As notícias do Brasil trazem sempre muita ação, sangue, fúria, lágrimas, episódios cômicos, e, nos últimos meses, uma forte dose de "nonsense", no melhor estilo kafkiano, que fascina qualquer observador. É certo que, de tão intrincadas e absurdas, tais notícias exigem um alto grau de conhecimento e de atenção. A maioria dos estrangeiros não está preparada para compreender o Brasil. A maioria dos brasileiros também não.
“O mecanismo”, a série dirigida por José Padilha, agora na segunda temporada, deveria ser precedida por um curso básico sobre a História recente do Brasil. Ou talvez mesmo por um curso superior. O enredo é tão complexo que o próprio diretor não o compreendeu. Digo isto baseado nas recentes entrevistas de Padilha, falando sobre Sérgio Moro, que ele via como um herói e agora acha um vilão. Para um espectador estrangeiro é muito difícil acompanhar as voltas e reviravoltas do processo, tentando distinguir os bons dos maus. Aparentemente, são todos maus (e todos brancos também. Fica-se com a suspeita de que se tirassem os brancos do Brasil o país melhoraria muito).
A maior virtude de Bolsonaro é que, por comparação com ele, todos os grandes vilões globais parecem melhores: Donald Trump é (quase) Barack Obama, um modelo de bom senso, cultura e inteligência; Vladimir Putin soa como um democrata. Até o rude presidente filipino, Rodrigo Duterte, quando colocado ao lado de Jair, ganha certo polimento (dizem-me que fala bem a língua materna).
De novo em Lisboa, encontro brasileiros por toda a parte. Há um grupo cada vez maior de exilados, e há aqueles que gostariam de se exilar mas estão apenas de férias, tentando assimilar a vertiginosa incoerência destes dias. Há ainda os bolsonaristas. São muitos, entre os envergonhados e os assumidos. A estes últimos tiro o chapéu pela coragem. Porque é preciso enorme coragem para defender Bolsonaro num país que é um oásis de paz e prosperidade, governado por um partido socialista, com o apoio de comunistas e da esquerda alternativa, e onde a ultradireita não tem a menor relevância.
Todos estes brasileiros precisam enfrentar, a cada novo encontro, no trabalho, na rua, num jantar de amigos, a pergunta inevitável: “O que aconteceu ao Brasil?”.
É claro, ninguém tem uma resposta. Mas é mais fácil para os exilados, que podem sempre cair num choro aflito — uma maneira desesperada de assumir a perplexidade e naufragar nesse grande mistério que é o Brasil. Ou então partir para o contra-ataque, como um grande amigo, radicado em Lisboa há poucos meses, que sempre reage da mesma maneira diante da fatídica questão: “Pelo menos não morreremos de tédio!”.
Não, de tédio não.
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