quinta-feira, 19 de março de 2020

COVIDiário. Menina, estás à janela

Dia 4

Um ecrã dividido em quatro partes, do lado de lá colegas empenhados em, apesar de todos os contratempos, fechar revistas e meter edições na rua (ou num telemóvel, tablet ou computador perto de si). Nas novas reuniões digitais, uma grande diferença: de quando em vez aparecem nas janelas umas cabeças pequenas – as dos filhos agitados a correr lá atrás ou curiosos a tentar perceber o que estão os pais a fazer. Principal desafio do teletrabalho: gerir (e nalguns casos, como o meu, por vezes mesmo afugentar) os novos habitantes do escritório: os familiares e animais domésticos. Felizmente, como alguém dizia com graça, o trânsito para chegar ao trabalho agora é muito pouco: é só da cozinha para a sala.


Confesso-me antiquada: sou aquela pessoa que detesta o teletrabalho. Sempre resisti à ideia com todas as forças. Desincentivava-o ao máximo na redação, porque nesta área específica, trabalhar em equipa e cara a cara só tem vantagens. Na informação as coisas acontecem ao minuto e é preciso agilmente trocar ideias, debater ângulos, acertar planos. Esta conversa para o lado, que acontece a toda a hora, acrescenta valor. Os melhores trabalhos são os que são pensados em conjunto, os melhores títulos normalmente não saem à primeira, são pensados em voz alta. O facto de paginarmos uma revista também aconselha presença física – é muito mais fácil de dar indicações e testar caminhos quando vimos, juntos, o que está a acontecer.

E de, repente, um bicho chamado coronavírus obrigou-me a enfiar esta ideia no cesto das convicções de outros tempos. A descobrir as múltiplas vantagens do Teams e do Zoom (as apps mais descarregadas na sexta-feira), a falar (ainda mais) pelo WhatsApp, a mandar recados rápidos pelo Skype for Business.

E não é que, mal ou bem, é possível? Os primeiros tempos foram de sensação de esquizofrenia multiplataforma, com o cérebro em “tilt” com tanto bombardeamento e solicitação.

E depois, como em tudo, acabamos por nos habituar e ir levando a coisa – com muito empenho e sentido de responsabilidade de todos. Primeira regra a aprender nesta novidade do teletrabalho: quando um “burro” fala, o outro baixa as orelhas. Falarem todos ao mesmo tempo numa reunião virtual é caótico, porque o ecrã vai mostrando os que têm a palavra. Segunda regra: nos grupos de trabalho não pode haver memes nem piadas nem partilhas de histórias irrelevantes. Caso contrário ficam perdidas as mensagens realmente importantes. Faça-se outro só para a galhofa.

Amanhã testaremos um encontro virtual com 12 pessoas para a rotineira reunião de planeamento semanal. É à distância, mas “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”, como dizia o povo quando, na primeira invasão francesa, Junot se instalou na cidade do distrito de Santarém. O inimigo agora é o Covid-19, e as armas para o combater a ciência e a tecnologia. Aproveitemo-las ao máximo.

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