Uma das cidades que hoje compõem este núcleo industrial é Rodeiro, pequeno município fincado naquela colônia italiana onde passei todas as férias escolares, tanto as de inverno quanto as de verão, e que, na minha infância, limitava-se a um modesto povoado de economia rural decadente. Tive o privilégio, por isso, de ver no começo da década de 1970 a indústria de móveis nascer e se desenvolver ali, a partir de acanhadíssimas serrarias domésticas.
Em 1989, em visita a familiares percebi uma mudança substancial na sempre reservada maneira de ser de tios e primos. Se a cidade pouco a pouco tornava-se centro de atração de mão de obra para a confecção de móveis e colchões, a mentalidade rural, tradicionalista e conservadora, continuava a reger a vida da comunidade. Por isso, qual não foi meu espanto ao descobrir que todos estavam fechados com a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República contra Fernando Collor de Mello.
Surpreso, procurei entender o que ocorrera para que eles, que tinham pavor de tudo que minimamente soasse a desordem, houvessem optado por um candidato muitas vezes acusado de ser comunista e arauto da anarquia. Então, confessaram que em conversas com o padre da paróquia local, ligado à ala progressista da Igreja Católica, convenceram-se da singularidade das propostas do petista.
Creio que o que motivava a decisão de meus parentes, gente simples e honesta e pouco interessada em política, era o mesmo sentimento que levava as pessoas a lotar os comícios nas ruas: a esperança de, após o longo período de opressão, autoritarismo e abuso de poder patrocinado pela ditadura militar, podermos desfrutar de um país mais justo, governado por lideranças firmemente instaladas em princípios éticos.
O resultado desfavorável daquele ano conduziu Collor de Mello à Presidência, que em seguida renunciou ao cargo para fugir a um processo de impeachment por corrupção. Lula ainda perderia outras duas eleições, em 1994 e em 1998, antes de chegar ao poder em 2002. Agora, 25 anos depois da primeira candidatura e de doze anos de mandatos consecutivos, que país é o Brasil que o PT nos oferece?
E as perspectivas não são nada animadoras. Infelizmente, a crise no polo moveleiro de Ubá não é fato isolado. A inflação deve ultrapassar os 8% e o desemprego pode chegar a quase 9% este ano, no momento em que o Produto Interno Bruto registra crescimento negativo de até 2%. Mas, se tudo isso é péssimo, pior ainda é a sensação de termos sido burlados ao investir nosso capital ético num partido que entrou em bancarrota.
O próprio ex-presidente Lula reconheceu, recentemente, que o PT perdeu a utopia e que os correligionários “só pensam em cargos, em emprego e em ser eleitos”. Esqueceu-se de mencionar que, além disso, o partido afunda em intermináveis escândalos de corrupção. E não assumiu a responsabilidade pela derrocada —afinal, Lula manteve-se e mantém-se como líder máximo do partido, a ponto de seu nome se confundir com a sigla que representa.
O afastamento do PT de seu projeto original, cujo dinamismo alicerçava-se na força dos movimentos populares, hoje neutralizados, resulta no calamitoso desencanto de toda uma geração. Admitir que o partido afastou-se do sonho que alimentava a militância é reconhecer o fracasso do projeto de construção de um país mais justo, que um dia chegou a convencer até mesmo os mais desconfiados e arredios cidadãos, como os meus parentes de Rodeiro. E se é certo que os sonhos não envelhecem, é também verdade que nós envelhecemos e nos tornamos mais céticos. E mais tristes...
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