sábado, 8 de junho de 2019

Meu Brasil estrangeiro

Assim que acordo, ainda na cama, leio os jornais. Começo pelo GLOBO e outros títulos da imprensa brasileira. Talvez não seja uma boa escolha, porque, quando passo para a imprensa europeia, quase todas as notícias me parecem terrivelmente enfadonhas. Faço um esforço enorme para me manter informado sobre a atualidade política portuguesa, através do diário “Público” — mas acabo sempre por adormecer de novo. É como tentar assistir a um filme de Manoel de Oliveira depois de ver Tarantino.

As notícias do Brasil trazem sempre muita ação, sangue, fúria, lágrimas, episódios cômicos, e, nos últimos meses, uma forte dose de "nonsense", no melhor estilo kafkiano, que fascina qualquer observador. É certo que, de tão intrincadas e absurdas, tais notícias exigem um alto grau de conhecimento e de atenção. A maioria dos estrangeiros não está preparada para compreender o Brasil. A maioria dos brasileiros também não.


“O mecanismo”, a série dirigida por José Padilha, agora na segunda temporada, deveria ser precedida por um curso básico sobre a História recente do Brasil. Ou talvez mesmo por um curso superior. O enredo é tão complexo que o próprio diretor não o compreendeu. Digo isto baseado nas recentes entrevistas de Padilha, falando sobre Sérgio Moro, que ele via como um herói e agora acha um vilão. Para um espectador estrangeiro é muito difícil acompanhar as voltas e reviravoltas do processo, tentando distinguir os bons dos maus. Aparentemente, são todos maus (e todos brancos também. Fica-se com a suspeita de que se tirassem os brancos do Brasil o país melhoraria muito).

A maior virtude de Bolsonaro é que, por comparação com ele, todos os grandes vilões globais parecem melhores: Donald Trump é (quase) Barack Obama, um modelo de bom senso, cultura e inteligência; Vladimir Putin soa como um democrata. Até o rude presidente filipino, Rodrigo Duterte, quando colocado ao lado de Jair, ganha certo polimento (dizem-me que fala bem a língua materna).

De novo em Lisboa, encontro brasileiros por toda a parte. Há um grupo cada vez maior de exilados, e há aqueles que gostariam de se exilar mas estão apenas de férias, tentando assimilar a vertiginosa incoerência destes dias. Há ainda os bolsonaristas. São muitos, entre os envergonhados e os assumidos. A estes últimos tiro o chapéu pela coragem. Porque é preciso enorme coragem para defender Bolsonaro num país que é um oásis de paz e prosperidade, governado por um partido socialista, com o apoio de comunistas e da esquerda alternativa, e onde a ultradireita não tem a menor relevância.

Todos estes brasileiros precisam enfrentar, a cada novo encontro, no trabalho, na rua, num jantar de amigos, a pergunta inevitável: “O que aconteceu ao Brasil?”.

É claro, ninguém tem uma resposta. Mas é mais fácil para os exilados, que podem sempre cair num choro aflito — uma maneira desesperada de assumir a perplexidade e naufragar nesse grande mistério que é o Brasil. Ou então partir para o contra-ataque, como um grande amigo, radicado em Lisboa há poucos meses, que sempre reage da mesma maneira diante da fatídica questão: “Pelo menos não morreremos de tédio!”.
Não, de tédio não.

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