Se não se curvarem a seus caprichos e diretrizes, pune-os severamente, abusando dos poderes presidenciais, algo certamente inconstitucional. Porém, a estratégia de não ceder à extorsão, enfrentando o presidente nas cortes, é demasiado custosa. Leva muito tempo, com prejuízos imediatos irrecuperáveis e ameaças à própria sobrevivência.
Veja-se o caso da cidade de Washington, capital do país. Trump a achacou, ameaçando-a com grandes cortes de recursos caso a prefeita Muriel Bowser não removesse a inscrição "Black Lives Matter" do pavimento de uma praça. Segundo o republicano, a expressão seria "símbolo de ódio". Diante do risco de penúria, a prefeita —negra e democrata— curvou-se ao capricho presidencial. Justificou sua sujeição assim: "Agora nosso foco é garantir que nossos moradores e nossa economia sobrevivam".
A situação é mesmo crítica, pois as finanças de Washington são ameaçadas também pelo risco de 40 mil residentes perderem o emprego devido a cortes de pessoal promovidos pelo governo federal. Isso se confirmando, menos gente poderá pagar impostos e consumir na capital do país, minando a arrecadação local.
Outra frente de ataque são as grandes universidades americanas, que correm três riscos significativos quanto a seu financiamento. Um, o aumento de 1,4% para 21% na taxação sobre ganhos advindos de seus fundos. Outro, a limitação do montante desses fundos: de US$ 500 mil por estudante para apenas US$ 200 mil, definhando a base do autofinanciamento. Por fim, o puro e simples corte de verbas federais necessárias para diversas atividades acadêmicas, em particular a pesquisa científica.
Tais iniciativas visam esmagar princípios e práticas progressistas vigentes nas universidades. Tom Cotton, senador republicano do Arkansas, afirmou no X: "Nossas universidades de elite precisam saber o custo de promover agendas antiamericanas e pró-terroristas". Chama atenção o termo "antiamericanas": evoca o Comitê de Ações Antiamericanas da Câmara e sua perseguição a supostos comunistas nos anos 1950, associadamente a Joseph McCarthy no Senado. Ou seja, o macarthismo ressurge em nova roupagem e com escopo ampliado.
O estrangulamento financeiro das universidades visa submetê-las à agenda reacionária do trumpismo. No caso de Columbia, a sujeição chega ao ponto de a universidade permitir ao governo nomear o chefe do departamento de estudos do Oriente Médio, escrutinando o currículo e seus professores, avaliando se os deve manter ou demitir.
Um terceiro alvo do presidente dos EUA são escritórios de advocacia que recentemente o enfrentaram na Justiça. Dois deles, Perkins Coie e Paul Weiss, foram nominalmente citados em ordens executivas (tipo de decreto presidencial com força de lei) especificamente editadas para inviabilizar seu trabalho junto a órgãos governamentais. Em decorrência de tais atos normativos, os dois escritórios sofreram uma sangria de clientes, que não teriam como ser representados. O Paul Weiss rapidamente negociou com o presidente, sujeitando-se a seus termos e lhe oferecendo serviços "pro bono" (sic) no valor de US$ 40 milhões.
A terrível novidade é que a extorsão não é mero instrumento para a obtenção ilícita de ganhos pontuais, como propinas. Trata-se de exercício imediato do poder para a sujeição política dos demais atores. Ou seja, torna-se a própria forma de governo —uma "extorsocracia", ou "ekviasmocracia", considerando o termo grego para extorsão, "ekviasmos".
Donald Trump requinta e acrescenta nova dimensão aos processos de erosão democrática promovidos por governantes populistas. Valendo-se da capacidade coercitiva do Estado e de seu poderio financeiro, achaca governos subnacionais, entes da sociedade civil e empresas, minando sua autonomia. Desse modo, pouco a pouco, instaura um governo autoritário na mais antiga democracia do mundo.