada é sempre o numero de habitantes e não o de eleitores porque é obrigatório que o distrito eleitoral tenha uma correspondência com um elemento físico que possa ser aferido. Como na média nacional a um determinado numero de individuos, habitações ou famílias corresponde um mesmo numero médio de eleitores, o que vale é o endereço. Um distrito eleitoral municipal será, portanto, uma soma de distritos escolares (bairros). Uma soma de distritos municipais dará um distrito estadual e uma soma de distritos estaduais dará um distrito nacional. Com 513 congressistas teriamos distritos de mais ou menos 400 mil habitantes neste Brasil de 207 milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435 deputados, cada distrito federal tem aproximadamente 700 mil habitantes. Todos esses distritos e subdistritos serão desenhados sobre o mapa do país e, uma vez feito isso, só poderão ser alterados com base no censo nacional, a cada 10 anos. Cada candidato a uma função pública – seja ao conselho diretor de uma escola, a uma câmara de vereadores, a uma assembléia legislativa ou ao congresso nacional – só poderá concorrer por um distrito eleitoral. E cada distrito eleitoral elegerá apenas um representante.
Assim, cada representante eleito saberá exatamente o nome e o endereço de cada um dos seus representados, e vice-versa. O congressista americano não é o representante do estado fulano, é o representante do distrito eleitoral numero tal. Não ha vices nem suplentes. Em caso de vacância será convocada uma eleição extraordinária somente naquele distrito para eleger o substituto.
Qualquer eleitor pode iniciar uma petição de retomada de mandato (recall) do seu representante. Cada bairro, cidade ou estado – as instâncias até onde vale esse recurso – estabelece o numero mínimo de assinaturas necessários para qualificar uma votação de retomada pelo distrito inteiro (em geral algo entre 5 e 10% dos eleitores de um distrito). O secretário de estado municipal ou estadual, funcionário que existe só para organizar essas “eleições especiais” que acontecem a toda hora, confere as assinaturas. O distrito então decide no voto, do orçamento da escola publica do bairro à construção de uma nova estrada no seu estado, a compra de mais carros da policia da sua cidade ou o salário dos seus funcionários. Tudo, sempre, votado e pago diretamente só pelos cidadãos afetados. Espaço zero para roubalheiras.
Juízes também. Ninguém é onipotente. A cada quatro anos o nome de cada um deles aparecerá na cédula da eleição na sua comarca com a pergunta. “O juiz fulano fica mais quatro anos”? “Sim” ou “não”.
Leis de inciativa popular cuidando desde casamento gay e uso de maconha ate leis penais ou proibição de aumento de impostos sem aprovação de quem vai paga-los, passam por esse mesmo processo. Coleta de assinaturas e qualificação seguida de subida à cédula da próxima eleição para aprovação direta.
Para a eleição de novembro agora, quase 180 questões de alcance estadual qualificaram-se para aparecer nas cédulas de todo o país. Milhares de outras de alcance municipal – leis, processos de retomadas de mandatos de conselheiros escolares e funcionários eleitos (todos os que têm função de fiscalização do governo ou contato direto com o publico), também estarão nelas. O povo, senhor absoluto e irrecorrível dos políticos, decide tudo no voto.
Assim, na próxima vez que você vir a sua eleição nacional ser apurada em duas horas, não fique todo orgulhoso. Você está sendo enganado. Isso que existe por aqui tem uma vaga semelhança com democracia, mas não é.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
Ao vencedor cabe a moderação
Muita gente haverá de se questionar como, afinal, chegamos aqui. Como sempre, foram as circunstâncias, invariavelmente muito mais decisivas que os atores. Como disse Barack Obama quando da eleição de Donald Trump, o fato é que ele (Trump e agora Bolsonaro) percebeu algo que passou ao largo da atenção dos demais candidatos e forças políticas.
Independente da qualidade do diagnóstico que faz ou da efetividade da terapia que propõe, Bolsonaro percebeu desde muito cedo a importância de questões como segurança pública, o repúdio dos setores mais conservadores a costumes e estilos de vida liberais e libertários; como também soube expressar a crítica mais radical ao petismo, seja em relação à economia seja no tocante à ética.
No momento em que seus partidários comemoram, pouco importa a justiça dessas críticas ou a justeza de independência e autonomia em relação a isso tudo. Como num jogo de futebol, o choro é livre, mas o fato é que o juiz não assinalou as faltas reclamadas e, agora, o jogo acabou e o campeão vestirá a faixa.
Para os que ficam surpresos ou decepcionados, nada há fazer a não ser fiscalizar diligentemente para que o próximo presidente e seus companheiros mantenham-se nos limites da lei e que tenham boa sorte e competência para resolver os graves problemas do país. Seria assim, do mesmo modo, caso Haddad fosse eleito. Democracia é assim.
Os desafios do novo residente não serão poucos. E o primeiro deles será amenizar sua imagem, reduzir medos e resistências; agir como presidente de todos os brasileiros. Sejam eles brancos ou negros, homens ou mulheres, hetero ou homossexuais, bolsonaristas ou petistas. Colocar-se acima dos conflitos que ele mesmo estimulou.
Sua obrigação maior e mais urgente é unificar a nação, não permitir que a arrogância da vitória ou a dor e o ressentimento da derrota fragmente ainda mais o estilhaçado tecido político e social. E que o faça com civilidade, nos limites da lei e do respeito à diversidade.
Seu desafio não será, portanto, apenas indicar o “Posto Ipiranga” para que governe em seu lugar. Paulo Guedes pouco poderá fazer sem o suporte da política, sem a confiança da nação. Nada é mais prejudicial à economia do que um ambiente personalista, cheio de incertezas. O que a economia quer são instituições críveis, eficientes e democráticas. Ao novo presidente caberá transmitir essa certeza.
E o primeiro passo será conter seus radicais — desafio de todo novo grupo que chega ao poder. Depois, esquecer o passado e evitar qualquer sentimento ou ação de desforra. O que se ganhou não foi a presidência ou o país, mas a responsabilidade de governa-lo, mantendo-o unido. Novamente, o mesmo serviria para Haddad.
O segundo desafio será estender a mão à oposição, compreendendo que fiscalizá-lo será seu papel e esperando que o faça de modo limpo, sem boicotes que prejudiquem o país. Para a oposição, vida que segue. No mais, construir a maioria parlamentar nos parâmetros e princípios prometidos durante a eleição: sem concessão fisiológica.
No calor da eleição isso tudo é muito difícil. Menos ainda a euforia inicial poderá comprometer o caminho que ainda será trilhado. Comedimento e moderação, qualidades que o novo presidente jamais demonstrou serão tão necessárias quanto o ar que se respira. O país não pode terminar asfixiado por suas diferenças e seus diferentes grupos.
Superadas as ressacas da vitória e da derrota, os próximos dias serão fundamentais para que se perceba a disposição de todos. Mas, o certo é que, se ao perdedor cabe a aceitação da derrota, ao vencedor cabe a grandeza de compreender a fragilidade de toda vitória.Carlos Melo
Uma virada à direita
Itamar, encontrei antes da posse, no Hotel Sheraton. Ele ainda não era o presidente, e eu tentava convencê-lo de que seria. Conheci Itamar desde a Rua Halfeld, a mesma onde Bolsonaro tomou a facada. Era um homem decente, tomava religiosamente uma sopinha ao entardecer. Ousou assinar o Plano Real.
Agora, sobe Jair Bolsonaro. Não foi uma rodada simples, dessas em que PT e PSDB se revezam. Foi mais ampla, como foi a de 64, só que agora sem Guerra Fria, num contexto democrático.
Senti a ascensão de Jair Bolsonaro. Impossível ignorá-la correndo o Brasil, observando as redes sociais. Quando levou a facada em Juiz de Fora, pensei: facada e tiro, quando não matam, elegem.
Se nossa cultura produziu essa certeza, isso quer dizer que a condenação da violência política tende a ser consensual. O presidente eleito deveria encarnar e expressar essa condenação. Não é um conselho, apenas uma leitura do Brasil. Os últimos dias de campanha foram ameaçadores. Prisão, desterro, banir da face da terra. Alta tensão. As universidades podem ser invadidas por ideias, não pela polícia.
O novo governo tem uma agenda brava, e só me resta usar esses meses de transição para estudar melhor e criticá-la com fundamento.
Outro campo de estudo se abre. A frase de Mano Brown — é preciso encontrar o povo — foi endereçada ao PT. Mas não vale também para o sistema partidário, a academia, a mídia, os especialistas? Como reconciliá-los com o homem comum?
Minha atitude com Bolsonaro será a que sempre adotei nos anos de convivência: respeito ao argumentar nos pontos divergentes e estímulo aos seus movimentos positivos. Alguns leitores condenam essa visão, sob o argumento de que normaliza a barbárie.
Mas se era assim com o deputado, por que não seria com o presidente, cujas ações mexem com nosso destino e com a imagem externa do Brasil?
Na minha visão de mundo, é impensável ofender os eleitores que escolheram outro caminho. O pressuposto é apostar na boa-fé da maioria do povo brasileiro.
Farei uma oposição sem truques ou medo, das que não visam ao poder. Apenas um desejo de ver o país retomando democraticamente os trilhos, um pouco também por filhos e netos.
A sensação de continuidade ao lado da poesia são os territórios em que desafiamos a morte.
Ganhar a eleição é difícil; derrotar forças poderosas, mais ainda. No entanto, as dificuldades começam mesmo quando se chega ao governo. As qualidades para ganhar a eleição são diferentes das que impulsionam o governo. Para vencer, é preciso falar a linguagem do povo.
O grande talento nesse campo nem sempre nos socorre, quando a necessidade impõe grande esforço intelectual para a tomada de decisões. Da mesma forma, o tom agressivo de campanha é o inverso da generosidade que se espera de um eleito.
Bolsonaro não é um raio em céu azul. O panorama político no Brasil mudou. Pensadores de direita surgiram no cenário. Jovens liberais, propagandistas religiosos ocuparam as redes.
As manifestações de 2013 colocaram na rua multidões com uma aspiração difusa de melhores serviços. As de 2015 afunilaram na denúncia da corrupção, impulsionaram a queda de Dilma.
Uma esquerda, sem élan para se reinventar ou base teórica para vislumbrar o horizonte, tornou-se uma presa fácil no debate de ideias.
Foi uma campanha da era digital. Hoje, todos falam, compartilham. Baixo nível? Talvez. Mais democrático? Sem dúvida. Foi também facada, fake news, acusações, brigas entre famílias, amigos, ansiedade, tentativas de suicídio — um psicodrama nacional.
Fiz tudo para manter a cabeça fria. É natural levar caneladas dos dois lados. Caneladas e balas perdidas são parte do jogo.
Outro dia, alguém escreveu sobre mim: se ficar como ele, peço aos amigos que me ajudem numa eutanásia. Não tenho por hábito contestar essas coisas da rede. Nesse caso, a resposta seria simples: obrigado por morrer em meu lugar. É uma gentileza nesses tempos sombrios.
É preciso viver um pouco mais para ver um país mais tranquilo, fraternal. Não sou ingênuo a ponto de imaginar esquerda e direita de mãos dadas. Não se trata de lirismo. As emoções da campanha ofuscaram um pouco a gravidade de nossos problemas.
Agora, voltamos à vida real.
domingo, 28 de outubro de 2018
Depois das urnas vamos aguardar projetos concretos de governo democrático
As urnas foram abertas na manhã de hoje e de seus resultados esperamos sobretudo uma afirmação totalmente clara voltada para a democracia, que aliás representa a síntese entre os contrários. O dia de hoje apresenta-se como uma nova alvorada da qual aguardamos projetos concretos e construtivos para o país e sua população. A sorte está lançada mais uma vez para o povo brasileiro atingido por tantos problemas simultâneos mas que não devem levar ao pessimismo e a intolerância.
O eleitorado está se manifestando em peso no dia de hoje e seu pensamento deve se voltar para o futuro, rejeitando-se o passado recente que atingiu em cheio a alma brasileira.
Encerrada a votação no crepúsculo deste domingo, passemos a alvorada já com os resultados das eleições no país. O tempo do voto antecede os programas e projetos concretos do governo federal e dos governos estaduais.
Disse projetos concretos, porque o que aconteceu nas últimas 72 horas foram acusações de parte a parte, sem que os candidatos acenassem à população com programas definidos previamente e sustentados pela realidade financeira. É muito fácil trocar acusações, mas difícil porém é concatenar a visão dos programas com a possibilidade de bases financeiras sólidas e lógicas.
Ninguém em sã consciência pode ser contrário à melhoria dos serviços de saúde, aos avanços na educação, nos propósitos de combater a violência, enfrentando redutos que especialmente no Rio de janeiro são ocupados pela bandidagem. Tudo bem. Ninguém poder ser contrário à melhoria de transporte, contra a recuperação dos salários diante da inflação apontada pelo IBGE. Da mesma forma não se pode ser contra a redução do endividamento do estado e o combate a sonegação de tributos refletidos na contabilidade de grande número de empresas. E o não recolhimento da parte dos empregadores para o INSS ilumina o desequilíbrio entre a arrecadação e os desembolsos do governo.
E assim fecham-se as cortinas de mais uma legislatura que termina no final de dezembro.
Surge uma nova preocupação com o futuro. Vamos respeitar o voto é claro e os limites que asseguram o espaço à democracia e a liberdade.
O eleitorado está se manifestando em peso no dia de hoje e seu pensamento deve se voltar para o futuro, rejeitando-se o passado recente que atingiu em cheio a alma brasileira.
Encerrada a votação no crepúsculo deste domingo, passemos a alvorada já com os resultados das eleições no país. O tempo do voto antecede os programas e projetos concretos do governo federal e dos governos estaduais.
Disse projetos concretos, porque o que aconteceu nas últimas 72 horas foram acusações de parte a parte, sem que os candidatos acenassem à população com programas definidos previamente e sustentados pela realidade financeira. É muito fácil trocar acusações, mas difícil porém é concatenar a visão dos programas com a possibilidade de bases financeiras sólidas e lógicas.
Ninguém em sã consciência pode ser contrário à melhoria dos serviços de saúde, aos avanços na educação, nos propósitos de combater a violência, enfrentando redutos que especialmente no Rio de janeiro são ocupados pela bandidagem. Tudo bem. Ninguém poder ser contrário à melhoria de transporte, contra a recuperação dos salários diante da inflação apontada pelo IBGE. Da mesma forma não se pode ser contra a redução do endividamento do estado e o combate a sonegação de tributos refletidos na contabilidade de grande número de empresas. E o não recolhimento da parte dos empregadores para o INSS ilumina o desequilíbrio entre a arrecadação e os desembolsos do governo.
E assim fecham-se as cortinas de mais uma legislatura que termina no final de dezembro.
Surge uma nova preocupação com o futuro. Vamos respeitar o voto é claro e os limites que asseguram o espaço à democracia e a liberdade.
Reconhecer os fatos deve ser o primeiro ato do eleito
Confirmada a vitória, o primeiro desafio para o presidente eleito será reconhecer os fatos e repensar seu plano de governo e suas promessas. Sem isso, o choque de realidade poderá ser devastador. Os caminhos indicados pelos dois candidatos estão cheios de minas, algumas com alto poder explosivo. O Brasil estará muito mais seguro se o vencedor engavetar seus papéis, pelo menos por algum tempo, e pedir ajuda a quem tem estudado assuntos vitais para o futuro do País, como a política educacional, a produção de tecnologia, a modernização dos tributos, a reforma da Previdência, a integração global e a gestão do ambiente. A contribuição do PT em todas essas áreas foi próxima de zero, negativa em vários aspectos, e nada melhor que isso apareceu no programa do candidato Fernando Haddad. O candidato Jair Bolsonaro pelo menos admitiu a existência de alguns problemas graves, como a dívida pública muito alta e o desajuste da Previdência. Mas sua campanha foi assustadora em alguns momentos - por exemplo, quando reduziu o debate sobre a questão educacional a um indigente discurso ideológico.
Educação é componente fundamental da vida econômica. Pode-se discutir a política educacional a partir de vários ângulos, mas seria tolice negligenciar sua relevância para a produção, a competitividade e a criação de empregos. Só um dos candidatos, o tucano Geraldo Alckmin, apontou de forma clara e enfática a importância de considerar os padrões globais.
Ele incluiu entre as metas a melhora do desempenho brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre representantes de 70 países, os brasileiros têm ficado perto da 60.ª posição nas provas de linguagem, matemática e ciências.
Durante a longa gestão petista a educação fundamental nunca foi prioritária. O grande objetivo, com retorno eleitoral muito mais seguro, foi sempre facilitar o acesso a faculdades. Uma pesquisa recente apontou a existência de 38 milhões de analfabetos funcionais. É fácil entender a escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, assim como os baixos níveis de produtividade e competitividade.
Poder de competição depende também de outros fatores, assim como a capacidade de geração de empregos. Infraestrutura decente, sistema tributário adequado, financiamento farto e barato, segurança jurídica e burocracia sem grandes entraves são componentes importantes desse conjunto. Nada disso é possível sem orçamento flexível, administração pública eficiente e contas oficiais em ordem. Nenhum desses pontos ficou claro nos programas dos candidatos.
Infraestrutura decente depende de cooperação entre os setores público e privado e, em certos casos, da capacidade de investimento do governo. Aumentar o investimento governamental é uma fantasia, quando o déficit nominal do setor publico é próximo de 7,5% do produto interno bruto (PIB).
Para mudar esse quadro será preciso gerar superávit primário, isto é, uma sobra para liquidar a conta de juros. Sem isso, o déficit nominal continuará elevado e a dívida pública, já próxima de 80% do PIB, seguirá crescendo. Para refinanciar todo ano uma dívida desse tamanho o Tesouro toma um enorme volume de empréstimos no mercado financeiro, concorrendo de forma desigual com as empresas. Nessa situação, os juros nunca serão tão baixos quanto nos países mais bem administrados e com melhor nota de crédito soberano.
Os petistas parecem nunca haver entendido esses fatos e continuaram falando sobre os juros como se dependessem de uma ordem do presidente. No governo da presidente Dilma Rousseff, a contenção política dos juros acabou resultando em explosão de preços. A assessoria de Jair Bolsonaro entende esses fatos, mas sua proposta de ajuste das contas públicas permanece obscura.
Privatizações podem tornar o governo mais ágil e a economia mais eficiente, mas são insuficientes para arrumar a dívida pública. O dinheiro arrecadado com as vendas pode reduzir o passivo, mas o endividamento voltará a crescer se o dia a dia continuar desequilibrado. O conserto das contas dependerá de outros fatores, com destaque para a reforma da Previdência. Uma das ideias do candidato Bolsonaro é implantar logo o regime de capitalização - um lance muito arriscado, segundo vários analistas.
Um governante sério estimulará contatos de sua equipe com especialistas conhecidos e respeitados, como Paulo Tafner, autor de uma complexa e cuidadosa proposta de reforma, e Fabio Giambiagi, veterano estudioso dos problemas da Previdência.
Em relação à reforma tributária, a referência mais óbvia, pelo menos para quem acompanha regularmente esses debates, é a proposta apresentada pelo economista Bernard Appy. Há, naturalmente, outros especialistas preparados para acrescentar detalhes interessantes. O sistema tributário é claramente desatualizado. Além de regressivo, é pouco funcional, por incidir pesadamente sobre a produção e sobre o investimento e reduzir o poder de competição internacional.
As mudanças defendidas pelos candidatos têm muita pirotecnia e pouca avaliação prática. Um lado valoriza a simplificação dos tributos. O outro, a justiça. Mas nenhum dos dois desenhos passou pelo exame crítico dos efeitos sobre as contas públicas e a economia.
Quanto à diplomacia, um lado propõe a continuação do fracassado e custoso terceiro-mundismo petista, com laivos bolivarianos. O outro se inspira no trumpismo. Uma das figuras próximas do candidato Bolsonaro falou em abandono do Acordo de Paris sobre o clima. Conselheiros desse tipo comprometem qualquer governo.
Nenhum país precisa de um imitador de Trump ou de uma encarnação mediúnica de Lula, o presidiário ligado à maior pilhagem realizada contra o Estado brasileiro. Pensar nesses dados será um bom começo para o eleito, seja quem for.
Educação é componente fundamental da vida econômica. Pode-se discutir a política educacional a partir de vários ângulos, mas seria tolice negligenciar sua relevância para a produção, a competitividade e a criação de empregos. Só um dos candidatos, o tucano Geraldo Alckmin, apontou de forma clara e enfática a importância de considerar os padrões globais.
Ele incluiu entre as metas a melhora do desempenho brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre representantes de 70 países, os brasileiros têm ficado perto da 60.ª posição nas provas de linguagem, matemática e ciências.
Durante a longa gestão petista a educação fundamental nunca foi prioritária. O grande objetivo, com retorno eleitoral muito mais seguro, foi sempre facilitar o acesso a faculdades. Uma pesquisa recente apontou a existência de 38 milhões de analfabetos funcionais. É fácil entender a escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, assim como os baixos níveis de produtividade e competitividade.
Poder de competição depende também de outros fatores, assim como a capacidade de geração de empregos. Infraestrutura decente, sistema tributário adequado, financiamento farto e barato, segurança jurídica e burocracia sem grandes entraves são componentes importantes desse conjunto. Nada disso é possível sem orçamento flexível, administração pública eficiente e contas oficiais em ordem. Nenhum desses pontos ficou claro nos programas dos candidatos.
Infraestrutura decente depende de cooperação entre os setores público e privado e, em certos casos, da capacidade de investimento do governo. Aumentar o investimento governamental é uma fantasia, quando o déficit nominal do setor publico é próximo de 7,5% do produto interno bruto (PIB).
Para mudar esse quadro será preciso gerar superávit primário, isto é, uma sobra para liquidar a conta de juros. Sem isso, o déficit nominal continuará elevado e a dívida pública, já próxima de 80% do PIB, seguirá crescendo. Para refinanciar todo ano uma dívida desse tamanho o Tesouro toma um enorme volume de empréstimos no mercado financeiro, concorrendo de forma desigual com as empresas. Nessa situação, os juros nunca serão tão baixos quanto nos países mais bem administrados e com melhor nota de crédito soberano.
Os petistas parecem nunca haver entendido esses fatos e continuaram falando sobre os juros como se dependessem de uma ordem do presidente. No governo da presidente Dilma Rousseff, a contenção política dos juros acabou resultando em explosão de preços. A assessoria de Jair Bolsonaro entende esses fatos, mas sua proposta de ajuste das contas públicas permanece obscura.
Privatizações podem tornar o governo mais ágil e a economia mais eficiente, mas são insuficientes para arrumar a dívida pública. O dinheiro arrecadado com as vendas pode reduzir o passivo, mas o endividamento voltará a crescer se o dia a dia continuar desequilibrado. O conserto das contas dependerá de outros fatores, com destaque para a reforma da Previdência. Uma das ideias do candidato Bolsonaro é implantar logo o regime de capitalização - um lance muito arriscado, segundo vários analistas.
Um governante sério estimulará contatos de sua equipe com especialistas conhecidos e respeitados, como Paulo Tafner, autor de uma complexa e cuidadosa proposta de reforma, e Fabio Giambiagi, veterano estudioso dos problemas da Previdência.
Em relação à reforma tributária, a referência mais óbvia, pelo menos para quem acompanha regularmente esses debates, é a proposta apresentada pelo economista Bernard Appy. Há, naturalmente, outros especialistas preparados para acrescentar detalhes interessantes. O sistema tributário é claramente desatualizado. Além de regressivo, é pouco funcional, por incidir pesadamente sobre a produção e sobre o investimento e reduzir o poder de competição internacional.
As mudanças defendidas pelos candidatos têm muita pirotecnia e pouca avaliação prática. Um lado valoriza a simplificação dos tributos. O outro, a justiça. Mas nenhum dos dois desenhos passou pelo exame crítico dos efeitos sobre as contas públicas e a economia.
Quanto à diplomacia, um lado propõe a continuação do fracassado e custoso terceiro-mundismo petista, com laivos bolivarianos. O outro se inspira no trumpismo. Uma das figuras próximas do candidato Bolsonaro falou em abandono do Acordo de Paris sobre o clima. Conselheiros desse tipo comprometem qualquer governo.
Nenhum país precisa de um imitador de Trump ou de uma encarnação mediúnica de Lula, o presidiário ligado à maior pilhagem realizada contra o Estado brasileiro. Pensar nesses dados será um bom começo para o eleito, seja quem for.
Propaganda eleitoral
Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extrachapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.
A minha fé de ofício é de primeira.
Vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes…que ficar calado.
Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal, representante,
agora aspiro a ser como escrivão;
e, eleito, espero, mas que maravilha!
ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não…
candidato extrachapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.
A minha fé de ofício é de primeira.
Vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes…que ficar calado.
Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal, representante,
agora aspiro a ser como escrivão;
e, eleito, espero, mas que maravilha!
ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não…
Belmiro Braga
A maré da direita
No início, era o antipetismo. Essa coisa meio amorfa. Tomou a rua. Fiquei surpreso com o tamanho da onda.
No domingo passado, o capitão falou. À la Trump, disse um monte de impropérios. Condenou a diferença e prometeu destruir os opositores.
Não falou nada muito diferente do que muito radical petista fala em convenção do partido.
Mas há conteúdo positivo, propositivo, no voto para o tenente que se aposentou como capitão.
Há uma genuína agenda conservadora em gestação. Reforço do direito de propriedade com a criminalização das invasões —seja de imóveis urbanos ou propriedade rural—, empregadas como mecanismo de pressão contra nossas desigualdades históricas.
Redução do gasto público com as organizações não governamentais e, penso eu, corte em benefícios da Lei Rouanet. Provavelmente cobrança de mensalidade para universidades públicas de quem pode pagar.
Recrudescimento das penas para crimes, flexibilização da maioridade penal, maior liberalidade no porte de armas e elevação das garantias de proteção à atuação das polícias no engajamento com criminosos.
Total reforço à Lava Jato. Possivelmente serão retomadas as Dez Medidas Contra a Corrupção do Ministério Público.
Aparentemente, esse será o governo de direita por aqui. Dado que, para os petistas, FHC era neoliberal e centro-direita, faltarão graus no transferidor do espectro político para posicionar Bolsonaro.
Os intelectuais, artistas e tantos outros terão que aprender que há legitimidade nessas pautas da direita. Elas serão tratadas no Congresso Nacional, e o STF, como instância contramajoritária, vai se pronunciar e terá poder de veto sempre que novas legislações ferirem disposições constitucionais.
A fala do tenente aposentado como capitão, porém, nada disse sobre como ele pretende tapar o buraco fiscal de R$ 300 bilhões.
Se Bolsonaro tiver sabedoria, tocará a agenda econômica o mais rapidamente que puder.
Tapar o buraco fiscal é tarefa do Congresso. No entanto, a tão alardeada renovação foi qualitativamente muito ruim. Diversos parlamentares que conheciam a natureza do problema e as entranhas do sistema político não foram reeleitos.
Não poderemos contar com a experiência desses e teremos de lidar com uma leva de novos atores que deverão se adaptar ao seu novo ambiente e destrinchar seus mecanismos de funcionamento, em um momento em que não há tempo.
Sim, o presidente que for eleito terá que propor, coordenar e liderar as ações, mas o desenho final do ajuste fiscal será construído invariavelmente pelo Congresso.
O risco é Bolsonaro inverter as pautas. Em um afã de agradar a seu eleitor, tocar a pauta da segurança e dos direitos de propriedade antes da pauta econômica. A segurança não vivenciará uma melhora repentina, o crescimento não virá a tempo, o país não sairá do imobilismo e, inevitável, a popularidade cairá. Simultaneamente, terá que administrar inúmeros conflitos com o Supremo nessas pautas.
Há histeria no ar com a possibilidade de um golpe clássico ou com a deterioração da democracia com Bolsonaro.
Não sei se a histeria é sincera ou segue de certa dificuldade da esquerda em conviver com pautas democraticamente escolhidas que sejam frontalmente contrárias aos seus pontos de vista.
A política está funcionando. Quando e se a democracia estiver em risco, iremos para as ruas. Hoje é o momento da política.
Samuel Pessôa
No domingo passado, o capitão falou. À la Trump, disse um monte de impropérios. Condenou a diferença e prometeu destruir os opositores.
Não falou nada muito diferente do que muito radical petista fala em convenção do partido.
Mas há conteúdo positivo, propositivo, no voto para o tenente que se aposentou como capitão.
Há uma genuína agenda conservadora em gestação. Reforço do direito de propriedade com a criminalização das invasões —seja de imóveis urbanos ou propriedade rural—, empregadas como mecanismo de pressão contra nossas desigualdades históricas.
Redução do gasto público com as organizações não governamentais e, penso eu, corte em benefícios da Lei Rouanet. Provavelmente cobrança de mensalidade para universidades públicas de quem pode pagar.
Recrudescimento das penas para crimes, flexibilização da maioridade penal, maior liberalidade no porte de armas e elevação das garantias de proteção à atuação das polícias no engajamento com criminosos.
Total reforço à Lava Jato. Possivelmente serão retomadas as Dez Medidas Contra a Corrupção do Ministério Público.
Aparentemente, esse será o governo de direita por aqui. Dado que, para os petistas, FHC era neoliberal e centro-direita, faltarão graus no transferidor do espectro político para posicionar Bolsonaro.
Os intelectuais, artistas e tantos outros terão que aprender que há legitimidade nessas pautas da direita. Elas serão tratadas no Congresso Nacional, e o STF, como instância contramajoritária, vai se pronunciar e terá poder de veto sempre que novas legislações ferirem disposições constitucionais.
A fala do tenente aposentado como capitão, porém, nada disse sobre como ele pretende tapar o buraco fiscal de R$ 300 bilhões.
Se Bolsonaro tiver sabedoria, tocará a agenda econômica o mais rapidamente que puder.
Tapar o buraco fiscal é tarefa do Congresso. No entanto, a tão alardeada renovação foi qualitativamente muito ruim. Diversos parlamentares que conheciam a natureza do problema e as entranhas do sistema político não foram reeleitos.
Não poderemos contar com a experiência desses e teremos de lidar com uma leva de novos atores que deverão se adaptar ao seu novo ambiente e destrinchar seus mecanismos de funcionamento, em um momento em que não há tempo.
Sim, o presidente que for eleito terá que propor, coordenar e liderar as ações, mas o desenho final do ajuste fiscal será construído invariavelmente pelo Congresso.
O risco é Bolsonaro inverter as pautas. Em um afã de agradar a seu eleitor, tocar a pauta da segurança e dos direitos de propriedade antes da pauta econômica. A segurança não vivenciará uma melhora repentina, o crescimento não virá a tempo, o país não sairá do imobilismo e, inevitável, a popularidade cairá. Simultaneamente, terá que administrar inúmeros conflitos com o Supremo nessas pautas.
Há histeria no ar com a possibilidade de um golpe clássico ou com a deterioração da democracia com Bolsonaro.
Não sei se a histeria é sincera ou segue de certa dificuldade da esquerda em conviver com pautas democraticamente escolhidas que sejam frontalmente contrárias aos seus pontos de vista.
A política está funcionando. Quando e se a democracia estiver em risco, iremos para as ruas. Hoje é o momento da política.
Samuel Pessôa
O brasileiro tranquilo
Antes de tudo, o que mais o espantou foi a intensa humanidade brasileira, a doçura da gente dentro de uma perfeita desorganização, a unanimidade do afeto nacional ao meio de condições de vida precárias ou hostis. Dois brasileiros que se desconheciam constituem sempre uma hipótese de íntima amizade depois de dez ou cinco minutos de conversa, sem que seja necessária a formalidade da apresentação. Nada mais violentamente anti-europeu do que isso.
Um silogismo de Otto —e esse ele já sustentava para os boquiabertos belgas— é que a cultura é apenas a arte da convivência. Ninguém convive com mais suavidade do que o brasileiro.
Logo, o povo brasileiro é muito culto. Outra tese sua é a de que somos, ao contrário do que espalham por aí, um povo altamente disciplinado, estribando essa convicção no argumento de que povo nenhum do mundo aturaria com tamanha paciência os dolorosos contratempos de uma cidade como o Rio de Janeiro, notadamente o tráfego diabólico. O carioca já devia estar louco ou ter explodido em virtude do enervamento cotidiano; só a vocação da disciplina impede essa catástrofe mental coletiva. Outro raciocínio seu: tendo-se em conta que a Alemanha é um país dotado de todos os recursos para facilitar a disciplina, e no Brasil, pelo contrário, nada existindo para permitir um mínimo de disciplina, o brasileiro é incomparavelmente mais disciplinado do que o alemão. Na Alemanha, tudo funciona, não sendo vantagem a disciplina; no Brasil, nada funciona, revelando-se mais forte portanto a nossa disciplina instintiva. Para dar-me dois exemplos da fantástica capacidade brasileira de organizar-se para a desorganização, Otto apelou para a eloquência do senso comum, conseguindo transfigurar banalidades que todos sabemos. O Rio, me disse, é uma cidade que dispõe, como qualquer outra metrópole, de todas as complexas e dispendiosas instalações para o fornecimento de água à população, nascentes canalizadas em distâncias imensas, estações elevatórias, enormes reservatórios para tratamento, vasta rede subterrânea para a distribuição, hidrômetros, além de pias, tanques, banheiros e chuveiros para a devida utilização da água, representando uma fortuna em investimentos e manutenção. Tudo perfeito, tudo a provar a capacidade civilizadora do homem tropical, faltando exclusivamente um detalhe: a água.
Outro exemplo: o Departamento de Correios e Telégrafos tem de fato uma engrenagem fabulosa, sobretudo tendo-se em vista a nossa imensidade territorial, de índice demográfico rarefeito. Com todos os seus setores modernizados, cobrindo uma superfície de oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados, um número fantástico de funcionários, equipamentos os mais diversos, trens sulcando os vales e as montanhas, atravessando lonjuras desabitadas, enxames de aviões cortando velozmente todo o país, camionetas carreando a correspondência nos centros urbanos, carteiros prestimosos a carregar os seus fardos como diligentes formigas, o Departamento de Correios constitui, sem dúvida nenhuma, um inestimável esforço administrativo, um serviço público extraordinário, ao qual só podemos imputar um único e pequeno descuido: a carta não chega ao destinatário.
Nada se resolve no Brasil, afirma Otto, mas sem qualquer irrisão ou pessimismo. Para que resolver? Muito melhor do que a solução é a profunda compreensão que todos demonstram pelos nossos problemas, notadamente nos locais encarregados de resolvê-los. Você tem um processo qualquer em uma repartição pública; o mesmo não será resolvido, pelo menos em tempo hábil. Mas que grande e grata simpatia todos ali manifestam pelo seu caso! Que criaturas compreensivas e humanas aqueles funcionários que não despacham o seu processo! Do chefe de seção ao servente, todos estão prontos a prestar-lhe qualquer obséquio pessoal, exceto, naturalmente, a solução (impraticável) do processo.
O processo entre nós não existe para ser resolvido, mas para ser compreendido em toda a dimensão de seu conteúdo humano. Tanto maior o desajustamento humano causado pela insolubilidade do processo, mais intensa a solidariedade. Que admiráveis sentimentos humanos, por exemplo, desperta a pobre viúva que há sete, oito, doze meses vem se esforçando para receber seu montepio! Falta apenas um atestado, um papel, uma assinatura, às vezes nem falta nada, apenas um milagre. Mas que beleza o apoio moral com que todos confortam a velhinha! Que criatura de alma delicada o brasileiro!
Outro caráter nacional que muito impressiona o meu amigo é o poder de vincular pessoalmente as mais impessoais relações. Um motorista de táxi que lhe pediu o dobro da corrida justificou-se, contando-lhe em poucos minutos sua vida atribulada. Garante Otto que até os ladrões e assaltantes do Brasil roubam pensando menos no dinheiro, e sim porque não foram com a cara do sujeito.
Tendo também procurado alto funcionário da alfândega, que nunca vira mais gordo, verificou que este nada podia garantir-lhe quanto à liberação da bagagem antes de dois ou três meses, no mínimo. Claro que muita coisa se estragará dentro desse prazo. E daí? Como compensação a seus prejuízos materiais, o servidor público estabeleceu imediatamente com o contribuinte (Otto) uma camaradagem imediata e esfuziante, quase impossível de ser encontrada na Europa, mesmo entre velhos amigos. Esse bom servidor (mais da alma pública do que da coisa pública), sentando em cima da mesa do gabinete, serviu-lhe vários cafezinhos, mandou buscar dois picolés no sorveteiro da esquina, contou-lhe anedotas picantes e aflições domésticas, bateu-lhe amigavelmente na perna e no ombro, pediu-lhe que aparecesse de vez em quando para um papo, prontificou-se a emprestar-lhe uma lancha-automóvel aos domingos, desdobrou-se enfim em gestos, não friamente cordiais, mas sincera e profundamente afetivos. E Otto arremata:
- Se naquele momento um inglês entrasse no gabinete e nos visse nesse perfeito entendimento, cairia em estado lírico, a dizer para si mesmo: Que coisa bela é uma amizade de infância!
Paulo Mendes Campos, "O mais estranho dos países"
Gastando-se para nada
Enquanto nos enfrentamos e gastamos tanta energia, existe a ameaça do aquecimento global, comprovada pela maioria dos dados e 99,9% da comunidade científica.Nada disso é importante se estivermos mortos e nossas cidades no fundo do oceano. O aquecimento global deveria ser prioridade para qualquer político capaz de olhar além da próxima eleição. Mas, infelizmente, estes são poucosGeorge R.R. Martin
O fim e o princípio
Alívio geral: aquela avalanche de mensagens em favor do Coiso e do Poste cessa hoje. Mas não fiquem felizes: em dois dias, no máximo, vem a choradeira do perdedor. E, em 1º de janeiro, encerrada a fase da choradeira, começa a tarefa de botar nosso país em ordem. Como está não pode ficar.
Formar o Governo não é problema: há o Centrão para oferecer seus gentis préstimos à governabilidade. Mas qualquer proposta irá sofrer com a torrente de paixão que tomou conta do Brasil. Imagine um eleitor do Poste aceitar uma decisão do Coiso, ou vice-versa! E nenhum dos candidatos tem o perfil conciliador que ajudaria a normalizar as relações do Governo com a oposição.
Qualquer que seja o vencedor, enfrentará tarefa dupla: fazer com que as coisas funcionem, o que já é trabalho suficiente; e enfrentar a oposição. Quase metade dos eleitores estará na oposição. Por mais que pareça surpreendente, tanto os seguidores do Coiso como do Poste os adotaram como ídolos. Não é preferência eleitoral, é paixão pelos candidatos. A dor de cotovelo pela derrota vira oposição sistemática. Soy contra, e pronto.
Formar o Governo não é problema: há o Centrão para oferecer seus gentis préstimos à governabilidade. Mas qualquer proposta irá sofrer com a torrente de paixão que tomou conta do Brasil. Imagine um eleitor do Poste aceitar uma decisão do Coiso, ou vice-versa! E nenhum dos candidatos tem o perfil conciliador que ajudaria a normalizar as relações do Governo com a oposição.
Ambos até podem dizer que seu objetivo é a paz, mas não dá: o Coiso, quando se distrai, o que menos mostra é vontade de conciliar. E o Poste, além de buscar instruções em Curitiba com seu chefe ressentido, já foi capaz de defender em livro o trabalho escravo, desde que promovido por países socialistas. Ideologia pura. E guerra ao adversário o tempo todo.
2018 impõe ao PT desafio de preparar o pós-Lula
Preso, Lula festejou neste sábado, pela segunda vez, seu aniversário de 73 anos. Com mais de 12 anos de cadeia nas costas, está na bica de colecionar uma segunda sentença criminal, dessa vez no caso do sítio de Atibaia. Na sucessão de 2022, sua veneranda figura acumulará uma existência de 77 primaveras. E continuará inelegível. Lula tornou-se um líder político com um enorme passado pela frente.
Ainda marcado pelas escoriações das cotoveladas que recebeu de Lula no primeiro turno, Ciro Gomes lançou neste sábado uma dupla candidatura. Disputará com o petismo a liderança da oposição: “O que precisa para o Brasil a partir de segunda-feira é que a gente construa um grande movimento que proteja a democracia e a sociedade mais pobre”.
De resto, Ciro antecipa 2022, oferecendo-se desde logo como “um caminho em que a população brasileira amanhã possa ter uma referência para enfrentar os dias terríveis que estão se aproximando.” Haddad poderia fazer o mesmo. Mas os votos que receberá não lhe pertencem. Uma parte veio da herança de Lula. Outra, da rejeição a Bolsonaro. De resto, a maioria do petismo quer desligar Haddad da tomada, não convertê-lo em líder de seja lá o que for.
O PT vem perdendo espaço na preferência do eleitorado desde 2010, na eleição de Dilma Rousseff. Lula prevaleceu em 2002 e 2006 com 61% dos votos válidos. Em 2010, Dilma foi enviada ao Planalto com 56%. Em 2014, já com o semblante de ex-gerentona, Dilma passou raspando na trave, com 52%. No Datafolha deste sábado, Haddad somou 45% dos votos válidos. Se sair das urnas desse tamanho, o PT retornará a 1989, quando Lula obteve 47% dos votos válidos, perdendo para Fernando Collor, com 53%.
Está entendido que o eleitorado cobra do PT, em prestações, a fatura dos mensalões, dos petrolões e da gestão empregocida de Dilma. Tudo tem vinculação direta com Lula. Os escândalos têm raízes fincadas nos seus dois mandatos. É de sua autoria a lenda segundo a qual Dilma seria uma supergerente. Vem daí o fato de que o lulismo que empurrou Haddad para o segundo turno tornou-se menor do que o antipetistmo que deve levar Bolsonaro ao Planalto.
Na sua primeira manifestação depois que Sergio Moro o condenou no caso do Tríplex, Lula declarou: “Se alguém pensa que com essa sentença me tirou do jogo, podem saber que eu estou no jogo. Até agora, eu não tinha reivindicado, mas agora eu reivindico do meu partido o direito de ser candidato a presidente.”
O PT sujeitou-se gostosamente à penitência. Por uma razão muito simples: faltava ao partido uma alternativa. Lula não permitiu que ela surgisse. O socialismo petista é movido por uma fé de inspiração cristã. O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. O partido se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moral, que não deve contas a ninguém.
Em abril, quando teve a prisão decretada, Lula refugiou-se no bunker do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Antes de se entregar à Polícia Federal, fez um comício. Mandou um recado para dentro do partido: “Se alguém quiser ganhar de mim no PT, só tem um jeito: é trabalhar mais do que eu e gostar do povo mais do que eu, porque se não gostar, não vai ganhar”.
Na sequência, Lula falou para a plateia de fora do PT. Disse à multidão que a prisão não iria silenciá-lo: “Eles têm que saber que vocês são até mais inteligentes do que eu. E poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas que tanto vocês queiram, fazer ocupações no campo e na cidade…” A revolta social revelou-se uma ficção.
Na prática, o palavreado radioativo teve consequências deletérias no campo jurídico e na seara política. Juridicamente, o timbre de Lula reforçou uma linha de confronto que o transformou num colecionador de derrotas nos tribunais. Politicamente, o veneno condenou o PT a reviver uma realidade da época em que fazia campanhas com o objetivo de converter os convertidos.
As urnas estão prestes a revelar que a multiplicação do amor dos devotos petistas por Lula não trará de volta os votos da classe média. O pedaço conservador do eleitorado, que acreditou na Carta aos Brasileiros —aquele documento em que Lula renegou o receituário radical que o impedia de chegar à Presidência da República— tomou-se de ojeriza pela estrela vermelha.
Aos pooquinhos, o Lula mitológico, fruto de uma construção político-religiosa, vai virando um personagem de carne e osso. Perde a aura de vítima. Vira um político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. O PT não tem como se livrar de Lula. Nem seria o caso, pois a legenda perderia sua própria alma. Mas é preciso abrir espaço para que outras palmeiras cresçam no gramado. De novo: não se trata de opção, mas de fatalidade.
sábado, 27 de outubro de 2018
Uma eleição singular
Esta é uma eleição marcada por anomalias – e a principal é a de não ser auditável. Não é pouca coisa – e resume o resto.
Uma eleição cujo resultado pode ser posto em dúvida pelo eleitor fragiliza a democracia. E esse desserviço foi prestado, de forma unilateral e despropositada, pelo Judiciário: TSE e STF.
A resistência ao voto impresso, como adicional ao eletrônico, aprovado por ampla maioria no Congresso, dá lastro a todas as suspeições, já em curso – sobretudo porque não precisava ser assim.
Todo o ambiente de teoria da conspiração vigente decorre dessa atitude do Judiciário. Se as urnas são confiáveis, em quê o voto impresso as comprometeria? Apenas chancelaria esse pressuposto.
A princípio, o TSE, então presidido por Gilmar Mendes, alegou razões financeiras. As impressoras custariam R$ 2 bilhões. O jurista Modesto Carvalhosa fez amplo levantamento de preços no mercado e chegou a valor bem menor: R$ 200 milhões. E ficou por isso.
Por fim, na mais inusitada das decisões, o STF, provocado pela PGR, concluiu que se tratava de inconstitucionalidade, mesmo a Constituição não descendo ao varejo da forma de votação.
A expectativa, amplamente chancelada pelas pesquisas – e já prenunciada nos números do primeiro turno –, é de que Jair Bolsonaro saia vitorioso por significativa margem de votos. Mas é uma expectativa pontuada por tensões e rumores de toda ordem.
O temor de fraude é generalizado – e não é despropositado. Numerosos especialistas o atestam. Ainda que as urnas sejam perfeitas como o dizem seus defensores, o simples fato de isso não ser demonstrável justifica o temor. O TSE, sem meios de desfazê-lo, se empenha em reprimi-lo. Chegou mesmo a retirar do ar manifestação nesse sentido do candidato Bolsonaro.
A manifestação foi censurada, mas o temor é incensurável e pode gerar turbulências no pós-eleitoral.
Outra anomalia foi o ambiente de insultos que marcou a campanha; entre outras coisas, produziu um atentado a faca ao candidato Bolsonaro, por parte de um militante de esquerda.
Tão chocante quanto a agressão foi a tentativa de banalizá-la – não apenas pelos concorrentes, mas também por parte da grande mídia, que se limitou a divulgar boletins médicos e não cobrar das autoridades competentes investigações e providências.
O cerco moral que a esquerda impôs a Bolsonaro passou ao largo da discussão de propostas, concentrando-se nos insultos. Acusou-o obstinadamente de nazista, não obstante o apoio que lhe hipoteca o Estado de Israel, ao qual não se cansa de elogiar.
A lógica do insulto prescinde da lógica da história; nazista apoiado por Israel é algo tão absurdo quanto um quadrado redondo.
O projeto Bolsonaro é pontuado de incertezas e apoiado por uma frente sem unidade doutrinária. Formou-se e consolidou-se na aversão ao petismo, cujo projeto rejeita não por desconhecê-lo, mas exatamente pelo contrário: por conhecê-lo até demais.
A maioria parece mais segura em apostar em um caminho a ser construído, que em outro que já levou à destruição.
Ruy Fabiano
Uma eleição cujo resultado pode ser posto em dúvida pelo eleitor fragiliza a democracia. E esse desserviço foi prestado, de forma unilateral e despropositada, pelo Judiciário: TSE e STF.
A resistência ao voto impresso, como adicional ao eletrônico, aprovado por ampla maioria no Congresso, dá lastro a todas as suspeições, já em curso – sobretudo porque não precisava ser assim.
Todo o ambiente de teoria da conspiração vigente decorre dessa atitude do Judiciário. Se as urnas são confiáveis, em quê o voto impresso as comprometeria? Apenas chancelaria esse pressuposto.
A princípio, o TSE, então presidido por Gilmar Mendes, alegou razões financeiras. As impressoras custariam R$ 2 bilhões. O jurista Modesto Carvalhosa fez amplo levantamento de preços no mercado e chegou a valor bem menor: R$ 200 milhões. E ficou por isso.
Por fim, na mais inusitada das decisões, o STF, provocado pela PGR, concluiu que se tratava de inconstitucionalidade, mesmo a Constituição não descendo ao varejo da forma de votação.
O resultado é o ambiente de temor e perplexidade, de consequências imprevisíveis, cuja conta será cobrada ao Judiciário.
A expectativa, amplamente chancelada pelas pesquisas – e já prenunciada nos números do primeiro turno –, é de que Jair Bolsonaro saia vitorioso por significativa margem de votos. Mas é uma expectativa pontuada por tensões e rumores de toda ordem.
O temor de fraude é generalizado – e não é despropositado. Numerosos especialistas o atestam. Ainda que as urnas sejam perfeitas como o dizem seus defensores, o simples fato de isso não ser demonstrável justifica o temor. O TSE, sem meios de desfazê-lo, se empenha em reprimi-lo. Chegou mesmo a retirar do ar manifestação nesse sentido do candidato Bolsonaro.
A manifestação foi censurada, mas o temor é incensurável e pode gerar turbulências no pós-eleitoral.
Outra anomalia foi o ambiente de insultos que marcou a campanha; entre outras coisas, produziu um atentado a faca ao candidato Bolsonaro, por parte de um militante de esquerda.
Tão chocante quanto a agressão foi a tentativa de banalizá-la – não apenas pelos concorrentes, mas também por parte da grande mídia, que se limitou a divulgar boletins médicos e não cobrar das autoridades competentes investigações e providências.
O cerco moral que a esquerda impôs a Bolsonaro passou ao largo da discussão de propostas, concentrando-se nos insultos. Acusou-o obstinadamente de nazista, não obstante o apoio que lhe hipoteca o Estado de Israel, ao qual não se cansa de elogiar.
A lógica do insulto prescinde da lógica da história; nazista apoiado por Israel é algo tão absurdo quanto um quadrado redondo.
O projeto Bolsonaro é pontuado de incertezas e apoiado por uma frente sem unidade doutrinária. Formou-se e consolidou-se na aversão ao petismo, cujo projeto rejeita não por desconhecê-lo, mas exatamente pelo contrário: por conhecê-lo até demais.
A maioria parece mais segura em apostar em um caminho a ser construído, que em outro que já levou à destruição.
Ruy Fabiano
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